Parte 1 - Capítulo 4

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                Lúcio ouve passos se aproximarem e engatilha a arma. Não costumava sentir medo de muitas coisas, mas, quando estava ali, qualquer batida de vento lhe causavam tremor no corpo. Era quase como se tivesse 5 anos de novo, seu pai chegava no final do dia e ele já sabia exatamente o que ia acontecer, então se escondia nesse mesmo buraco na parede como um ratinho assustado.

Tinha vergonha desse medo e ficava feliz por estar sozinho, assim ninguém poderia ver o quanto, no fundo, ele era covarde. Ficou no canto escondido enquanto os passos se aproximavam. Quem poderia ser? Esse lugar era protegido, ninguém teria acesso, ele mesmo se certificou disso anos atrás. Será que tinha, finalmente, enlouquecido de vez?

Será que era aquele homem? Não, não poderia ser! Ele estava morto. Lúcio viu ele morto. Se era assim... por que estava com tanto medo? Por que esse lugar o fazia se sentir tão impotente? E, se o fazia se sentir assim, por que estava ali? A resposta era tão simples e pequena que ele não conseguiu afastar de sua mente: Por ela. Porque se tivesse em qualquer outro lugar do mundo a dor pela partida de Bella seria insuportável, mas não ali. Ali havia dores piores para ele lidar.

Bem, ele achava que a dor de estar ali fosse a pior do mundo, mas agora não tinha certeza. Se era tão pior estar ali por que ainda preferia isso do que lidar com a partida da sua esposa? No fundo, ele sabia bem qual era a pior. Nenhuma chibatada de seu pai, nenhuma sujeira, nenhuma sensação de impotência se comparava ao que ele sentiu quando voltou para casa naquela noite e Bella tinha ido embora.

Tentou afastar os pensamentos, mas era inútil, então ele passou a mão no chão cheio de poeira e imediatamente começou a sentir um formigamento na pele. Aquilo fazia todos os pensamentos sumirem um pouco, mas, com o tempo, começou a ficar tão insuportável que ele tentou limpar a mão na calça, porém isso só lhe deu sensação de mais sujeira.

Só lembrou que tinha alguém se aproximando quando a porta de ferro rangeu e a luz do sol invadiu o lugar. Tinha quanto tempo que ele não via o sol? Uma semana? Talvez duas. Só saia daquele lugar a noite e só quando era estritamente necessário. Demorou alguns segundos para Lúcio se acostumar com a claridade, mas, antes mesmo de se recompor, apontou a arma para a silhueta que se aproximava e estava pronto para atirar.

– Abaixa essa coisa. – Diz uma voz enfadada e era tão familiar que parecia uma música especial que lhe trazia boas lembranças.

Essa voz trazia uma onda de sensações boas que ele tinha sentido em várias partes da vida: Quando aprendeu a andar de bicicleta aos 14 anos, essa voz gritava: "Vai, você consegue, seu bastardo.", e ele realmente conseguiu; Era essa voz que, nos dias ruins, ele ouvia no telefone: "Vai ficar tudo bem, estou com você. Sempre estarei com você." e, mesmo que já tenham se passado dois anos, ele ainda podia lembrar claramente.

– Lúcio, abaixa logo essa droga. – Tudo que ele consegue fazer é rir.

– Você tem a voz mais linda do mundo. – Ele diz.

– Você não cansar de dizer isso? – Ela pergunta com humor na voz.

– Nunca vou me cansar. – Afirma Lúcio e o seu rosto já começa a ficar um pouco mais visível. – Saia dessa luz. – Ordena.

– Você que tem que sair desse buraco. – Ela bufa, e só então Lúcio lembra que está em um espaço aperto na parede. Ele se levanta com algum esforço e limpa as mãos, mas ainda podia sentir a sujeira.

Depois de recomposto, ele a encara pela primeira vez depois de muito tempo. Não estava muito diferente de dois anos atrás. Seu cabelo ruivo estava, como sempre, seco e bagunçado; seus olhos verdes tinham olheiras fundas ao seu redor; seu rosto estava claramente cansado.

3 - Sobre Meninas e EscolhasOnde histórias criam vida. Descubra agora