XXXI: A Primeira Vista.

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Em um dado momento os bosques foram se tornando construções que pareciam mais altas a cada milha, assim como a poluição e a correria se faziam mais e mais presentes até que a famosa vista de Manhattan estava diante de Henry, imponente e nostálgica, trazendo uma sensação de estar voltando para casa e ao mesmo tempo, o recebendo agora como um turista. Era impossível para alguém que passara sua vida mergulhado na literatura, não lembrar daquela descrição oriunda dos anos vinte, de uma Nova York avistada daquele ângulo:

"A cidade, vista da Ponte, é sempre uma cidade vista pela primeira vez, em sua primeira e violenta promessa de todo o mistério e de toda a beleza existente no mundo".

Era incrível como aquilo parecia atual, ali, diante aqueles montes de concreto erguidos em direção ao céu noturno, onde as luzes, como pepitas de ouro ou como lanternas de um farol distante, duelavam com o breu a ponto de criar aquela visão incrível, refletida nas águas que davam boas-vindas a ilha mais famosa do mundo, onde as coisas eram mais caras e onde os sonhos podiam ser realizados ou desfeitos: Aquela metáfora das luzes artificiais no duelo noturno com as sombras nada mais era do que a descrição da vida naquele mundo onde as festas eram maiores e a solidão mais acentuada.

Aquela dualidade entre a privacidade e o esquecimento diante as multidões perdidas pelas ruas.

Entristecia e alegrava. Para Henry era bom estar em casa, mas difícil de aceitar um lugar belo e frio como lar.

— Damien — ele chamou, sabendo que em algum momento do caminho, o mais velho havia caído no sono... Ainda assim, queria que ele visse. Queria que ele pudesse sentir a vista famosa, sabia que ele gostaria, afinal, era sua cidade dos sonhos — Acorde, nós chegamos!

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Era bom sair do carro, era libertador. Damien foi o primeiro a deixar o veículo e sentir o alívio de esticar as pernas pela primeira vez desde Trenton. Estavam no subsolo do hotel, na garagem, já tinham passado pelos prédios altos de Manhattan e enfim poderiam descansar antes de aproveitar a cidade e isso era ótimo. Damien precisava dormir, seu corpo implorava por uma cama macia e pelos abraços de Henry, apesar do calor, poderiam ligar o ar condicionado do quarto na temperatura mais fria possível para deixar o ambiente mais propicio a abraços apertados dados em baixo dos cobertores.

— Sabe — Henry começou logo que bateu a porta do automóvel – eu escrevi uma coisa há algum tempo atrás: A gente só vive os lugares depois que se desce do carro, antes disso, é como assistir televisão, somos só expectadores, nem sequer percebemos a realidade do que está ao redor, tudo parece cenas perdidas de um filme.

— Isso... Faz tanto sentido — Damien riu baixo e voltou seus olhos para Henry, que tomara a atitude de se aproximar do mais velho e o trazer para perto de si e Damien retribuiu o abraço beijando o rosto do outro com toda a ternura e gratidão possíveis — Você é um gênio.

Henry sorriu orgulhoso, porque por mais que quisesse manter a modéstia, ouvir Damien falando aquele tipo de coisa era no mínimo motivador, pela forma como ele dizia, com aquela certeza completa, era como se realmente fosse verdade, era como se Henry fosse realmente um gênio.

Damien juntou os lábios dos dois, quase instintivamente, as mãos juntas na cintura do outro teimavam em traze-lo para mais perto, enquanto puxava os lábios dele com os dentes, pois era impossível ter outra atitude diante aquele sorriso e por mais que estivesse cansado depois da viagem e do dia de trabalho, dormir parecia agora uma ideia idiota, tinha tantas outras coisas que podia fazer, tinha Henry, no mesmo quarto que ele, completamente sozinhos e isolados de toda a realidade que conheciam, podia passar horas simplesmente beijando ele, sentindo a textura úmida e quente de seus lábios, a respiração que se tornava irregular naquela busca por ar, o corpo de Henry junto ao seu, tudo o que podia tocar, todas as reações e sensações que poderia arrancar dele... Não precisava dormir, se pudesse, se seu corpo aguentasse, passaria todos aqueles dias em claro, apenas aproveitando tudo aquilo que a rara privacidade poderia lhes oferecer.

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Não era um quarto muito grande, na verdade, ali mal cabia a enorme cama de casal e alguns móveis espremidos, no entanto, um quarto maior certamente seria muito caro para o salário de Henry, além do mais, o tamanho do cômodo não importava muito, não quando a parede da frente era na verdade uma janela, dando uma vista incrível para os prédios mais adiante.

Era de tirar o folego... Todas aquelas luzes até se perder de vista, todos aqueles edifícios e as ruas minúsculas se formando entre eles. Dali, parecia que se podia pular de telhado em telhado.

Dentro do quarto aquele contraste forte entre o branco e o tom escuro dos móveis e dos detalhes dava ao local um ar moderno como a cidade, tudo planejado para parecer muito confortável e acolhedor... Henry tinha bom gosto para hotéis, sem dúvida alguma, se um dia fizessem mais viagens, seria a função dele escolher o local onde ficariam.

Damien logo colocou a mochila sobre a escrivaninha, junto a de Henry e em seguida foi até a cama e jogou-se entre as inúmeras almofadas brancas com detalhes bordados em preto, era tão macio e confortável que ele não se importaria de dormir todos os dias ali, com os olhos voltados em direção aos prédios da vista panorâmica e cercado daqueles travesseiros todos.

— Você deveria descansar, amanhã vamos caminhar muito — Henry disse enquanto livrava seus bolsos das chaves, celular, carteira e algumas notas amassadas de um dólar que sobraram da gasolina.

Damien riu e sentou-se na cama, em seguida, estendeu os braços e segurou Henry pelas mãos, o puxando para que o mais novo ficasse sobre ele, queria continuar a beija-lo, aproveitar que tinham a chance de ficar sozinhos, já que durante os dias comuns, tinham de parecer amigos, andando pelas ruas mantendo sempre aquela distância que apenas agravava o desejo.

— Não quero descansar — Damien disse mais baixo antes de selar os lábios nos de Henry.

— Me diz o que você quer, então — ele não precisava dizer, era óbvio, mas Henry não podia deixar de provocar, já havia se passado tanto tempo desde a noite na casa de Damien e depois disso, nenhuma nova oportunidade para aquele tipo de contato mais íntimo, com exceção dos beijos escondidos em algum canto qualquer.

Diante ao silêncio de Damien, Henry apenas riu baixo e começou um novo beijo, um beijo lento, arrastado, enquanto os corpos começavam a buscar por um encaixe perfeito e as mãos, ou prendiam os cabelos do outro com força, ou buscavam pela pele, ainda escondida pelas roupas leves de verão.

— Eu senti falta disso — o mais velho sussurrou, ele afastou um pouco os rostos e puxou um dos travesseiros para apoiar sua cabeça — Se você soubesse como é bom quando você me beija, quando você me toca... Quando fica assim comigo.

Damien abriu um sorriso sincero e acariciou o queixo de Henry como se estivesse tocando alguma preciosidade que pudesse se desfazer com qualquer toque descuidado.

— Temos quatro dias para matar toda a saudade — Henry respondeu abrindo um sorriso largo em seu rosto, desfeito apenas pelo novo beijo que começaram.

Coração de Porcelana.Onde histórias criam vida. Descubra agora