A residência dos Collins se localizava em uma rua lotada daquelas casinhas suburbanas, feitas de tijolos e madeira. Sem dúvida, era uma construção relativamente grande, feita para abrigar uma família com dois filhos, típico da classe média americana.
Damien tinha a vaga lembrança de quando foram morar ali, isso quando ele tinha uns cinco anos, quando seu pai nem pensava em ter o próprio restaurante e sua mãe acabara de ganhar o cargo importante no hospital. Agora, sem o olhar infantil, ele sabia que os Collins haviam batalhado muito para conseguir aquele lugar, passaram anos juntando dinheiro e um bom tempo bancando o aluguel barato em uma casa minúscula, para só então conseguirem comprar aquele lugar, que agora parecia um tanto vazio, diante a ausência dos dois.
Os primeiros tempos foram os piores, sem dúvida, pois além de toda a questão emocional, Damien ainda teve de lidar com as questões legais e mais práticas que envolviam a morte de seus pais.
Fora ele que teve de ir até o necrotério do hospital reconhecer os corpos, após a notícia terrível que chegara de surpresa no meio da noite, fora ele que preparara o funeral, ele que tivera de se movimentar para tratar de receber os seguros de vida e o dinheiro guardado no banco, fora ele que precisara ir atrás dos papeis que asseguravam a tutela legal de Lucy.
E sinceramente, não sabia como tinha conseguido, por algum motivo as lembranças deste período de sua vida eram bem falhas, ele sabia o que havia se passado, mas seu cérebro parecia ter bloqueado algumas coisas, ainda que a figura de seus pais devastados por um acidente de carro não saísse de sua mente, as vezes lhe causando pesadelos, as vezes se tornando os responsáveis por seus terrores noturnos. Sem dúvida, a cena forte que se encontrara quando teve de reconhecer os corpos, fora a pior coisa que já tinha visto e mesmo que não tentasse pensar nisso, uma vez ou outra, suas memórias o levavam novamente, para os corredores do hospital, onde recebera os olhares tristes dos colegas de sua mãe, ou então lembrava das figuras empalidecidas, como bonecos de cera com os lábios roxos, deitados em caixões postos lado a lado na igreja da cidade.
E depois... Depois veio parte onde teve de assumir as responsabilidades, teve de começar a trabalhar, cuidar de sua irmã e se tornar o adulto da casa, lidando com seus próprios fantasmas, e tentando fazer com que Lucy entendesse o que estava acontecendo, e apesar da vida ter mudado tão bruscamente durante aqueles dois anos, ele se recusara a mudar a casa, deixava tudo no mesmo lugar, nenhum adorno diferente, nenhuma reforma na decoração, não havia tirado os utensílios de cozinha de seu pai do lugar e os livros de medicina pertencentes a Cathy ainda ficavam na estante, tal como as fotos se espalhavam pelas paredes, presas em seus porta-retratos, como se nada tivesse acontecido.
Sem dúvida, passado aquele baque inicial da ausência, as datas comemorativas passaram a ser momentos muito mais difíceis, a casa parecia mais vazia em tempos de festa e mesmo que os dois irmãos permanecessem unidos, sempre parecia faltar alguma coisa, a família não estava completa, e isso só levava Damien a uma nostalgia que o arrasava.
Lucy ao menos, era criança demais para compreender boa parte daquelas coisas todas, ela também sofria com a falta dos pais, obvio, ainda falava neles com frequência, ainda tinha suas crises de choro, mas era incapaz de ter a mesma visão que Damien tinha diante aquela situação, o que por sorte, talvez aliviasse seu fardo, ainda mais porque o irmão mais velho, realmente se esforçava para parecer sempre compreensivo e bem humorado.
Ele estava sentado diante a mesa da sala de jantar, bebendo um refrigerante, enquanto Lucy se ocupava de criar seu mundo fantasioso com seus brinquedos, não se falavam, ainda não, Damien tinha esperança que quando Henry chegasse as coisas se tornassem mais festivas, talvez porque a presença de outro alguém naquela reunião, tornaria as coisas mais leves, afastando os pensamentos sombrios por algumas horas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Coração de Porcelana.
Roman d'amourQuando a família do aspirante a escritor, Henry Lockwood sai de uma das maiores cidades do mundo e vai morar na provinciana Greenville, o rapaz se vê obrigado a adaptar-se ao ambiente pacato demais para alguém acostumado a correria e o caos. Ele ima...