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A L I S S A

Me deixe pegar sua mão, eu consertarei isso. Juro te amar por toda a minha vida.

(Chod Overstreet – Hold On)


Não sei dizer em que ponto mudou. Uma hora, estávamos apresentando a ideia das memórias para a Sarah e o resto da turma, Daniel estava participando. Ele introduziu o grupo, nos apresentou, explicou o conceito muito bem. Sarah estava adorando. Sua fala estava bem articulada, sua postura relaxada. Ele estava de pé, apoiado sutilmente na birô da professora; falava olhando diretamente nos olhos dela. Então, como se algo muito estranho tivesse acontecido em um lugar onde não pude ver, ele parou.

Bem na hora em que estava falando sobre a importância de preservar as memórias para construir sua própria identidade, no que poderia ser o início de uma bela discussão com o resto da sala, ele pôs um ponto final. Eu estava do outro lado da mesa, bem atrás dele, mas senti a mudança. Sua voz deslizou para um tom mais incerto, ele passou a mão no cabelo, e, como se não pudesse evitar, olhou para os lados e por fim para trás, para onde eu estava. Dei um sorriso encorajador, mas ele fez que não com a cabeça, olhou para Thomas, fez o mesmo gesto e deixou sua posição em frente à mesa.

Juro que a manhã começou bem. Viemos juntos de ônibus para a escola. Ele conversou durante a maior parte do caminho. Tomamos sorvete em frente à escola. Eu de chocolate, ele de creme com calda de morango. Rimos, trocamos histórias, ouvimos músicas, nos beijamos. O dia parecia que ia correr perfeito. Depois encontramos Thomas, que nos levou até Anna e Victor. Começamos uma brincadeira que chamamos de "Os Casais e O Candelabro", onde claramente eu e Daniel e Victor e Anna éramos o casal e Thomas era o candelabro, porque precisava segurar altas velas por nossa conta.

Nós já tínhamos tudo o que iria ser apresentado na aula de hoje planejado há dias. Thomas não terminou o vídeo, mas não mostraria mesmo se tivesse: era surpresa.

Anna fez um slide maravilhoso, Victor montou nosso esquema de falas e posições na sala, eu dividi as ideias principais e o tempo de fala pra cada um de nós, Daniel deu sugestões, participou de cada uma das etapas do planejamento e ficou de introduzir o grupo. Estava fazendo isso muito bem.

Agora está sentado ao meu lado na cadeira de Sarah - ela está sentada junto do resto da turma -, observando nossos colegas de grupo terminarem de apresentar. Ele batuca na mesa, remexe nas canetas de Sarah e nos papéis sob a mesa, está extremamente inquieto. Quando toco em seu ombro, ele vira para mim com um sorriso forçado. Me incomodo com sua reação. A perna direita dele não para de mexer nem por um segundo, como um tique nervoso. Tenho a impressão de que ele quer sair daqui.

Quando seus dedos começam a tamborilar cada vez mais inquietos sob a mesa, eu ponho minha mão sobre a sua. Ele para no ato, olhando para a minha mão. Depois, gentilmente a afasta e volta a tamborilar com os dedos. Primeiro fico magoada, depois ofendida: o que ele pensa que está fazendo ao recusar minha ajuda?

– O que você tem? – pergunto aos sussurros.

Ele dá de ombros. O ar de prepotência em sua postura me faz pensar que ele está escondendo alguma coisa, mas não insisto. Quando chega a minha vez de falar, escorrego um pouco nas palavras, mas faço um bom trabalho. Tão logo a apresentação termina e Daniel se levanta da mesa, pega sua mochila na sua carteira e sai da sala. É um sinal óbvio de que ele não pretende voltar para assistir as próximas aulas.

Fico dividida entre ir atrás dele ou permanecer na sala. Não quero perder aula, mas também não quero deixá-lo sozinho. Resolvo seguir meu coração e saio da sala também, lançando antes um olhar de desculpas para meus amigos. O olhar que recebo de volta de Thomas me diz tudo o que eu preciso para ter certeza de que estou tomando a decisão certa.

SubmersosOnde histórias criam vida. Descubra agora