Coração de Porcelana.

XXX: On the Road

Os bosques que cercavam Greenville passavam rápido por eles, as árvores tinham formas quase indecifráveis diante ao breu da noite. Havia o som da música tocando no rádio, quase como um chiado agradável e baixo que chegava aos ouvidos como ares de memória, como nos filmes e nos livros.

Henry estava certo, não teriam aquela atmosfera se estivessem optado pela viagem de trem, mesmo que fosse mais rápida, não poderiam colocar uma música tranquila para tocar e seguir viagem como se estivessem em uma aventura épica.

Ainda assim, apesar de um cenário noturno propício ao sentimento de liberdade, o silêncio era o soberano dentro do carro, soando mais alto do que a música ou que o som do vento toda vez que passavam por outro veículo. Damien sabia perfeitamente que os motivos para aquela situação foram suas palavras ditas no calor do momento, mas não tinha coragem de começar uma nova conversa e pedir desculpas, não que não quisesse, simplesmente ficava inseguro quando tinha de percorrer uma distância mais loga dentro de um carro.

Provavelmente aquele medo vinha do acidente que ceifara seus pais e mesmo que ele não estivesse presente no momento da tragédia, a simples visão dos Collins depois da batida o atormentava. Toda vez que via faróis se aproximando no lado oposto da estrada ele se encolhia um pouco, se segurava ao cinto de segurança, como se a batida fosse iminente. 

- Vamos parar em Trenton para abastecer - Henry informou sem tirar os olhos da estrada - Podemos comer alguma coisa também, o que você acha? Sabe, vamos chegar em Nova York quase meia noite...

- Sim, sim, é uma boa ideia - Damien respondeu abrindo um sorriso nervoso.

Henry direcionou seus olhos para o rapaz ao seu lado por alguns momentos, para avaliar a situação. Não queria dar o braço a torcer, mas ao mesmo tempo, Damien parecia nervoso demais e o mais novo simplesmente não podia ignorar isso como se fosse um detalhe comum.

- Eu não quero passar a viagem inteira assim, Damien, eu passei meses planejando isso e... Não foi o melhor começo possível, mas... Eu entendo sua reação, quer dizer, você ficou preocupado com Lucy e tudo, o problema é que...

- Eu sei, eu faço isso as vezes - ele respondeu junto a um suspiro pesado - Meu pai dizia que a culpa era do horóscopo e dessas coisas bizarras, mas eu discordo, eu só... Eu sei que isso parece muito errado.

- Todo mundo discute as vezes, Damien e nem sempre é você que começa.

- Eu só não quero estragar isso... estamos mesmo indo para Nova York eu nunca imaginei uma coisa assim - ele respondeu sem perder os ares nervosos - E eu sei que todo mundo discute as vezes, eu só não quero ser o cara que estraga todos os bons momentos com mal-humor, mas as vezes... Eu sinto que estou prestes a enlouquecer.

Henry não respondeu, preferiu se manter em silêncio por alguns momentos, pensando naquelas palavras: Era verdade que Damien tentava carregar o mundo nas costas, ele sabia que deveria ser difícil se ver de uma hora para outra cheio de obrigações, tendo de tocar a vida, aprender a educar uma criança e ser responsável por tudo, Henry sabia que por muito tempo, o outro abdicara muito de si mesmo para conseguir esses feitos e recém agora parecia retomar um pouco de sua vida de volta, ainda assim, era possível ver como ficava estressado, principalmente quando havia algum problema, quando tinha de trabalhar demais ou quando as coisas em sua casa ficavam pesadas: Lucy reclamando dos colegas de escola, alguma nota baixa ou então a simples personalidade infantil da garotinha, ainda incapaz de entender o mundo dos supostos adultos.

- As vezes eu não quero que o dia comece, sabe? - Damien prosseguiu. Aquilo já não tinha muito haver com o pequeno desentendimento que tiveram mais cedo, era mais uma necessidade de falar sobre aquelas coisas, era como se ali, na estrada, simplesmente fosse mais simples de dizer. Estavam sozinhos, longe daquela cidade que era seu lar e que ao mesmo tempo o aprisionava - Eu escuto o celular despertar e penso: Que merda! E não é nem preguiça ou sei lá, é simplesmente... Eu fico irritado só de pensar na rotina e se não fosse você, Lucy e Mandy...