Mãe.

2K 169 84
                                    




Mãe? –Falo a palavra sentindo meu coração doer. De imediato, relembro de tudo que vivi naquela sexta-feira de três meses atrás. Os gritos, os olhares de nojo direcionados a mim, de desprezo.

-Como está? –Ouço sua voz fria do outro lado da linha. Era incrível o quão frágil eu me sentia diante a ela e sua autoridade.

-Você não liga. –Falo com pesar, recebendo uma risada irônica como resposta.

-É. Telefonei para avisa-la que sei que anda mantendo contato com Luana e quero que isso acabe imediatamente. Sem ligações, sem chamadas de vídeo, sem nem cartas. Não me faça fazer algo extremo, Ana Clara. –Mais? Me pergunto em silêncio, sentindo as lagrimas descerem descontroladamente ao meu rosto.

-VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO. –Grito de raiva, soluçando de tanto que chorava. Ela não poderia quebrar aquele laço que tínhamos, ela não tem esse direito. Luana era minha protegida, eu me apoiava nela e ela em mim, era sempre assim. Sempre.

-TANTO POSSO, QUANTO VOU. EU NÃO QUERO LUANA SEGUINDO O MESMO CAMINHO QUE VOCÊ. –Suas palavras cortam a minha carne como a faca mais afiada que já existiu. Fico em silêncio, recuando diante aos seus gritos que mesmo de longe, me assustavam tanto. – Você não vai a induzir a fazer a mesma merda que você fez com a sua vida. Ela não é como você, e não vai ser. Luana tem um futuro perfeito, e está bem encaminhada a ele, não o estrague, ela não será uma adolescente coitada e grávida largada por ai, ela não vai ser você. Se afaste. –E então, a ligação é finalizada.

Flashback: 3 meses atrás.

Eu tremia diante a figura do meu pai a minha frente, ele possuía a cara fechada e parecia segurar as lágrimas. Na sua mão, o papel onde continha o meu teste e o grande "positivo" verde. Ele não falava uma palavra, a sala estava silenciosa, e eu mexia nas mãos inquietamente, esperando uma reação. Eu torcia tanto para que ela fosse boa.

-Cheguei! Hoje o trabalho foi uma correria. –Ouço a porta abrir e logo a voz animada de mamãe surge. Sua figura passa apressada para dentro, e deixa a pasta em cima da mesa, vindo em minha direção, deixando um beijo em minha cabeça e indo logo após ao lado do meu pai, o cumprimentar com um selinho. –O que tem pro jantar hoje? –Ela pergunta, não recebendo nada de resposta e obviamente estranhando. –O que aconteceu? –Ela questiona novamente, e mais uma vez, apenas um silêncio. Abaixo a cabeça envergonhada, mas logo a levanto. --O que seria esse papel, Edimilson? –E antes que papai pudesse responder, ela puxa o exame e começa a analisa-lo. Ela não esboça emoções, mas eu não estava tão receosa quanto a ela, e sim quanto a papai que sempre foi mais carrancudo.

Mamãe era uma boa mãe, sempre nos levava ao parquinho quando erámos mais novos, sempre pensava nos filhos antes de tudo, e era extra-super-protetora. Seu sonho era ver suas três crianças serem grandes médicos, e ela fazia questão de mencionar isso todos os dias no jantar. Rafael já era, e seus olhos brilharam tanto quando ele foi buscar seu diploma. Eu queria que eles brilhassem em minha direção também.

Até os doze, estava certa de meu futuro. Eu acabaria o ensino médio, entraria na faculdade de medicina e faria meus pais felizes. Até que fui presenteada naquele natal, por um tio distante, com o pequeno violão branco. Ah, aquele violão. Ele era como meu melhor amigo. Eu virava noites e noites o tocando, ou pelo menos pensando que sabia tocar. Aos quatorze, eu já tinha mudado a ideia que tinha para minha vida. Eu queria ser artista. Queria pessoas cantando alto minhas composiçõeszinhas bobas, queria espalhar todo o amor que eu colocava nela para todos. Quando fui falar sobre a nova resolução do meu futuro, mamãe se abriu em risadas e foi acompanhada por umas nervosas de papai. Eles me falaram que não tinha futuro, que não era valorizado e que seria uma vergonha. Tive que no final de tudo, falar que era brincadeira, que eu queria sim ser médica. Naquele dia eu voltei frustrada para o quarto, triste de coração, mas tudo passou tão rápido assim que bati o olho nele, ali, no canto do meu quarto. O meu violão branco.

Segundo solOnde histórias criam vida. Descubra agora