III

4.8K 632 127
                                    

CHEGO NA LOJA no dia seguinte quinze minutos mais cedo do que o normal, e é estranhíssimo o fato de já estar de portas abertas. Com a cabeça na lua – ou melhor, no astro Henry Smythe, com quem, oh, eu bati um papo ontem à tarde – enfiei a chave na porta e percebi, num susto, que já estava destrancada. Meu primeiro pensamento foi invadiram a loja!, mas logo me acalmei.

Karen sorri enquanto atende alguém e, com um susto maior do que aquele que levei ao pensar que tínhamos sido roubados, meu coração dá um salto gigantesco, duas piruetas e um twist carpado ao notar que, oh, aquele astro teen famosíssimo, cheio de comentários elogiosos dos mais diversos críticos de cinema, aquele que adora trocar de namorada, o mesmo que, segundo ele mesmo numa entrevista ao site PopSun, gosta muito de passar as tardes livres assistindo a comédias românticas e tomando chá em boa companhia – é, eu fiz minhas pesquisas – é o cliente que Karen tão naturalmente atende.

Minha chegada não consegue passar despercebida, como eu queria, já que a loja possui um sino extremamente alto logo em cima da porta, fazendo com que qualquer entrada seja anunciada como aqueles carrinhos de som que passam pelas ruas, lentamente, anunciando que o circo está na cidade. Sabrina está na cidade, Sabrina está na cidade! Venham vê-la.

Olho para Karen e depois para Henry – é estranho saber seu nome sem ele nunca ter me dito – e arqueio as sobrancelhas até o alto. Ou eu acho que faço isso, pois continuo parada, tentando entender o que está acontecendo.

— Sabrina, querida! — Karen sorri um sorriso com todos os dentes típico dela, sempre esse poço de agitação, felicidade e autoestima. — Esse é o Henry, ele acabou de chegar, o que foi sorte, não é? Já que eu também acabei de chegar e abri a loja quase que para deixá-lo entrar! — diz ela, mexendo mãos e braços e sacodindo a cabeça enquanto fala (eu disse, um poço de agitação) — Você pode atende-lo? Preciso checar umas coisas no estoque, pois andei fazendo umas pesquisas e tenho muitas novidades pra trazer até aqui, mas, querida, isso fica para outro momento. Depois nos falamos, ok? — ela olha de mim para Henry, como se ele entendesse perfeitamente o que ela está falando, toca no braço dele educadamente e, antes que eu consiga respirar para responder, ela já está passando pela porta do porão. Ouço seus passos descendo a escada até lá embaixo, e eu ainda estou aqui, parada na porta.

— Uau — diz Henry, numa risada. — Ela é bem... demais, né?

Coço a garganta e tento dizer: aham, mas não sai nada.

Tudo bem, é idiota, eu sei. Eu estava esperando encontra-lo hoje, só para tirar todas essas dúvidas sobre ontem, fazer uma série de perguntas, e essas coisas (todas perguntas teriam o mesmo sentido de o que diabos você está fazendo aqui, e por que parece um foragido da polícia? – mas eu perguntaria educadamente, é lógico), só que eu não estava esperando encontra-lo logo agora. Que droga.

Meu cérebro paralisou.

É estranho, não é? Ontem eu estava normal, quando não sabia que ele trabalhava fazendo filmes, séries e etc., já hoje, com todo esse conhecimento, pareço uma amoeba vencida, mole e sem utilidade alguma, aqui parada na droga da porta de entrada.

Respiro fundo e fecho os olhos enquanto dou os primeiros passos rumo ao balcão. Ele é só uma pessoa normal e ele tem um trabalho normal, penso. Respiro fundo mais uma vez, inflando tanto o pulmão que tenho que tossir no final, e me posiciono no meu lugar de todos os dias.

— Bom dia — digo, depois balanço a cabeça rapidamente — tá procurando alguma coisa específica? — Sorrio. Sinto que é um sorriso horripilante, e depois tenho a confirmação, porque Henry suspira pesadamente, como se tivesse recebido notícias horríveis, e diz:

— Certo. Você já sabe, né? Pesquisou tudo no Google? Alguém te disse? Seu cérebro estalou e de repente você se lembrou?

— Um amigo me disse. — Não consigo esconder a vergonha. Parece errado saber quem ele é. Eu sei, eu sei, qual a lógica?

Henry morde o lábio com muita força, deixando-os brancos por alguns segundos depois de soltar os dentes.

— Certo — ele diz, muito lentamente. — Vou te pedir uma coisa.

— O que? Sei tudo de livros e filmes.

Henry sorri mais aliviado do que alguns segundos atrás.

— Não é sobre isso.

— O que é, então?

— Você pode não dizer a ninguém?

Eu não respondo, só fico olhando para ele.

— Eu prometo explicar a situação depois... sei lá, daqui a pouco, se você quiser. Mas, só... por favor.

Arqueio uma sobrancelha.

— Só se você me deixar ser sua companhia para uma tarde livre assistindo comédia romântica e tomando chá.

A risada de Henry explode e ele joga a cabeça para trás, gargalhando. Consigo ver todos os seus dentes, exatamente como em uns GIFs que vi na internet, num Tumblr chamado HenrySmytheLaughingIsSoCuteOMG. É, minha pesquisa foi tão profunda assim.

— Você fez mesmo uma investigação, não fez? — ele debruçou o corpo por cima do balcão, ainda rindo.

— Passei incontáveis horas lendo Sherlock Holmes, rapaz — imito um sotaque britânico fajuto demais, e só depois percebo que estou de frente com um garoto com o sotaque inglês mais acentuado que já ouvi cara-a-cara, e meu rosto queima, e eu quero me esconder embaixo do balcão.

Mas Henry não parece achar assim tão terrível – o meu sotaque – porque deixa passar, e só comenta:

— Esse lugar grita Sherlock Holmes mesmo. Mas, sobre a tarde, os filmes e o chá, pode ser. Com leite ou sem leite?

— O quê? Leite? — meu rosto reproduz uma careta confusa.

— O chá! — grita ele.

— Chá com leite? Pelo amor de Deus, não.

— Ah, — Henry segura o queixo com uma mão — você tem muito o que aprender sobre a Inglaterra, então. Sobre chá e sobre o sotaque — comenta ele, como quem não quer nada.

O sotaque.

Meu rosto quase explode em chamas.

###

Se você chegou até aqui, obrigada pela leitura! Espero que esteja gostando. Não esquece a estrelinha e comenta o que tá achando. <3

Até o próximo, 

xoxo

Henry Smythe I & IIOnde histórias criam vida. Descubra agora