XVII - Porto Seguro.

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  "Honey, you're familiar like my mirror years ago" - From Eden, Hozier


Henry não sabia para onde ir...

Seu relógio marcava duas horas da madrugada de sábado, e ele simplesmente vagava pelas ruas vazias da cidade com os olhos vermelhos de lágrimas e a sensação estranha de que estava completamente sozinho no mundo... Algo que poderia soar quase infantil, no entanto era arrebatador a ponto de revirar as entranhas com a sensação conhecida de solidão.

As poucas luzes amareladas e artificiais das casas suburbanas pareciam completamente borradas, por mais que Henry estivesse sóbrio. Tudo parecia uma reprodução imperfeita da realidade, cada coisa ali parecia ter sido tirada de um daqueles filmes assustadores que criticavam o estilo de vida americano. Henry tremia, suava frio, como se estivesse sido perseguido, quando na verdade, só estava perdido em si mesmo e nervoso demais para pensar de uma forma racional, estava tudo se desfazendo aos poucos diante dele, todas as coisas pareciam prestes a virar pó, tudo o que ele julgava concreto e real.

Há alguns dias atrás, se estivesse naquela mesma situação, não tinha dúvidas, iria para a casa dos Collins e pediria a Damien que o deixasse passar a noite lá, no entanto desde a última vez que se viram, isso na terça-feira, o rapaz simplesmente havia parado completamente de responder as mensagens de Henry como se o mais novo tivesse feito alguma coisa de errado... E ele nem sabia ao certo o que, no entanto, mais de uma vez, revirara a lembrança da tarde que passaram juntos no parque, na esperança de descobrir qual era o problema... E o segurar das mãos foi o que pareceu o mais óbvio, ainda assim, isso não lhe parecia uma resposta definitiva já que depois disso, enquanto corriam na chuva, tudo estava normal.

"Parabéns Henry" ele pensou para si mesmo "você conseguiu estragar tudo"

Ele tinha medo em cada passo que dava, não apenas por questões de segurança, isso também, é claro, mas ali, naquelas calçadas vazias, seu principal motivo para temer era o sentimento de vulnerabilidade e de estar mais sozinho do que nunca, como se o mundo fosse esquecê-lo e aos poucos ele iria desaparecer em sua própria insignificância.

Sentou no meio fio de uma daquelas ruas suburbanas e se encolheu completamente, abraçou os joelhos e suspirou pesadamente, tentando de todas as formas que imaginava encontrar uma solução... Encontrar algo que o confortasse... Talvez devesse voltar para casa... Talvez devesse comprar uma passagem para Nova York, talvez devesse passar a noite perambulando pelas ruas até que julgasse que ao voltar as coisas já estariam mais tranquilas na residência dos Lockwood, mas tudo isso não parecia certo, Henry simplesmente só queria que tudo estivesse bem com Damien, que pudesse procura-lo e com isso, talvez conseguir, um pouco daquela paz que tinham quando estavam juntos se divertindo.

As lágrimas tinham voltado a cair, enquanto Henry sentia falta de um porto seguro para onde pudesse correr nos momentos em que uma crise acontecia em sua vida, era terrível ter de ficar à deriva, ainda mais em um lugar onde tudo estava fechado e onde só havia aquela força espectral noturna que dava a tudo ares estranhos... Greenville era tão escura para quem passara a vida inteira em Nova York.

Henry pegou o celular no bolso do moletom velho. Geralmente ele mantinha uma formalidade quase cômica ao se vestir, usava seus blazers e camisas sociais que sempre o deixavam com um ar mais sério, no entanto, naquela madrugada, não havia planejado sair de casa e não tivera tempo de se preocupar com a aparência pela qual tanto presava.

Seus pais não tinham ligado, ele constatou ao não encontrar nenhuma chamada perdida ao fitar a tela do telefone, provavelmente ocupados demais ainda gritando um com o outro para dar falta do filho, no entanto seu objetivo não era tentar um contato com a família despedaçada que o aguardava e sim, em uma tentativa desesperada de não ficar sozinho, conseguir uma resposta de Damien... Era seu último recurso para fugir daquele ambiente soturno que o sugava.

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O celular o despertou no meio da noite, o sino constante do toque de chamada se espalhava pelo quarto e por um milésimo de segundo, assim que abriu os olhos, Damien sentiu como se estivesse em um looping do tempo, sendo acordado no meio da noite pela campainha de sua casa, quando a chefe de polícia Johanna White viera lhe avisar sobre o acidente de seus pais. Era sempre essa a sensação que tinha quando despertava tão repentinamente durante a madrugada, ainda mais naquele instante, quando ouvia o anuncio de uma chamada.

Nenhuma boa notícia chegava as duas e meia da manhã... Damien sabia disso.

Ele se esticou na cama para alcançar o telefone no criado mudo e quando olhou para tela do celular e viu quem estava ligando aquelas horas, sentiu seu coração se comprimir... Era o número de Henry, e neste momento um misto de nervosismo com preocupação tomou conta dele. Por mais que não o tivesse respondido durante todos aqueles dias, como uma forma bruta e egoísta de se manter longe daquilo que o atraía e o confundia, não esperava que Henry ligasse aquelas horas por algum motivo leviano... ninguém liga as duas e meia da madrugada por um motivo leviano, por isso, apesar de todo o medo que o tomava e apesar de toda a confusão que o outro causava em sua vida, decidiu atender a ligação.

- Henry!? - ele disse se sentando na cama, sua voz estava claramente sonolenta e ainda havia o tom de seriedade presente nele, como se apesar de tudo, ainda quisesse manter uma distância segura.

- Damien... - a voz do outro lado o chamou falha, quase como se o pedisse ajuda, e isso cortou seu coração e ao mesmo tempo o deixou mais preocupado ainda.

- Está tudo bem?

Não houve resposta por uma boa porção de segundos, ainda assim depois de algum tempo de silêncio, Damien ouviu um suspiro alto que depois transformou-se no que parecia ser uma tentativa muito falha de conter um pranto.

- Não... Não está - Henry respondeu de forma tardia, tentando manter ao menos um pouco de sua dignidade enquanto proferia as palavras.

Um carro solitário passou pela rua onde Henry estava, e o barulho dos motores não passou despercebido por Damien que logo deduziu que o outro rapaz não estava em casa e sim na rua, quem andava por Greenville durante a madrugada? Aquilo só ressaltava que alguma coisa estava acontecendo.

- O que aconteceu, Henry? Onde você está? - Damien neste ponto já tinha despertado completamente, a preocupação trouxera a adrenalina, que levara seu sono para longe.

- Desculpa ter ligado... mas eu precisava... Eu sei que você não quer falar comigo, mas...

- Henry... - Damien suspirou, sentindo-se um tanto constrangido por não ter respondido nenhuma mensagem, por ter tentando durante todo aquele tempo se afastar do rapaz, era uma solução ingrata, era uma solução terrível, e ouvi-lo daquele jeito apenas piorava sua culpa além de trazer uma sensação nova. Damien não queria, de jeito nenhum, ouvir a voz do outro tão consternada. Perceber a tristeza em Henry o abalava também - Não é que eu não queira falar com você... É complicado... Escuta, você me ligou por isso?

- Não... Eu estou na rua, e... e... eu não sei para onde ir... eu não sei o que fazer... eu não conheço a cidade direito e...

- O que você está fazendo na rua essa hora, Henry? -- a pergunta não foi repreensiva, como sempre, Damien utilizava um tom pacífico, a diferença era que, desta vez, sua tonalidade de voz se mesclava a preocupação que ele carregava.

- Eu só não consigo mais ficar em casa, eu precisava sair... Dar uma volta. -- ele respondeu ainda tentando se manter calmo e não cair no choro como se fosse uma criança com medo do escuro.

- Henry... Você sabe chegar na minha casa, não sabe? -- Damien já estava se levantando, vestia suas roupas de forma um tanto desajeitada, se preparando para esperar pelo outro rapaz.

- Damien...

- Shhh... Henry.... só vem para cá, e a gente conversa – Damien disse de forma mais baixa, tentando acalmar o rapaz do outro lado da linha - Então você me diz o que aconteceu na sua casa... A gente come alguma coisa, passa o resto da noite conversando, ou se você estiver cansado, a gente pode dormir, só... Vem logo... Eu sei que Greenville é relativamente tranquila, mas é perigoso ficar no meio da rua essa hora, aqui pelo menos você vai estar seguro.

- Eu vou – Henry respondeu, ainda assim, as palavras do outro não pareciam tê-lo acalmado, ele certamente ainda estava transtornado – Eu vou... Eu só preciso...

- Você promete? Promete que vai chegar aqui logo?

- Eu prometo, Damien!

Coração de Porcelana.Onde histórias criam vida. Descubra agora