Henry não encarou Jennifer, não depois de ser atordoado pelos insultos proferidos por John. Não esperava que a mãe fosse ter uma reação muito diferente do pai, por isso, mantinha-se quieto e de cabeça baixa, em sua mente, colocada em modo defensivo, era o melhor a fazer.
Pensou em subir as escadas, mas assim que tentara rumar até o quarto, John o segurou pelo braço e Henry teve a sensação nítida de que aquele ato não poderia acabar de uma forma que não fosse violenta.
— Sente-se — ele disse ao invés disso — Sua mãe quer ler uma coisa para você!
Henry respondeu acatando aquela ordem. Ele olhou para a mãe, pela primeira vez de forma direta e finalmente entendeu como eles haviam descoberto tudo: Seu caderno de anotações estava nas mãos trêmulas de Jennifer, o que queria dizer que aqueles dois tinham entrado em seu quarto e mexido em suas coisas, algo quase impensável de ser feito naquela família.
Se encolheu na poltrona, enquanto o pai, tomava seu lugar, ao lado da esposa, no sofá. Parecia um julgamento, sem nenhum advogado de defesa, onde a acusação estava prestes a apresentar as provas de um suposto crime.
— Damien se deitou ao meu lado — Jennifer começou a ler chorosa — Os prédios de Nova York foram nossas testemunhas, enquanto a manhã, com sua beleza nublada, tornava seus cabelos ainda mais prateados e sua pele mais pálida: Enquanto ele tirava minhas roupas, enquanto seus beijos tocavam minha boca... — ela parou e suspirou pesadamente — eu não quero ler o resto!
— Mas eu li... — John tomou a palavra — O que é isso Henry?
— É um texto em prosa, narrado em primeira pessoa — o filho respondeu carregando a voz de ironia e tentando se defender de algum jeito perante aqueles dois.
— Então, é esse tipo de coisa que você faz todos os fins de semana na casa daquele garoto? — John perguntou sério — Por Deus, eu preferia que estivesse morto...
— Não fale assim John — Jennifer cortou, enquanto secava as lágrimas que corriam de seus olhos — Ele ainda é nosso filho.
— Jenny... O que você acha que os vizinhos vão dizer? Não vamos conseguir andar nas ruas direito, esse garoto não é o meu filho... O meu filho não é assim. Eu preferia que ele estivesse morto, porque pelo menos, ninguém ia apontar o dedo para todos nós.
— Ele é meu filho — ela respondeu, elevando o tom de voz — eu não preferia ver ele morto, nunca!
Henry pensou em correr para Jennifer, como uma criança procura a mãe após se machucar durante as brincadeiras, mas seu corpo não o obedeceu, parecia muito mais seguro ficar ali, encolhendo-se e concentrando-se em não chorar toda vez que o pai dizia alguma coisa ruim.
— Você está defendendo ele? É isso? — o senhor Lockwood falou mais alto, quase gritando com a esposa.
— Eu não gosto disso tanto quanto você, John, mas... Não se diz esse tipo de coisa! Você errou também e nós perdoamos você, talvez devêssemos nos mudar de novo...
Naquele instante qualquer esperança que Henry tinha de receber algum apoio se perdeu, embora Jennifer não fosse tão dura quanto o marido, os pensamentos retrógados ainda estavam lá e ela via tudo como um erro, via como um equivalente à traição e isso soava como mais um golpe, tão forte quanto as palavras terríveis que John utilizava.
— Eu não vou a lugar nenhum, eu quero ficar aqui — Henry disse, se pronunciando finalmente em meio a situação caótica — Ir embora não vai mudar quem eu sou, eu era assim em Nova York, sou assim em Greenville e vou continuar sendo eu em qualquer lugar!
— Você não faria isso com a gente, não é? — Jennifer disse, tentando manter a calma — Não nos obrigaria a aceitar isso... Você não entende, Henry?
— Sim, eu não entendo, qual é a importância disso para vocês? O que muda? Eu ter um namorado ou uma namorada... Eu continuo sendo a mesma pessoa de sempre. — sua voz tornou-se chorosa, embora ele tentasse se impor, erguendo os ombros e o rosto.
— Namorado? — John deu uma risada forçada e encarou Henry de uma forma que o fez recuar aos poucos, até que mais uma vez, se visse quase sumindo dentro de si mesmo — Me diga garoto, o que você entende de relacionamentos?
— Eu conheço, por exemplo, o conceito de fidelidade — Henry respondeu encarando o pai — Talvez você já tenha ouvido falar disso.
John se calou, no entanto, seu rosto começara a corar e Henry não sabia distinguir se se tratava de ódio ou de vergonha, de qualquer forma, aquela pequena vitória fizera com que ganhasse, ao menos, um pouco de confiança.
— Henry, nós prometemos que não falaríamos mais sobre isso... — Jennifer tentou amenizar a situação.
— Por que? A senhora acha que é tudo a mesma coisa, não é? Mas não, mãe, não é a mesma coisa, eu não fiz nada de errado... Vocês... Precisam entender isso.
— Enquanto você estiver em baixo do meu teto, Henry, enquanto você depender do nosso dinheiro, vai viver a sua vida do jeito que a gente achar melhor — John voltou a se pronunciar — Nós vamos nos mudar e você não vai ver esse garoto até que tenha dinheiro para se sustentar.
— Então é isso? — Henry se levantou da poltrona — Pois bem, então vocês dois não precisam se dar ao trabalho de vender a casa, porque eu vou embora.
— E vai viver de quê? — Jennifer perguntou, pela primeira vez levantando a voz para o filho no meio de toda aquela discussão — Do seu salário no Wallmart? Boa sorte!
Henry colocou as mãos na frente do rosto e suspirou pesadamente, podia ir para a casa de Damien, fora a primeira coisa que pensara, no entanto, logo os problemas financeiros viriam, não queria ser mais uma responsabilidade para o outro, não queria colocar mais um peso sobre seus ombros, mas também não podia ficar ali, não queria ficar ali e ouvir todas aquelas coisas. Era um absurdo o que aqueles dois pediam, era um absurdo coloca-lo naquela situação onde se sentia completamente desprotegido, sem ter para onde correr.
— Você nos decepcionou, nós não esperávamos isso nunca — Jennifer disse — Me diz, Henry, se sua avó fosse viva, o que ela pensaria disso?
Henry fora muito apegado a mãe de Jennifer durante os primeiros anos de sua vida, quando e a morte dela fora um choque tão grande quanto aquela pergunta que pairou no ar: O que sua avó pensaria? Talvez ela já soubesse, pensou Henry, era isso que ele queria acreditar, que ela sabia e o apoiava, que de certa forma, havia um lugar onde sua avó, junto aos pais de Damien olhavam para tudo aquilo e se assustavam com as atitudes de John e Jennifer, com a forma como eles agiam e falavam. Não queria aceitar a provável realidade, aquela cientifica, onde não havia ninguém, onde todos simplesmente morriam, pensar assim, naquele momento, era quase como arrancar de si mesmo seus advogados de defesa imaginários.
— Não coloca ela nesse assunto, mãe, não fala assim... Eu...
— Você o que? — John voltou a falar, com sua voz agressiva — Você não pode dizer nada, Henry, nós vamos sair desta cidade e vamos arrumar algum psiquiatra, alguém que cure você.
Henry voltou a cair no choro, estava cansado de ficar naquela casa, cansado de todas aquelas agressões psicológicas, foi por isso que fez a única coisa que poderia fazer naquele momento, saiu de sua posição com toda a rapidez que podia, correu, abriu a porta de vidro que dava acesso ao jardim e em questão de segundos, entrou naquele bosque que cercava a casa, talvez, escondido ali, pudesse ter um pouco de paz.
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Coração de Porcelana.
RomansaQuando a família do aspirante a escritor, Henry Lockwood sai de uma das maiores cidades do mundo e vai morar na provinciana Greenville, o rapaz se vê obrigado a adaptar-se ao ambiente pacato demais para alguém acostumado a correria e o caos. Ele ima...