II - Greenville

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Sinto falta da movimentação de Nova York.

Henry Lockwood escreveu em seu caderno de anotações que tinha a função secreta de diário, embora não gostasse de chamar assim. Achava que os diários eram para pessoas interessantes de verdade ou para estudantes do fundamental que relatavam suas primeiras paixões como se fossem as últimas de suas vidas. 

Um exagero Shakespeariano remanescente na sociedade atual.

Henry odiava Shakespeare, por mais que nunca admitisse isso. Não soava certo para um entusiasta da literatura que perdia seus dias ou escrevendo ou perdido nas páginas de um romance dos anos vinte:

A melhor época que já existiu, segundo Lockwood.

Quando morava em Nova York, às vezes fingia que em algum lugar daquela cidade, Gastby ainda fazia suas lendárias festas, tentando atrair a atenção de sua amada Daisy.

Seu sobrenome era outra coisa que Henry gostava de exibir como uma medalha de escoteiro. "Lockwood" era a mesma alcunha do personagem que ouviu a governanta Nelly Dean narrar a trágica história de "O Morro dos Ventos Uivantes".

O rapaz colocou o notebook dentro da mochila.

Dizia aos pais que havia tirado um tempo para estudar antes de entrar para a faculdade.

F. Scott Fitzgerald abandonou a faculdade e Henry nem pretendia passar pela porta de entrada, não importava o quanto Jennifer e John insistissem.

Enquanto adiava a continuação dos estudos, o rapaz tentava matutar seu primeiro romance. Já o senhor e a senhora Lockwood acreditavam que o filho se engajava em estudar e pesquisar universidades.

A família deixou Nova York, pois depois de muito tempo desempregado o pai de Henry conseguiu um emprego no hospital de Greenville. Ao que parecia, a doutora que ocupava o cargo anteriormente faleceu em um acidente de carro. Desde então ninguém parou no emprego por mais de seis meses.

Parecia uma maldição, a mente criativa de Henry costumava pensar...

No entanto seus pais não acreditavam nisso. Como sua mãe era Web Designer e sempre trabalhou em casa, a mudança não foi difícil, ao menos para o casal. O filho único estava injuriado! 

Henry odiava cidades pequenas, pois os prédios altos sempre o inspiraram a escrever boas crônicas e contos.

Mas agora, Henry estava determinado a escrever um romance e não tinha ideia sobre o que seria.  Ali só haviam árvores, casas com cercas brancas, gramados e toda aquela coisa padrão demais.

Henry desceu as escadas, sem passar pela mesa do café da manhã.

Em uma das idas ao mercado, através da janela do carro, ele avistou um lugar que lhe interessou no meio ao centro parado:

Aquele café, que tentava imitar a Starbucks, perdido em meio a vida suburbana de Greenville.

Henry não gostava de escrever em casa, pois sempre tinha de deixar uma guia de seu navegador aberta com o site de alguma universidade, caso os pais quisessem checar o que ele fazia. Além do mais, Henry se sentia intelectual na companhia de um copo de café, sentado sozinho em uma mesa a tarde inteira.

Ao dobrar a esquina de sua rua, Henry tirou do bolso da mochila um maço de cigarros, hábito que os pais não sabiam que ele possuía, mas que exibia como parte de sua caracterização. Ele gostava de parecer intelectual, gostava de parecer excêntrico e apesar de possuir um real talento e uma real paixão pelas palavras, por vezes, tendia a prezar demais por uma imagem que de nada significava. 

Era um jeito de fingir que era como os escritores que admirava: um boêmio, e por algum motivo, cigarros e café faziam ele se sentir um grande transgressor das regras.

Henry colocou os fones de ouvido e deixou que os sons suburbanos fossem substituídos pela melodia de Mad World, música que havia descoberto na trilha sonora de Donnie Darko. Estranhamente a canção parecia combinar perfeitamente com aquele momento.

Ligou o repeat no aplicativo e durante todo o caminho até o Green Coffee, fingiu estar em um tipo de vídeo-clipe.

O centro da cidade ficava praticamente morto segunda de manhã. Tal característica contrariava completamente o espirito nova-iorquino, que esperava correria a qualquer hora do dia.

 Era estranho caminhar solitário em uma manhã ensolarada, parecia que todos sumiram, parecia que ele era o único ali e isso não melhorou quando entrou pelas portas de vidro automáticas do café.

O lugar estava praticamente vazio: havia apenas um casal sentado diante ao balcão, comendo seus devidos croissants acompanhados do que pareciam ser expressos.

Em Nova York, se estivesse em uma Starbucks, Henry sequer conseguiria um lugar.

Ao menos a cidade pequena tinha um ponto positivo: não precisaria duelar com cinco executivos por uma mesa.

O Green Coffee não era grande, na verdade era um ambiente estreito e cumprido, com paredes forradas de madeira e um ar rustico. Haviam mesinhas com toalhas quadriculadas e um balcão de doces lá no fundo, junto ao caixa e ao balcão de pedidos.

As guloseimas expostas pareciam bem mais apetitosas do que as que se via na cidade grande, pois não tinham o jeito meio plastificado das comidas de franquia.

Henry sentou-se em uma mesa para dois, localizada perto do vidro que mostrava o lado de fora. Por mais que não tivesse muita coisa para ver, o rapaz costumava buscar lugares perto de janelas. 

Gostava de observar as pessoas, por vezes elas o inspiravam e isso não era uma das coisas que dizia para parecer mais inteligente; era genuíno, um hábito de infância: ver alguém aleatório e atribuir a esta pessoa uma história fictícia.

— Bom dia senhor. — A garçonete disse junto a um sorriso cordial e receptivo que, por algum motivo, fez Henry pensar que a moça deveria ser aquele tipo de pessoa que ganhava sempre o prêmio de funcionário do mês.

O rapaz dispensou o cardápio. Já tinha em mente o pedido mesmo antes de entrar no local. Era o mesmo de sempre, já fazia parte de sua rotina e de seu processo de escrita.

— Eu quero um brownie e um expresso duplo, sem açúcar — não era necessário açúcar quando se tinha algum doce junto, de qualquer forma o café ficaria amargo.

A moça anotou tudo, pediu licença e se retirou. Quando ela já se encontrava distante, Henry abriu sua mochila para pegar o notebook.

Não havia Wi-fi ali, o que o deixava mais atento à sua missão e eliminava as tentações da rede mundial de computadores. Ficava, assim, mais livre para escrever sem ser interrompido pelo súbito interesse de abrir uma rede social ou checar os preços de produtos desnecessários na Amazon.

Só esperava que o dia valesse a pena!

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