Damien acabou parando junto com Henry, o observando olhar para a tela do celular como se fosse um fantasma que estivesse ligando. Na verdade parecia mesmo uma daquelas cenas dos filmes de terror, era como se nada mais fizesse sentido para o outro rapaz e no meio daquela rua escurecida pela noite, até mesmo Damien sentiu um arrepio ao ver Henry atender a chamada e colocar o telefone perto do ouvido.
De forma desesperada, o jovem escritor olhou para seu companheiro de trajeto, que também o encarava ainda abalado por aquela sensação que o tocava, mesmo que praticamente não conhecesse Henry, e sem ao menos saber se ele ainda queria sua presença ali, afinal, aquilo parecia ser um assunto pessoal demais.
— Charlie? — Henry proferiu de forma temerosa, enquanto Damien observava tudo, um tanto deslocado, ainda incapaz de se afastar completamente e deixar o outro para trás na caminhada — Charlie.. — Henry repetiu ao não receber nenhuma resposta, em seu rosto, fez-se uma expressão triste e ao mesmo tempo preocupada.
Damien se moveu, e sentou-se em um dos bancos da rua, aqueles que ficavam diante as lojas, enquanto Henry repetia no telefone, que não era sua culpa, que ele não havia feito nada, e que o tal Charles não poderia culpa-lo. Isso soou estranho e ao mesmo tempo despertou a curiosidade de Damien. Qual seria o segredo por trás daquela conversa? Quem era essa pessoa que era capaz de transformar Henry em uma figura encolhida, melancólica e frágil.
— Eu não posso, Charlie — Henry disse ainda falando com a terceira pessoa que se inserira de forma tão estranha entre a conversa agradável que levavam — Eu não quero! — ele passou as mãos pelos cabelos bagunçados, enquanto tentava conter o choro, que se prendia em sua garganta — Eu quero desligar, eu não preciso ouvir essas coisas, eu não fiz nada.
E foi assim que a conversa acabou, logo Henry desligou o telefone celular, sabia que se não o fizesse, receberia mais chamadas insistentes, e não queria mais isso, não queria mais o terror psicológico que estava sofrendo naqueles últimos tempos.
— Desculpa — Henry proferiu, se sentando ao lado de Damien, ele precisava de um tempo antes de continuar a caminhada, assim como precisava da presença de alguém, e o outro pareceu entender isso, de forma que não fez menção a ir embora, mesmo que o tempo estivesse passando. Por mais que não gostasse de se atrasar, era apenas um dia, não faria tão mal assim.
— Está tudo bem? — Damien perguntou tanto movido pela curiosidade quanto pela preocupação.
Henry escondeu o rosto com as mãos, e puxou os cabelos que se prendiam entre seus dedos, como se quisesse arrancar de sua cabeça, tudo o que estava acontecendo, mesmo que fosse impossível, então de forma sincera, ele negou com a cabeça a pergunta que Damien lhe fizera, não aguentava mais dizer que tudo estava bem, simplesmente para manter as aparências.
— Olha, eu sei que você não me conhece, mas... Quer me contar o que está acontecendo? Eu juro que sou um bom ouvinte — disse de forma cuidadosa, mais por educação do que por uma vontade de conhecer a fundo os problemas dos outros, Damien já tinha os seus próprios para se preocupar.
— É uma longa história... Bem... Charles era meu amigo de infância, e nós crescemos praticamente juntos — começou, pois simplesmente precisava dizer aquilo de alguma forma para alguém, e já que queria distanciar aquelas coisas de sua família, aquele estranho, parecia a melhor opção que tinha em Greenville — Quando tínhamos uns dezessete anos... — Henry encarou Damien de forma um tanto receosa, pois não sabia como ele reagiria aquela parte da história, por isso parou, repentinamente e encarou a figura do outro, se ele reagisse de uma forma negativa aquilo, talvez Henry nunca mais conseguisse vê-lo da mesma forma, talvez ele não servisse mais de inspiração, então preferiu se calar.
Mas Damien parecia disposto a ouvir:
— Pode falar, está tudo bem — tentou esboçar um sorriso tranquilo, como fazia com Lucy quando ela tinha seus problemas na escola, o mesmo sorriso que sua mãe lhe dava quando Damien ia contar alguma coisa difícil... Talvez tivesse herdado a capacidade de ouvir as pessoas de Catherine, ela sempre fora boa nisso.
— Quando tínhamos dezessete anos, eu e Charlie, a gente começou a namorar, escondidos das famílias, porque a gente concordou que nossos pais nunca aceitariam — ele disse baixo, nervoso e com os olhos fixos em Damien, esperando a pior reação àquela situação.
— Sua família descobriu? É isso? — perguntou o outro, que não havia mudado em nada seu jeito de falar, apenas questionou com a mesma paciência de antes, o que deixou Henry surpreso e agradecido por ter dito aquilo a ele, e não a outra pessoa, com ideias arcaicas. Damien parecia não ver nenhum problema, enquanto boa parte das pessoas veria, ainda mais em uma cidade pequena.
— Não, eles ainda não sabem... o problema foi... meu pai... meu pai e a mãe do Charlie, eles tinham um caso há anos, e quando minha mãe descobriu, tudo virou um verdadeiro inferno — Henry voltou a conter as lágrimas, sua família jamais poderia saber da natureza de seu relacionamento com Charles nos últimos anos, até porque, tudo que se relacionasse a outra família, era um tabu dentro daquela casa — Ele me culpou, ele acha que eu sabia de tudo, que eu estava enganando ele por isso a gente parou de se falar, e enquanto os meus pais se mudaram pra cá, tentando recomeçar e esquecer tudo, os pais do Charles se divorciaram... E agora ele está me ligando, porque aparentemente o pai dele vai morar no Canadá, e ele vai ficar em Nova York com a mãe... E ele fala como se... — Henry suspirou, tentando aliviar o peso da narrativa que acabara de contar a Damien, que o encarava, lhe dando toda atenção do mundo.
— Nossa... Isso... — tentou começar, sem encontrar palavras, assim como Catherine, o talento de Damien se restringia apenas a ouvir as pessoas, nunca sabia o que falar depois e assim como sua mãe, não era um bom conselheiro — Não é sua culpa — era a única coisa que ele tinha certeza em meio aquilo tudo — Ele não deveria ligar para você e importuna-lo com essas coisas... Isso é.... Quase uma tortura.
Henry olhou para Damien, como se o agradecesse por dizer aquelas palavras enroladas.
— Desculpa, quer dizer... A gente se conhece a pouco tempo e...
— Tudo bem, não se preocupe, eu vou guardar segredo.
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Coração de Porcelana.
RomanceQuando a família do aspirante a escritor, Henry Lockwood sai de uma das maiores cidades do mundo e vai morar na provinciana Greenville, o rapaz se vê obrigado a adaptar-se ao ambiente pacato demais para alguém acostumado a correria e o caos. Ele ima...