07 anos mais tarde.
Lucille Collins desceu do ônibus da escola, porém ao contrário do esperado, não rumou em direção a sua casa.
Estava frio, muito frio e os primeiros flocos da neve de inverno começavam a cair, deixando Greenville na atmosfera que combinava perfeitamente com a decoração natalina que começava a aparecer em alguns locais mais adiantados.
Lucy atravessou a rua e rumou em direção a parte central da cidade, tentando passar o mais rápido possível pela livraria, pois não queria ser vista por Henry e muito menos por Damien, sabia que eles a chamariam para ajudar em alguma coisa se ela passasse por ali para cumprimenta-los e depois do teste surpresa de matemática, tudo o que Lucy queria era um expresso no Green Coffee e talvez um nada moderado pedaço de bolo de chocolate: Havia inclusive guardado o dinheiro do lanche para isso.
Desde que o irmão mais velho vendera o prédio do antigo restaurante de seu pai e junto com as economias de Henry compraram a livraria, tudo estava funcionando melhor, financeiramente e emocionalmente... Henry parecia muito animado em conduzir uma livraria, já Damien, ele se interessava pela parte administrativa e até fizera um daqueles cursos em uma universidade comunitária.
Não era grandes coisas, mas ao menos ele sabia como tocar o negócio, o que reduzia e muito o stress e sem dúvida alguma melhorava as coisas na casa nova, para onde tinham se mudado há uns três anos atrás... Um pouco menor do que a antiga, no entanto, fora um passo importante a se tomar, principalmente para Damien, aconselhado por seu médico a tentar conquistar uma vida própria, sem se apegar ao que sobrara de seus pais e sem tentar continuar o que eles tinham deixado da forma quase obsessiva como procedia antes.
Era um assunto complexo, essas coisas que Henry e Damien preferiam conversar entre eles, deixando Lucy de lado. Na mente dos dois, isso servia para poupa-la de problemas, mas a garota, com todas as suas implicâncias adolescentes, via tal atitude como uma forma de trata-la como se ela ainda fosse uma criança.
Por falar nisso, ela ainda precisava convencer Damien a deixa-la ir na festa de Hannah e Michelle que aconteceria em duas semanas, quando os pais das duas garotas iriam esquiar no Colorado. Damien provavelmente reclamaria e ficaria horas dando uma centena de motivos para impedir Lucy de ir. Era melhor apelar para Henry, ela pensou, era caminho mais fácil de convencer o irmão.
Lucy avistou o Green Coffee ao longe e apurou um pouco o passo para chegar até o local, porém, parou no momento em que seus olhos, de forma casual, caíram sobre a vitrine daquele antiquário esquecido e quase nunca frequentado por ninguém.
Seu coração se encheu de nostalgia, aquela sensação doce que remetia a infância, os ares tranquilos da época em que tinha seus nove anos de idade e participava daquela caça ao tesouro criada por Henry e Damien.
Ela sorriu largo.
O porta joias de porcelana e em formato de coração exposto na vitrine podia não ser mágico e nem conter as cartas de amor de alguém... Para qualquer um que o visse, era só mais uma velharia pela qual ninguém se interessaria, porém aquele objeto, aos olhos da moça, era quase uma personificação de sua imaginação infantil, já que era praticamente igual ao coração de porcelana que ela via em sua mente, toda vez que alguém falava sobre a caça ao tesouro que acabara se perdendo na rotina.
Lucy mal conseguia conter sua empolgação, era como se a garotinha que fora um dia, tivesse encontrado, enfim, o objeto mágico sonhado.
Ela não podia deixa-lo ali, naquela vitrine, não podia abandonar seu tesouro e esquece-lo... Precisava leva-lo...
Começou a procurar na mochila por cada dólar perdido nos bolsos e que sacrificasse seu expresso e a fatia de bolo, ela sacrificaria todos os almoços na cantina da escola se fosse preciso, não importava, aquele porta joias sem valor algum para os demais, era uma preciosidade para ela e valia cada centavo que ela gastaria.
No fim, contando tudo o que achara, Lucy possuía exatos seis dólares perdidos entre moedas e notas... Claro que se o valor ultrapassasse isso, ela poderia correr até a livraria e pedir para que Damien lhe desse mais alguns trocados para completar o valor, no entanto, não queria precisar tomar tal medida, sentia a vontade imediata, tinha medo de que por ventura, alguém entrasse no antiquário e comprasse o porta joias antes dela, por mais que a chance de tal coisa acontecer fosse remota.
A senhora que atendia no antiquário encarou Lucy com surpresa, afinal, os clientes, em sua maioria, eram pessoas de mais idade. Era raro ver uma moça jovem adentrando o estabelecimento.
Lucy escorou-se no balcão, ansiosa e encarou a senhora que quase riu da situação, aquela garota parecia estar na fila de lançamento de um daqueles video-games modernos ou coisa do tipo. Ela chegou, inclusive a considerar, que talvez a garota tivesse confundido o endereço ou então participando de uma daquelas coisas esquisitas que os jovens armavam.
-- Posso ajudar você, mocinha? -- a senhora perguntou de forma arrastada, duvidando muito que aquela garota fosse comprar alguma coisa.
-- Sim, eu... Quero comprar aquele porta joias da vitrine, o em formato de coração!
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Com seu pequeno tesouro em mãos, Lucy sentou em um dos bancos que se localizavam diante as lojas, ela mal conseguia acreditar... Tocava com cuidado a porcelana, ainda que segurasse com a firmeza e cautela necessária para não deixar o objeto cair.
Ela começou a pensar, considerar o que faria com aquele porta joias, se o guardaria na estante, se o mostraria a Damien e Henry... Se o colocaria exposto na sala...
Tudo isso parecia agradável, mas ainda assim, não satisfazia por completo, quer dizer, objetos comuns se tornam adornos na casa, os tesouros não ficam expostos no hall de entrada... Eles são guardados em locais protegidos, ou enterrados para que alguém, da próxima geração, os encontrasse.
Pensando nisso, Lucy voltou a abrir a mochila e buscou por sua agenda, perdida entre os livros e os cadernos. Sabia que tinha ali uma foto polaroide tirada no ano anterior, quando ela, Henry e Damien viajaram para São Francisco nas férias de verão.
Lucy gostava de fotografias e naquele dia em específico, Damien havia lhe dado de presente a câmera polaroide e aquela imagem dos três, um tanto fora de foco, devido a inexperiência da garota com o equipamento utilizado, era para ela um grande tesouro... Lembrava da diversão dos dias passados longe, lembrava que apesar de tudo, aquelas três pessoas, tão diferentes entre si, tão únicas, eram uma família... A família que Lucy conhecera e se lembraria para sempre e que estariam ao seu lado, apesar de todos os conflitos que uma vez ou outra travavam uns contra os outros.
Lucy dobrou a imagem para que coubesse dentro do porta joias e sorriu... Podiam não ser cartas de amor, mas dentro daquele objeto, que até poucos minutos atrás não significava nada, estava todo contido todo amor e gratidão que Lucy nutria por seus dois irmãos.
Ela guardaria seu Coração de Porcelana com ela, o manteria seguro e nunca deixaria que nenhum dos sentimentos contidos ali, se quebrassem.
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Coração de Porcelana.
RomantizmQuando a família do aspirante a escritor, Henry Lockwood sai de uma das maiores cidades do mundo e vai morar na provinciana Greenville, o rapaz se vê obrigado a adaptar-se ao ambiente pacato demais para alguém acostumado a correria e o caos. Ele ima...