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D A N I E L

E agora meus medos vem pra mim em triplo, então eu, às vezes, digo: "Destino, meu amigo, você diz as coisas mais estranhas".

(Someday – The Strokes)


Na quinta, eu surpreendo a mim mesmo quando acordo uma hora mais tarde que o usual. É a primeira manhã em muito tempo em que eu não vejo o sol nascer. Fico um pouco decepcionado com isso, me acostumei a levantar com o céu ainda escuro.

Começo o dia ouvindo The Strokes, não muito melancólico e agitado no ponto certo para sair dos meus padrões. Me arrumo na velocidade preguiçosa de sempre, mas, quando chego na cozinha para pegar meu pacote de biscoito diário, meu pai ainda está tomando café. Confiro o relógio na parede acima da sua cabeça, que confirmam minhas suspeitas: 6h43, meu pai deveria ter saído há treze minutos.

– Você está atrasado – anuncio, tentando parecer mais indiferente do que como me sinto.

– Estou em tempo – ele olha diretamente para mim. – São só 20 minutos de carro até a escola.

Eu apoio a mochila em cima da mesa, incerto sobre minhas próximas ações.

– Você gosta de chegar mais cedo.

– Eu quis esperar por você hoje.

– Não precisa. Acho que ainda vou demorar um pouco.

Remexo na mochila, procurando alguma coisa, qualquer coisa, para ocupar minhas mãos. O homem sentado a poucos centímetros não parece nem um pouco impaciente.

– Você parece pronto.

– Eu ainda não tomei café.

– Você não toma café.

Eu largo a mochila com força em cima da mesa e ela cai na cadeira, o meu caderno escapando para fora pela metade.

– O que você sabe sobre mim? – Pergunto, claramente aborrecido.

Leo, meu pai, olha para a bolsa caída e entreaberta por um momento. Quando volta a me encarar, sua expressão passiva me deixa ainda mais irritado.

– Você não come nada antes das 8h, fica enjoado quando faz isso desde os doze anos e vai levar um biscoito pra ter o que beliscar durante as aulas, caso sinta fome. Provavelmente Negresco, porque não é tão doce quanto Oreo. Se tiver que ingerir qualquer coisa agora, vai ser um copo de água, sem ser gelada, porque você escovou os dentes antes de descer e acha incômodo a ardência da menta da pasta de dente com a água muito fria na sua boca.

Eu não respondo nada de imediato, surpreso demais ao constatar que tudo o que ele disse é verdade, mas logo me recomponho:

– Legal, agora você é perito nos meus hábitos matinais. Sabe qual será meu próximo movimento também? – Falo, mas minha entonação não soa tão firme quanto eu gostaria.

– Eu diria que você vai terminar o que tem que fazer aqui e sair correndo por aquela porta para poder me evitar em paz como manda o papel de adolescente rebelde e marrento que você tanto se empenha em cumprir. Ou você pode provar que estou errado e aceitar minha carona hoje. Mas duvido que faça isso, agora que sugeri, porque você também é muito orgulhoso.

Eu puxo minha mochila, saindo da cozinha pisando duro. Lá se vai por água abaixo um dia com potencial suficiente para ser relativamente bom.

Aí lembro que esqueci de pegar meu pacote de biscoito e odeio ter que voltar lá para pegá-lo, mas faço mesmo assim. Quando retorno, meu pai ainda toma sua xícara de café e eu o ouço dar uma risadinha convencida ao perceber o que voltei para fazer.

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