XXXXVI: A Luz Verde.

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Henry colocou as duas malas sobre a cama de Damien, suas ações ainda pareciam cansadas, apesar do traço de esperança desenhado em seu ser. Nenhum dos dois encontrava a devida coragem para dizer alguma coisa ou mesmo tomar a atitude de começar a organizar as roupas e os livros pelo quarto. Ainda era difícil fazer isso, ainda era estranho... Henry não conseguia parar de pensar em sua mãe e ao mesmo tempo, ainda não havia encontrado uma solução definitiva para a bagunça em sua vida.

Estava cansado de repetir aquele mesmo discurso, cansado de se manter focado nos mesmos pensamentos e viver seus dias sob a pressão dos mesmos problemas. Tudo era  desgastante e se tornava inevitável pensar que para Damien a situação também não deveria estar fácil, ainda mais levando em conta que o mais velho tinha seus próprios problemas que de forma alguma eram apagados por todo o caos dos últimos dias.

— Eu juro que vai ser por pouco tempo — Henry disse, sentindo a necessidade de se justificar — Não quero ficar pesando nos seus ombros para sempre.

Damien encarou Henry com uma expressão de estranhamento, era a única coisa que podia dedicar a ele no momento. Durante o tempo em que estiveram juntos, sempre existira uma cumplicidade única, embasada na ideia de que resolveriam tudo em conjunto. Henry não pesava sobre seus ombros, ele dividia pela metade o peso, deixando os problemas suportáveis de serem carregados.

— Henry... Eu quero que você fique! — ele disse um tanto inseguro, com receio diante a maneira como aquela frase poderia soar.

Não queria que o outro rapaz visse aquilo como uma obrigação, podia ter acontecido rápido, de forma emergencial, no entanto, Damien ainda gostava da presença de Henry, e mesmo que o sentimento de paz não estivesse tão presente naqueles dias, ele sabia que voltaria, que aos poucos, as coisas seguiriam seu rumo, que os nós iriam se dissolver.

— Eu sei, sei que você quer que eu fique, mas não é só isso e eu sei que você entende o que eu quero dizer. — Henry sorriu fraco, era bom se sentir bem-vindo ali e pois mesmo que a casa dos Collins ainda não fosse seu lar, era o lugar mais tranquilo que tinha por enquanto.

Ao menos não estava completamente sozinho, ao menos sentia que Damien e Lucy se esforçavam para fazer tudo voltar ao normal e Henry reconhecia isso, principalmente quando se tratava da mais nova dos Collins, pois mesmo que ela não conseguisse compreender tudo com a clareza dos adultos, tinha ideia de que algo ruim estava acontecendo e tentava concertar do jeito que podia: com suas conversas infantis durante o café da manhã.

Henry sempre imaginara como era ter uma irmã ou um irmão, a sua vida de filho único as vezes se tornava um tanto solitária, mas em Nova York, antes das crises invadirem sua família, seu pai e sua mãe eram pessoas que mantinham tudo bem planejado e uma outra criança não estava na lista para o futuro. Henry nunca conhecera antes a estrutura da irmandade, nunca seria capaz de compreender a conexão que existia entre Damien e Lucy: A certeza de que sempre haveria alguém, que nunca se estaria completamente sozinho.

Se havia algo que Henry admirava em Damien, era a forma como aquele rapaz, completamente abalado pelo passado, dava um jeito de tornar a vida da irmã mais tranquila da maneira que podia, levando em conta tudo o que os assolara.

— Nós nunca terminamos a caça ao tesouro... — Henry falou, sentando-se aos pés da cama e abrindo a primeira mala — Nós esquecemos...

Damien ergueu os olhos em direção a Henry e riu de forma moderada e sentou-se ao lado dele e observando o rapaz pegar um de seus livros – um dos que ele julgara importante trazer – e folear de forma aleatória.

— Tudo está acontecendo tão rápido. — Damien disse pousando sua mão sobre o ombro de Henry — Podemos retomar a ideia depois, Lucy iria adorar.

O mais novo dos dois sorriu e passou os dedos pelos cabelos do outro. Mais uma vez a raiz escura começava a aparecer por baixo da cor prateada. Henry se perguntou se algum dia ainda teria a oportunidade de ver o cabelo de Damien ao natural ou se ele continuaria tingindo-os por tempo indeterminado.

— Você deveria busca-la... Na casa de Hannah e Michelle, eu estou cansado de dormir e só acordar para trabalhar. Eu sinto falta de fazer alguma coisa divertida. Poderíamos preparar o jantar, nós três, ou então dar uma volta antes do sol se pôr. Talvez ir até o parque, eu não sei... Eu só não quero ficar assim para sempre.

— Você não sabe como eu fico feliz em ouvir isso, meu amor! — Damien aproximou-se e beijou a testa de Henry.

— Só... Não me chama assim, é esquisito!

Tocou o rosto de Damien com cuidado antes de selar repetidamente seus lábios nos dele, até que os beijos rápidos se tornassem algo mais intenso... Era estranho, mas durante os dias em que estivera ali, Henry não se lembrava dos dois terem trocado um beijo de verdade, aqueles dias foram separados por momentos de abraços apertados e momentos de distância, talvez algum selar de lábios antes de dormir, mas nada daquele jeito, nada tão forte, nada tão livre.

— Eu estou do seu lado! Lembre-se disso — Damien falou, envolvendo Henry pela cintura e o trazendo para perto — Você me deu coragem, para fazer coisas que eu achei que nunca ia conseguir fazer e eu....

Henry calou aquele discurso conhecido com um novo beijo, recebido por Damien com um sorriso.

— É melhor a gente guardar isso tudo... Depois, eu prometo que vamos ter uma noite normal... E vamos resolver isso amanhã, vamos resolver o que pudermos e conviver com o que está fora de nosso alcance mudar — Henry proferiu e diante daquelas palavras, Damien teve a certeza de que no final o amor vence, independentemente de suas formas.

-- E eu prometo que estarei do seu lado!

Parecia real agora, não uma frase, aleatoriamente repetida como maneira de se manter em pé em uma situação ruim... Não, Damien sentia que podia afirmar, sem sombra de dúvida que no final, o amor vence e que independente do rumo, estaria ao lado daquele rapaz estranho, capaz de passar horas envolto na própria imaginação, capaz de mudar tudo com sua sensibilidade e exagero inabalável.

Damien nunca conhecera alguém como Henry e sentia-se feliz por te-lo encontrado no meio da confusão de rostos cotidianos, por ter notado o rapaz que parecia respirar sua própria fantasia, por ter adentrado no mundo dele e por deixa-lo adentrar o seu. 

Naquele momento, pensou em seus pais, pensou em Lucy e pensou na relação que construía com Henry... Sabia que o senhor e a senhora Collins nunca voltariam, sabia que Lucy um dia cresceria e teria sua própria vida, sabia que um dia Henry também partiria, fosse na velhice, de forma definitiva ou fosse levado pelos destinos incertos da vida... Não importava, as pessoas não são eternas, nada é eterno, mas a importância de todas as coisas efêmeras são a forma como as pessoas nos marcam, a forma como pintamos uma nova obra de arte com os nossos caminhos.

Se Henry tivesse escrito estes parágrafos, teria os concluído de forma mais habilidosa... Se Henry tivesse escrito estes parágrafos, ao invés desta breve reflexão, teríamos a citação do livro favorito do rapaz nova-iorquino que chegara sem grandes expectativas a Greenville, se Henry estivesse escrevendo esta conclusão, ele apenas diria:

"O futuro já nos iludiu tantas vezes, mas não importa... Amanhã correremos mais depressa e esticaremos nossos braços um pouco mais além até que, em uma bela manhã...."

Então, que se termine aqui, acreditando que há uma luz verde, se espalhando pela neblina.

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Gente!!! Segurem que ainda não acabou, ainda tem o epilogo!

Só queria avisar que estou aqui procrastinando para terminar - tanto que deveria ter terminado há uns dois capítulos atrás e estou aqui, enrolando e reescrevendo e ahhhh.

Finais me deixam assim, desculpem, tenho problemas para me despedir dos personagens.

Enfim, espero que tenham gostado, depois que eu postar o epilogo eu volto para conversar com vocês de novo!!!

Coração de Porcelana.Onde histórias criam vida. Descubra agora