III - Inspiração.

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Henry abriu o editor de texto e ficou lá: parado diante a página em branco, revirando as imagens aleatórias de sua mente, buscando por algo que valesse virar um romance de várias páginas.

Todas as coisas que apareciam se encaixavam mais nas crônicas e nos contos que já estava acostumado a escrever. Não conseguia pensar em personagens significativos, não conseguia pensar em nada que fosse forte o suficiente.

Lá estava um rapaz franzino, com os cabelos despenteados e o rosto concentrado como se estivesse diante a uma prova de cálculo, quando na verdade tinha diante de si a tela de um computador.

Estava tão mergulhado no universo particular de sua mente que sequer olhou para o rosto da pessoa que lhe entregou seu café e seu brownie. Henry apenas agradeceu de forma um tanto seca e continuou com sua tentativa de escrever o Romance.

Damien já viu uma centena de vezes aquela imagem nos filmes: os escritores que se deslocavam até cafés para escrever, no entanto, nunca pensou na possibilidade de encontrar alguém assim em Greenville, onde todos se preocupavam mais com os empregos e as coisas da casa do que com a ideia de produzir arte. 

Talvez por isso aquele agradecimento frio não tenha soado como grosseiro. Na verdade, o jovem se sentiu culpado por atrapalhar a cena quase cômica que consistia naquele cliente sentado ali, tentando espremer alguma coisa da mente.

Daquele primeiro contato, comum e rotineiro, não havia nada a ser dito. Damien não deu muita atenção a Henry, e Henry nem mesmo ergueu os olhos para Damien. 

Ao julgar por aqueles primeiros segundos, os dois nunca passariam de estranhos que jamais trocariam palavras verdadeiras, no entanto, com o passar das horas, a figura do escritor frustrado se tornou uma atração para os empregados da Green Coffee.

Depois de terminar seu café da manhã, Henry continuou lá, pedindo mais expressos. Ás vezes deixava o computador sobre a mesa, para ir até o lado de fora queimar um cigarro, mas sempre voltava alguns minutos depois para formar novamente a cena estranha para as pessoas da cidade pequena.

Do horário mais calmo ao mais movimentado: lá estava ele, imóvel. Uma vez ou outra digitava algumas palavras que logo em seguida apagava, sempre concentrado a ponto de não olhar para ninguém. Ás vezes voltava sua atenção para o vidro, através do qual via as ruas da cidade, e em seguida, fitava aquela tela, que parecia ser seu calvário.

As horas da tarde, certamente, eram as de melhor movimento. Não havia descanso para Damien, que continuava a andar de um lado para outro, levando bandejas, recolhendo pratos, limpando mesas.

Nesse ponto, Henry colocou seus fones de ouvido para se distanciar do ruído do mundo e voltar-se inteiramente para a fantasia.

— Aquele garoto pediu outro café... aquele que está aqui o dia inteiro. — Comentou Mandy para Damien que estava na cozinha lavando a louça,  logo após o movimento acalmar um pouco. — Ele não foi embora nem no horário do almoço, Roger disse, ficou aqui com o computador.

— Eu acho que ele é um tipo de escritor, ou sei lá. — Damien deu de ombros.

— Você conhece ele? Eu nunca o vi antes. — Mandy colocou os pratos sujos junto a pilha.

— Não, ele deve ser novo na cidade.

Em um lugar como Greenville todo mundo se conhecia, nem que fosse de vista. Era incomum encontrar um completo desconhecido por aquelas bandas. O tal rapaz só poderia ter chegado a pouco tempo, ou então, ser alguém tão isolado que quase nunca saía pela cidade. Ainda assim, como seus ares eram diferentes dos das pessoas daquela região, Damien apenas concluiu que se tratava de um recém-chegado.

Coração de Porcelana.Onde histórias criam vida. Descubra agora