33 - Parte I

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A L I S S A

Acenda uma luz sobre mim, porque eu estava perdido no mar enquanto as ondas estavam me puxando para o fundo. 

(Shine A LightBANNERS)


Na sexta, durante a aula de educação física, eu resolvo falar com Daniel. Estou jogando queimada num time de meninas contra meninos e estou exausta de tentar me esquivar da bola, então me deixo ser atingida de propósito e estou liberada temporariamente do jogo.

Ele não está participando, como sempre. Ao invés disso está sentado nas arquibancadas, parecendo bem distraído observando o jogo enquanto ouve música e come salgadinho.

Eu achei que depois dos últimos acontecimentos nós iríamos ficar mais próximos, não apenas por tudo que aconteceu semanas atrás, mas também pelo que Thomas me disse em sua casa há poucos dias, porém Daniel se manteve distante durante todas as aulas de ontem, não participou das primeiras aulas de hoje, tomou chá de sumiço durante os intervalos e até mesmo na sua casa ele se enfurnou de um jeito que eu não consegui sequer vê-lo chegar ou sair de casa, mesmo sendo sua vizinha.

Eu caminho até ele em passos curtos e rápidos, incerta sobre querer mesmo conversar. Nem sei bem o que vou dizer. Mas afasto as inseguranças para um canto e aproveito esse meu súbito impulso de coragem para seguir em frente.

Ele sabe que eu estou indo falar com ele mesmo que não esteja olhando na minha direção. Sei disso porque ele parece ficar mais tenso a medida que eu me aproximo, corrigindo sua postura e sentando mais ereto na arquibancada. Ele comete o erro de olhar para mim, aí desvia, tentando ser casual e fazer parecer que estava dando uma olhada geral no ginásio, mas eu sei que ele me viu. Seu rosto virou diretamente para mim e seus olhos pararam um instante a mais do que o necessário.

– Oi – eu digo, quando estou próxima o suficiente.

Daniel não responde. Por um momento penso que ele vai me ignorar e fingir que não me viu, pois ele continua com o olhar firme no jogo que segue a nossa frente. Mas, enquanto estou me decidindo entre dar meia volta ou chamar novamente, ele cede. Daniel vira a cabeça lentamente para mim, mais uma vez tentando parecer casual e falhando terrivelmente. Seus lábios se esticam num sorriso tão artificial que me incomoda.

– E aí, Alissa? – Quando ele fala, até sua voz parece diferente. Soa como se ele estivesse se obrigando a falar comigo. Mas agora que já consegui sua atenção direta, não posso desistir.

– Como você está? – Pergunto e me sento ao seu lado, mantendo uma distância respeitosa.

Ele tira um dos fones e fecha o pacote de salgadinho, se permitindo relaxar um pouco e encostando na parte da arquibancada mais alta atrás de nós.

– Eu estou ok. E você?

Sinto vontade de dizer que "estar ok" não é o mesmo que estar bem, mas resolvo não pressionar.

– Eu tô bem. O que você está ouvindo?

– Matt and Kim.

– Não conheço.

– São uma dupla legal que eu achei no Youtube.

Espio seu celular, que está com o aplicativo do Youtube aberto numa playlist que ele provavelmente deve ter montado.

– Posso ouvir?

Ele hesita um pouco antes de concordar e me passar um dos fones. Para minha surpresa, a canção tem ritmo alegre e contagiante. Pensei que ele estaria ouvindo algo supertriste ou um rock de fazer você querer chorar e quebrar cadeiras ao mesmo tempo.

– Parece bom – digo, devolvendo o fone.

– É. Pode ficar ouvindo, se quiser.

Eu aceito.

– Você tá usando o wi-fi da escola? A qualidade tá muito boa pra vir do 3G.

– Sim.

– O sinal tá muito bom aqui.

– É para ajudar as pessoas a postarem sobre os jogos em tempo real.

Quando a próxima música começa, noto que ela é bem mais lenta e melancólica, e Daniel a pula quase que imediatamente, passando para a seguinte, que é ainda pior. Ele começa a pular as músicas sem parar, buscando encontrar uma mais animada e parecendo cada vez mais frustrado quando esta nunca chega.

– Que merda – ele xinga. Então olha para mim: – Desculpa, é que eu queria...

Então fecha os olhos, se censurando, e deixa a frase no ar.

– O que você queria?

Ele não responde. Involuntariamente, eu ponho a mão sobre sua perna. Ele olha direto para onde minha mão está. Eu puxo a mão de volta. Daniel sacode o rosto como se tentasse afastar um pensamento muito insano ou perturbador. Então ele suspira e fala, por fim:

– Eu queria sair daqui.

– Pra onde você quer ir?

– Qualquer lugar fora dessa escola. Eu só quero sair daqui agora mesmo.

Eu mordo o lábio, porque este é um desejo um pouco complicado.

– Nós não podemos..

– Podemos – ele interrompe.

Estou um pouco aturdida, mas tento parecer normal.

– Como?

Para minha surpresa, ele quase sorri ao responder:

– Eu tenho como dar um jeito.

– O que você vai fazer?

Ele se levanta com agilidade, pondo-se de pé a minha frente.

– Só preciso saber se você vem ou não.

Olho para minhas roupas. Estou usando o uniforme de educação física da nossa escola: short preto e camiseta branca.

– Tenho que pegar minhas coisas no vestiário.

Daniel acena com a cabeça, concordando.

– Mas seja rápida, temos que andar logo pro plano funcionar.

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