Coração.

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Lembro das palavras de Luana me pedindo para cuidar de seu sobrinho quase que diariamente. Percebo o quanto negligenciava aquela gravidez, afinal, pelas minhas contas, já tinha cinco meses de gestação e nem sequer tinha ido a um médico. Por esse motivo, acabei marcando uma consulta, e aqui estava eu, na sala de espera, no canto mais afastado o possível de todos.

Por ser cedo da manhã, mal tinha gente ali, logo meu nome é chamado. Entro na sala, sendo cumprimentada com um bom dia pela médica, e sento na cadeira a frente da sua, por pedido dela.

Tivemos uma longa conversa sobre a gestação e seus cuidados, e ela, como de esperado, me deu a maior bronca pelo meu descuido em não começar o pré-natal. Fizemos alguns exames para provar e sim, eu estava com cinco meses e uma semana. Ela então me leva para a salinha ao lado, me entrega uma roupa verde estranha e pede para que eu a coloque. Se sem estar no corpo já era estranha, vestida então era sem palavras. A barriga ficava por completo fora da roupa e o resto do corpo era coberto. Depois que me apronto, a doutora pede que eu deite na maca, deposita um gel extremamente gelado sob meu ventre e me aponta a telinha ao lado. Ela puxa a maquininha e pressiona na barriga, olho atenta para as imagens que surgem na telinha, mas não vejo nada além de um monte de manchas.

É então que ela aumenta o volume, e um som alto toma conta do local, a encaro preocupada, mas ela só sorri.

-Esse barulho é o coraçãozinho do seu bebê. E esse—Ela aponta pra uma bolinha no centro da telinha. —É ele.—

Eu costumo controlar minhas emoções, por ter vivido tanto, era como se eu pudesse disfarçar o quanto eu quisesse. Mas não naquela situação. Aquele som era o meu novo som favorito, e aqueceu tanto o meu coração. Coloco a mão sob a boca, em incredulidade. Seu coraçãozinho batia tão forte, tão alto, e ali estava ele. Após ver aquele tanto de vida em um serzinho tão pequeno, imagino instantaneamente nosso futuro. Suas primeiras roupinhas, seus primeiros passos, suas primeiras falas, primeiros dentes. Primeiros conflitos, primeiras risadas. Me culpo por não ter curtido aquilo desde o começo, mas era tão irreal para mim, devido a tanta confusão causada, tantos olhares tortos e palavras tão afiadas quanto facas direcionadas a mim, me machucaram de maneira que me deixou cega a minha realidade. Eu não queria aceitar o que aquilo traria para mim.

Mas ele é meu, meu bebê, o pedacinho de mim, meu filho.

Não sei quanto tempo se passou, pois fiquei vidrada no som e na imagem, não me preocupei nem em limpar as lagrimas que caiam, apenas sai da minha bolha particular quando o barulho cessou, e a telinha foi desligada.

A médica limpou minha barriga, enquanto repassava os cuidados básicos que eu deveria tomar daqui para frente. Ela falou que já havia passado do período de risco, mas os cuidados devem permanecer. Antes de sair de sua sala, ela me entrega as imagens do ultrassom, e eu a agradeço por tanta atenção.

Saio do consultório e sigo apressada para o parque, já estava atrasada e muito, mas eu não ligava nem um pouco, hoje eu sorria até para os ventos. Ao adentrar o local, já movimentado, sigo para o lugar de sempre, e lá está ela. Vitória estava sentada, mexendo no celular, com o cenho franzido enquanto digitava. Seus cabelos estavam soltos e voavam junto com a brisa leve que passava por ali. Quando ela retira o celular da tela e fixa os olhos em mim, suspira de alivio, levantando e me abraçando forte.

-Ei, oi!-Falo animada, retribuindo aquele abraço casa da mesma forma.

-Demorou hoje! Já estava preocupada. Te mandei mil mensagens.—Ela fala, sorrio notando sua feição de preocupação ir desaparecendo após nos desvencilharmos.—Guardei seu lugar.—Vi volta a sentar no chão e eu, sento do seu lado esquerdo, como sempre.

-Fui numa consulta. Comecei o pré-natal, atrasado, mas comecei—Rio

-E como foi? Tá tudo bem com o bebê? Tá de cinco meses mesmo? Fez ultrassom? É menina ou menino? Ai Deus.—Vitória se anima de tal maneira, sua voz sai com tanta empolgação que eu só consigo rir mais ainda.

-Por partes. Foi lindo. Tá tudo ótimo com ele, a médica falou que ele está perfeitamente saudável, mesmo depois das minhas negligencias.  Tô de cinco meses e uma semana. Fiz a ultrassom sim, vê aqui.—Entrego as imagens que a doutora me entregou em suas mãos, que abre a boca de imediato.—Esse aqui é meu bebê, Vi.—Aponto para a bolinha. A encaro tão de perto e posso inclusive ver seus olhinhos brilhando fitando concentrada o pequeno pontinho.

-A não, Ana. Num aguento, olha que coisa mais linda a vidinha que tá se formando dentro de tu.—Vitória me encara, abrindo o sorriso mais lindo do mundo. Sorrio, já sentindo os olhos marejarem novamente, okay, devo culpar os hormônios? —Eu posso?— Ela pergunta um pouco tímida, apontando para minha barriga, pela primeira vez, não escondida, naquele parque. Faço que sim com a cabeça, acompanhando com os olhos sua mão ir lentamente em direção ao meu ventre. Ela faz um carinho, um carinho bom, suspiro olhando a cena enquanto sorrio.

É então que ele chuta, e na mesma hora, Vitória me encara perplexa.

-Parece que alguém gostou de tu. —Falo rindo, sentindo outro chute bem onde a mão dela estava. E mais um sorriso perfeitamente alinhado surge em minha direção.

-Ei tu, bebezinho.—Ela prossegue com o carinho, olhando fixamente para o movimento de sua própria mão sobre a minha barriga—Eu vejo nos olhinhos cor de jabuticaba da tua mamãe o quanto ela ansiosa pra te ver. E olha, eu também tô louquinha pra te conhecer, pincipe ou pincesa.—A ultima frase ela fala com a vozinha fininha, e com a cena eu já ganhei todo meu dia.

-Vi, tu quer ir ver a próxima ultrassom comigo?—Pergunto meio receosa com sua resposta, com medo de estar me precipitando. Seria bom ir na presença de uma amiga, certo?

-Tu quer que eu vá?—Ela me responde com outra pergunta, me atingindo com o olhar mais sincero que existe, e repetindo quase o mesmo que falou quando voltou a primeira vez para me encontrar. Ela realmente voltou depois que falei que queria, e continuou voltando até que ficou. Ficar. Por mim.

-Eu realmente quero.

Segundo solOnde histórias criam vida. Descubra agora