"Solidão (s.f)Estado de quem se acha ou se sente desacompanhado. Sozinho. Isolamento. É olhar para o lado e não ter uma mão estendida para você, ou um ombro amigo pra encostar a cabeça e chorar."
São Paulo, 23 de setembro de 2014. 3h40min.
Três e quarenta da madrugada. Mais uma noite de insônia, insônia que vem me acompanhando a algum tempo. O céu de São Paulo estava um tom de azul bem escuro, limpo, sem sequer uma estrela para que eu pudesse contar. O caos parecia bem menor, obviamente devido ao horário. Sentada no chão, com o violão posicionado e meu caderninho apoiado em uma das pernas, tento pensar em algo, alguma melodia, ou letra, mas não vem nada. Suspiro irritada, não acredito que estava perdendo o dom de fazer a única coisa que eu gostava nessa vida. Resolvo desistir. Levanto do chão e deixo o violão no pequeno sofá, seguindo pela cozinha logo após. Enquanto preparo um chá, lembro da existência do velho celular, e resolvo desbloqueá-lo, mas não me surpreendendo em não ter nenhuma ligação ou pelo menos uma mensagem da minha mãe perguntando se eu estou viva.
Quando o chá está pronto, o coloco na xícara e tomo lentamente, sendo esmurrada pela quantidade de pensamentos que surgem na minha cabeça. Sozinha. Era isso que eu estava. Sozinha no mundo.
Deixo a xícara na pia e sigo para o quarto, sentindo os olhos arderem um pouco, era o sono chegando e eu tinha que aproveitá-lo. Deito na cama e sinto automaticamente meus olhos pesarem, agradeço aos céus, pelo menos não ficaria me remoendo e perderia o resto da madrugada. Fecho os olhos e então me permito relaxar.
Escuto o despertador estridente que me faz acordar num susto, sempre era assim. Respiro fundo e coloco a mão no peito, enquanto levanto preguiçosa da cama. Estava frio, e minha cama me chamava para debaixo dos cobertores. Mas infelizmente, não era uma opção. Tiro minhas roupas e entro no banho quente, cantarolando Mallu enquanto meus músculos relaxavam. Então finalizado, saio, vestindo minhas roupas intimas para iniciar a saga "com que roupa irei". Passo rapidamente em frente ao espelho, mas algo me chamou atenção, e me fez voltar. Olho para minha barriga, notando uma saliência bastante notável nela. Viro de lado, a observando, e me perguntando como eu não havia percebido aquilo. Se bem que são quatro meses, a tendência é aumentar. Coloco a mão sobre ela e deixo um pequeno sorriso nascer, mas o fecho rapidamente, deixando a cena de lado e seguindo pro meu guarda-roupa. Visto uma calça e uma blusa branca, coloco um casaco grosso preto por cima. Olho pro relógio e me surpreendo com o horário, corro para a cozinha e como a primeira coisa que vejo, calçando os sapatos e pegando o violão. Saio do apartamento e o fecho, guardando a chave no bolso. Corro pro ponto de ônibus e pela minha sorte, ele não demorou. Logo dou entrada no Ibirapuera, pro meu lugar de sempre. Ele estava vazio e agradeço, pois não precisava passar pelo constrangimento de falar com alguém e pedir um espaço ou ir para outro lugar. Sento no chão, abrindo a caixa do violão e o tirando, posiciono a plaquinha de sempre e espero, o movimento era pouco, inexistente praticamente naquele horário, então resolvo deixar pra começar quando o fluxo aumentasse.
-EI TU.—Ouço a mesma voz rouca atrás de mim e pulo de susto. Ouço a risada, enquanto tento me recuperar.
-Olá!—Falo respirando ofegante. E fazendo a mulher de ontem, Vitória, rir mais ainda. Ela senta ao meu lado dessa vez, e eu me permito me perguntar o que aquela moça estava fazendo a esse horário no parque.—O que tu tá fazendo aqui essa hora?—Deixo a curiosidade tomar de conta e resolvo perguntar.
-Vim te ver cantar, prin da voz de açúcar. Eu disse que vinha.—Ela exibe o sorriso largo de sempre, o que me faz sorrir de lado e minhas bochechas corarem levemente.
-Vai ter que esperar um pouquinho, tô esperando o fluxo aumentar.—Explico, mas ela nem parece ligar.
-Oxe mulher, tem mal não. Vamos conversar. Me diga, de onde tu é, Ana Clara Caetano?—Vitória pergunta, e eu novamente me sinto insegura de me abrir pra uma estranha.
-Er...Araguaína sabe, Tocantins.—Respondo
-MENTIRA—Ela fala animada—Eu também sou de lá. Como que a gente não se viu naquele pedacinho de cidade?—Sorrio com a coincidência e me sinto um pouco mais confortável com sua presença
-É o que deve ser questionado. Lá todo mundo se conhece.—Falo, o que era bastante verdade, Araguaína era minúscula, impossível não conhecer todos.
-Vai ver isso foi o destino que encaminhou a gente pra se encontrar aqui no meio desse caos todin.—Seu sotaque sai carregado, e me pergunto como eu não tinha o associado ao sotaque do tocantinense.
Eu e Vitória passamos um bom tempo conversando, ela era cheia de luz, de energia boa, até conseguia me arrancar umas risadas com umas besteiras que falava. Quando enfim resolvi começar a tocar, ela me acompanhou com sua voz rouca, e agradeci pela voz presenteada a essa garota. Depois de tanto papo, acabei descobrindo que ela veio pra São Paulo pra cursar Teatro, à uns seis meses atrás. Contei para ela que vim por problemas, mas preferi não comentar quais, não vou assustar a garota de primeira. Descobri também sobre sua família, ela tinha duas irmãs, e dois cachorrinhos em casa. Sua irmã também se chamava Ana, e ela comentou que ela adorava tocar violão assim como eu. Ela era uma garota aberta, livre, sem muita preocupação, pelo tempo que conversamos, que felizmente não foi pouco, pude chegar a conclusão que ela era feliz, e rodeada de amor, e isso que importava.
Vitória acabou passando o dia todo comigo, e me fazendo sorrir durante todo ele. Ela cantava comigo, e nossas vozes se encaixavam perfeitamente. Quando vejo o sol começar a se pôr, começo a arrumar minhas coisas, e saímos juntas até a saída do parque.
-Nos vemos amanhã?—Ela pergunta me encarando e eu me perco por alguns segundos na galáxia de seus olhos.
-Você vem amanhã?—Pergunto surpresa.
-Se tu quiser que eu venha, eu venho. Tu quer?—Olho para seu rosto iluminado pelos raios alaranjados, seus cachos volumosos eram a perfeita moldura para ele, e seu sorriso exposto ali, me provava que ela viria mesmo. Eu queria sua presença de novo, eu queria sua voz rouca junto com a minha, queria mais uma tarde de conversa fiada, nem que fosse a última, e que depois ela se cansasse e nunca mais aparecesse. E eu não iria perder a oportunidade.
-Eu quero.
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Segundo sol
RomanceAna Clara estava no meio do caos, literalmente. Sofrendo às consequências de um suposto erro, sua vida muda de cabeça para baixo, sendo obrigada a sair de sua pequena Araguaína para encarar a grande selva de pedra, São Paulo. Quem dera ela esse foss...