Girassol.

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Quase onze da noite, já deitada na cama com o computador sob o colo, eu pesquisava algo sobre empregos em São Paulo. Minhas economias de uma vida inteira estavam acabando, e eu não poderia viver para sempre de trocados. Anoto os locais que encontrei, e fecho a aba. Resolvo entrar nas redes sociais, vejo como tudo pelo lado do meu Tocantins estava mudado e não havia nem se passado muito tempo. Logo uma notificação surge bem no centro do computador, chamada de vídeo, que ao ler o nome, aceito de imediato.

-Aninha!—O homem do outro lado fala animado. Ele parecia estar sentado em um sofá, e uma cabeça ruiva repousava em seu colo.

-Rafa!—Exclamo no mesmo tom. Rafael, meu irmão mais velho, estava ali do outro lado da tela esboçando o sorriso típico de nossa família.

-Como anda tudo por ai?—Ele pergunta e posso sentir um leve tom de preocupação em sua voz.

-Eu tô... –Antes que eu possa finalizar a frase, ouço a voz animada surgir de fundo e logo o rosto jovem da minha irmã mais nova surge grudado no de Rafa para assim ter espaço.

-ANA –Luana berra de forma escandalosa me fazendo rir. Eu sentia tanta falta de nossa convivência. Rafael tinha vinte e cinco, era um excelente cirurgião, ele havia saído de casa aos dezessete, quando passou em medicina em Brasília. Rafa sempre foi super protetor, ele cuidava de mim e Luana como ninguém, mesmo durante sua adolescência, período onde ele poderia se rebelar sabe, coisas que esperam de adolescentes. Mas não, ele sempre foi o mesmo garoto sereno de sempre. Lembro-me até hoje do dia que ele havia ido embora, e de quanto eu chorei pela distância que teríamos, assim como lembro que nesse mesmo dia, aos onze anos, fui consolada pela minha irmãzinha de seis anos. Luana veio bem depois de mim. Quando ela chegou eu havia acabado de completar cinco anos, e fiquei encantada quando a vi pela primeira vez, para mim, era minha mais nova boneca.

Ao ver os dois rostinhos colados ali na minha frente, sinto meus olhos marejarem. A saudade era grande, nós sempre fomos extremamente grudados, e sem dúvida, o que mais me doía em todo o conflito foi ter sido proibida de falar com os dois, e excluída da vida deles sem nem pedir por isso.

-Oxe Luana, que que tu tá fazendo em Brasília, mulher?—Falo a olhando e limpando discretamente uma lágrima que escorreu pelo meu rosto.

-Mamãe me mandou pra passar as férias aqui com Rafa e Bel enquanto ela e papai foram fazer aquelas viagens de casal de sempre. —Ela faz uma careta de nojo.

-Pois é, e quem ficou com o fardo fui eu. —Rafa fala em tom brincalhão e recebe um tapa de Luana no braço, me fazendo rir novamente e sentir mais falta ainda daquilo ali. –Mas você não respondeu, Aninha. Como você tá? –O tom anterior some de imediato de sua voz, dando espaço para o preocupado surgir novamente.

-Eu tô bem, Rafa. –Falo séria e ouço seu suspiro triste. Luana faz o mesmo, mas ela não entendia nem de um terço do que eu havia se passado antes de que eu viesse para cá, preferi a manter fora disso. Mas Rafael sabia. De tudo.

-Sério? Se você quiser pode vir morar aqui comigo Aninha, não me importo do que papai e mamãe irão dizer. –Ele me oferece pela segunda vez, a primeira, foi no dia que tudo aconteceu, mas acabou levando um enorme esporro e eu preferi não o ver passar por aquilo de novo. Durante todos esses meses não havíamos nos falado, ele não tinha meu número novo, e eu não sabia o de ninguém de cor. Por sorte existia as redes sociais, essas, que demorei meses para entrar.

A proposta era boa, lá eu teria abrigo certo, não penaria para viver e nem me assustaria todo dia com a cidade, mas não, eu não sairia mais de São Paulo. Minha independência havia sido criada, e eu não queria mais esperar por ninguém. E também, tinha ela. Se distância já machuca tanto, imagine distância de quem ficou por você e te deu a mão sem pedir nada em troca.

Segundo solOnde histórias criam vida. Descubra agora