XX

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As ruas estão vazias e iluminadas com luzes de natal, e parece um trajeto diferente, mesmo sendo aquele que faço todos os dias para o trabalho. Há algo misterioso quando cai a madrugada e a cidade se torna tão silenciosa, mas não há nada demais, realmente. Talvez só não estejamos acostumados sem a agitação do dia-a-dia, a confirmação de que há vida nos lugares. Agora parece que apenas Henry e eu estamos acordados, e essa sensação é libertadora. Sinto quase como se a madrugada fosse nossa única hora de sairmos, mas tenho outros planos quanto a isso.

Viramos a esquina e vemos a loja apontar no final da rua. Henry já conhecia o caminho, por isso não foi surpresa que estávamos vindo aqui. Mas será surpresa que não iremos ficar.

A chave roda tranquilamente na maçaneta da porta, sem desconfiar que está sendo usada como cúmplice dos meus planos, e em poucos segundos estamos agachados no depósito da loja vasculhando caixas.

— Você não está pensando em me fazer usar aquela máscara preta de novo não, né?! — Henry parece realmente assustado com a ideia.

— Não... — Eu arrasto a palavra o máximo que posso de propósito, e os olhos do garoto à minha frente se arregalam. — Não, relaxa.

— Mas até que minha pele ficou uma seda depois da máscara, sabe? — Ele passa a costa da mão na bochecha e eu o empurro para trás. Henry cai sentado, e junta as sobrancelhas numa expressão emburrada no mesmo momento. — Isso vai ter troco — diz.

Ignoro sua provocação e continuo vasculhando a caixa. Sinto a mão pesada de Henry no meu ombro e no outro segundo estou com a bunda no chão também.

— Henry — suspiro profundo. — Se eu fosse você, parava agora, ou vamos ficar nesse impasse para sempre. Vou grudar você no chão se for possível para ganhar essa disputa infantil. Sou competitiva, você ainda não viu nada — ameaço, e Henry se põe de cócoras prontamente.

— Não brinco com ameaças — afirma ele, e se concentra na caixa.

Eu começo a rir de sua reação.

— Algo me diz que você já sofreu muito com isso — digo.

— Tenho uma irmã mais velha e um irmão mais novo endiabrado. Sofri muito com isso.

— Ah... — encolho os ombros. — Acho que faço parte do time de irmãos mais novos endiabrados.

— Sério? Você parece ter sido uma criança adorável.

— Hum — murmuro. — Alguma hora te mostro meu álbum de fotos para você tirar suas próprias conclusões.

— Vou cobrar — diz Henry, e tira algo da caixa. Está embrulhado em um papel plástico barulhento, mas eu sei o que é. Ele tira do saco e coloca na cabeça uma peruca de cabelos enrolados colorida. — Essa é sua ideia de disfarce?

Seguro o riso na garganta e o olho séria.

— Poderia ser... Está faltando uns óculos sem lentes vermelho... espera aí. — Vou até a caixa exata onde sei ficar esse tipo de coisa e o pego para Henry. — Toma. Perfeito.

Ele faz uma careta engraçada, semicerrando os olhos, arqueando uma sobrancelha e entortando os lábios num meio sorriso bizarro.

— O que é isso que você está fazendo? Está tendo um derrame?!

— Não. — Henry volta ao normal. — É minha cara de galã. — Ele imita de novo a careta e eu não seguro a gargalhada dessa vez.

— Você não precisa fazer nada para ser galã — solto, e reviro os olhos assim que ouço.

Henry Smythe I & IIOnde histórias criam vida. Descubra agora