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D A N I E L

Eu poderia parecer tão forte, eu poderia falar tanto. Eu nunca estive tão errado.
Strong – London Grammar


É oficial, Bianca e eu terminamos. Depois que conversamos na segunda, quando eu pedi para darmos um tempo, ela finalmente conseguiu me arrastar para um canto durante a festa de Anna e dizer como se sentia de verdade. Ela reagiu bem de início, quando eu falei que queria terminar pela primeira vez, acho até que já havia previsto o término. Mas depois ela passou o resto da semana me procurando para conversar na escola e até mandando algumas mensagens que eu não respondi, porque sou um covarde.

Eu não conseguiria lidar com seu olhar magoado quando me ouvisse dizer que eu não estou mais apaixonado por ela. Se ela perguntasse – e eu sei que ela o faria –, eu diria que, na verdade, nunca a amei. Covarde insensível, concordo. Acho que devo ter algum interruptor que desliga os sentimentos que eu deveria demonstrar com mais frequência, como o altruísmo ou a compaixão. Esse interruptor com certeza deve estar quebrado. Ele quase nunca liga, e, quando liga, geralmente é quando estou sozinho, durante uma caminhada, ou quando estou sem sono no meio da noite, o que me faz ser gentil com mendigos e gatos de rua que resolvem miar ao redor da minha casa durante a madrugada.

Então eu tenho alguns amigos mendigos, mas nenhum amigo gato de rua. Porque, afinal, eu mal posso cuidar de mim, que dirá de um animal de estimação, e gatos são seus próprios donos, ainda por cima os gatos de rua. O que significa que estou sozinho.

Estou tentanto relaxar quanto a isso, sei que ainda tenho Thomas, mesmo que ele passe a maior parte do tempo com outras pessoas – tenho que lembrar a mim mesmo que fui eu quem fiz esta escolha. Não consigo entender o que estou sentindo. Eu não gosto mais de Bianca, não a quero de volta, mas então por que, ainda assim, sinto que há algo faltando?

É quando Anna me cutuca com sua caneta cor-de-rosa que eu entendo qual é a chave do problema.

– Então é isso que você é? – ela pergunta.

Anna está se referindo a tênia, um dos parasitas presentes na sequência de slides que a professora de biologia está nos apresentando.

– Eu não sou uma solitária – respondo com minha grosseria costumeira. – O único verme aqui é você.

– Você tem razão numa coisa, você não é uma solitária. Você é o solitário.

Clic, o gatilho é acionado.

Eu já fui mais forte do que isso. É a segunda vez que uma brincadeira de Anna sai mais pesada do que deveria. Dessa forma, não sei até que ponto serão apenas brincadeiras. Ela está se aproveitando disso ou sou eu quem estou se deixando abalar?

Eu não respondo. Viro-me para frente como se estivesse prestando atenção na aula, mas a minha mente não registra muito bem o que meus olhos estão vendo. Não consigo focar as letras e entender as palavras, não sei identificar muito bem a imagem para qual estou olhando. Anna já voltou a cochichar com outra pessoa, a sala parece estar num clima normal, mas dentro de mim as coisas estão fervilhando.

Abro e fecho os punhos várias vezes seguidas enquanto respiro fundo. Não aqui, não agora. Repito o meu mantra de sempre, de início com calma, mas logo as palavras estão piscando em minha cabeça sem parar, tanto que eu posso jurar que comecei a sussurra-las.

Sinto o olhar de alguém sobre mim, mas não consigo me virar para identificar quem é. Mesmo que o fizesse, a sala está com quase todas as luzes apagadas para facilitar a visualização dos slides. Então eu tomo a única atitude que me resta: levanto-me da minha mesa e ando a passos apressados em direção a porta.

– Algum problema, Daniel? – a professora pergunta, mas eu aceno que não com a cabeça rapidamente e saio de sala.

A lufada de ar que vem de encontro ao meu rosto assim que ponho os pés fora da sala é suficiente para me deixar um único porcento mais tranquilo. Não há ninguém nos corredores. Saí de uma sala cheia me sentindo solitário e agora estou num corredor vazio, estando além de solitário, sozinho.

Ando em ziguezague pelo corredor até a esquina que leva em direção aos banheiros, mas não consigo andar mais do que isso. Meu coração ainda está batendo muito forte e ainda estou lutando para conter algumas lágrimas que insistem em querer se derramar.

Encosto-me na parede, fazendo-a de apoio, e ergo meu rosto para o teto do corredor, completamente branco. Fecho os olhos e involuntariamente começo a bater levemente minha cabeça na parede, repetindo mentalmente uma contagem lenta e progressiva de um a dez.

– Ah, meu Deus! Que susto! – uma voz feminina exclama bem ao meu lado.

Abro os olhos, alarmado, e dou de cara com Alissa.

– Desculpe – ela diz. – Eu estava vindo do banheiro quando..

– Não tem problema – interrompo.

Ela me observa por um instante, parecendo avaliar minha expressão, seja ela qual for.

– Você está bem?

Eu não respondo.

Ela espera por um tempo, então continua:

– Obrigada por ter me feito companhia na festa da Anna. Eu acho que estava meio bêbada e...

– Não importa, já passou.

  – Ah, que bom. Mas e aí, onde você acha tantas músicas legais? Eu gostei de todas que tinham no pendrive, principalmente daquela.. Strong. Acho que a cantora é London alguma coisa. Você com certeza sabe qual é.

  – Não me interessa agora, sinceramente.

Alissa vacila mais uma vez, então inclina o rosto para o lado, como se me examinasse com mais atenção.

– Você tem certeza de que está tudo bem?

– Será que você poderia, por favor, me deixar em paz?

Ela suspira, então deixa os ombros caírem e começa a andar de volta para a sala.

Eu fecho os meus olhos, volto a encostar minha cabeça na parede e respiro fundo. Sinto meu rosto molhar, mas não faço nenhum movimento para impedir as lágrimas de descerem.

De repente, ouço passos vindo na minha direção e braços se enlaçam ao meu redor.

– Mas o que..? – começo a protestar, mas Alissa me interrompe.

– Shh.. – ela murmura. – Não diga nada, só tente ficar calmo.

SubmersosOnde histórias criam vida. Descubra agora