Confiar.

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As palavras de Vitória se chocaram com a minha mente, e no automático meu coração aperta, me sinto a pior pessoa do mundo antes mesmo dela falar do que se trata.

-O que houve?—Minha voz sai falha, eu temia tanto sua resposta. Tudo que eu não queria fazer na vida era magoar Vitória.

-Confiança, Ninha. Confiança se trata de crença na probidade, crença de que algo não falhará, pois é forte suficiente para isso. Há menos de um ano eu te conheci, no parque, com o rostinho todo triste mas mesmo assim suspirando ao cantar. Você confia na sua música. Isso é lindo. Logo quando começamos a nos conhecer, descobri por um acaso sua gravidez, e não, em nenhum momento aquilo me fez pensar em me afastar. Eu não estava assustada por me interessar por uma mulher grávida, pelo contrário, você viu e vê o quando Ana Lis é uma benção em minha vida. Ela pode não ser minha de sangue, mas é de alma, e não há nada mais forte que isso. Você confia em Lis, ela é sua filha e merece sua confiança. Eu confio nela também. —Vitória desata a falar me fazendo prestar total atenção em suas palavras fortes como sempre. —Nós começamos, Ninha. Eu posso ter parecido confiante suficiente no dia que te beijei, mas meu coração saltava no peito, minha barriga tava cheia de borboletinha e meu sorriso não saia dos lábios após aquilo. Você me correspondeu, você me quis e não teve nada que me deixou tão feliz ali em São Paulo como naquele dia. Mesmo com o conflito que veio após, nos resolvemos e hoje estou eu, aqui, continuando a te querer. Eu te amo, Ana Clara. Com todo o meu coração. Como nunca amei ninguém. Eu sou tão feliz com a minha vida, e agradeço todos os dias aos céus por ter me presenteado com a sua presença e com a nossa filha. Eu confio em você, Ninha, de olhos fechados, e se um dia eu precisasse andar numa ponte, estreita, sem proteção alguma, sobre o mais fundo mar, vendada, eu escolheria você para me guiar. Mas você...você não confia em mim...não desse jeito...—A declaração repentina me atinge, e o final dela principalmente. Sinto os meus olhos ficarem úmidos e a encaro.

-Eu con...—Tento a interromper mas ela me interrompe antes.

-Não, Ana. Eu não estou te cobrando isso, nunca te faria isso. Pode se passar dez, vinte, trinta anos, e se você ainda não estiver pronta pra me contar, eu estarei bem com isso. Eu te garanto, não faço questão de conhecer seu passado, quero apenas fazer parte do seu presente e futuro, e espero ter deixado claro durante todos os meses que passamos lado a lado. —Vi levanta da cama, se aproximando de mim e segurando a mão vazia, pois a outra estava muito ocupada segurando Lis. —Mamãe me contou sobre o novo vizinho ter vindo aqui, e sobre como você estava quando ela passou para subir pro quarto. Não a julgue mal, ela estava apenas preocupada com você e pensou que eu saberia do seu estado. —Vitória corta o momento, tirando Lis delicadamente do meu colo e a ajeitando no centro da cama, cercando de travesseiros para que ela não caisse. Enquanto ela fazia, eu respirava fundo tentando equilibrar meu emocional após saber do motivo de toda a conversa.—Eu não sou ele.

-E eu tenho total convicção disso!—Falo de imediato, desesperada, me aproximando do seu corpo novamente.—Eu sai mais cedo. Fui ao meu lugar favorito daqui, meu refúgio, justamente organizar meus pensamentos. E dentro deles, só tinha você e teu jeito de ser. Você não é nada parecida com ele. Junto a ti eu sou eu, junto a ti eu sou feliz, e é por isso que eu sigo. —Vitória dessa vez me encarava atenta com seus olhos claros e vermelhos pelo segurar das lágrimas. —Eu engravidei com dezoito anos, eu fui abandonada pelo homem que eu pensava amar e que pensava que me amava de volta. Eu fui expulsa de casa pela minha mãe, recebendo um tapa na cara junto a palavras agressivas depositadas em mim. Junto ao choro desesperado da minha irmã mais nova e ao desapontamento do meu pai. Eu cheguei em São Paulo desamparada, sem nada além de uma mala, meu violão e um bebê no ventre. E segui todos os dias sim, com o olhar triste enquanto suspirava cantando no parque, até tu aparecer, e me puxar de volta para viver. Você não tem ídeia do quanto eu sou grata por você, Vitória. —Deixo as lágrimas que segurava, sairem de vez, enquanto a puxo para um abraço, sendo retribuida fortemente.

-Confiança é compromisso. É o ingrediente principal de um relacionamento. —Vi fala após passarmos longos minutos apenas nos aproveitando dentro do abraço. Me desvencilho lentamente, e subo o olhar para sua face. Linda, era era a mulher mais linda do mundo e como eu a amava. —Eu sou tua. De corpo, alma, coração. De ser, de pensar, de viver. Tudo é teu. E tu? Quer ser minha, Ninha? —Seu sorriso surge entre o rosto corado pelo choro e eu sinto o meu queimar. Meu coração dispara. Como?

-Ãhn? —Respondo atordoada fazendo Vitória rir baixo pela presença da nossa filha dorminhoca na cama.

-Tu quer ser minha namorada, Ana Clara? Te juro, afeto e paz não vão te faltar. —Meu ser se enche de felicidade repentinamente. O sorriso abre automaticamente no meu rosto.

-Claro que eu quero, meu Deus, Vitória. Sim. SIM! —Falo alto a ultima parte, e ela posiciona o indicador sob meus lábios, apontando Lis na cama. Sorrio sentindo suas mãos em minha cintura, me puxando para perto.

Sorriso colado. Lábios do mesmo jeito. Coração, vida. Viver. Tudo juntinho, embaraçado, entrelaçado. Entrelaçar de linguas, de dedos, de pernas na madrugada. Ela era minha, minha namorada, minha mulher. Meu amor é dela, e automaticamente, minha confiança também.

-Eu te amo.—Sussurro assim que nos separamos lentamente do beijo.

-E eu amo tu. Amo nós e amo nossa família. —Transbordo. Como sempre fazia junto a ela. Transbordo de amor.

Vitória sai para tomar banho, seu intuito inicial. Fico ali na cama apenas velando o sono da minha pequenininha e agradecendo por ter me enviado ela e assim, me afastado dessa cidade e do mal me acarretado nela. Enquanto a observo, pela minha mente se passavam muitas e muitas frases e eu resolvo anotar todas. Talvez mais uma de mil músicas que já fiz secretamente para Vi.

Quando ela sai do banho, de cabelos molhados e de sorriso alinhado exibindo em minha direção, lhe dou um selinho rapido, puxando sua mão para enfim descermos para almoçar.

-Mas foi a demora viu, to morrendo de fome, Deus me livre. —Sabra fala atacando o almoço assim que pisamos na cozinha, me fazendo corar e todo o resto rir. Até que ela levanta o olhar e choca com o de Vitória. —Tu pediu. —Vi confirma animada com a cabeça e Sabra comemora animada. —AE FINALMENTE. Oa mainha, Vitória desencalhou, se eu tivesse as duas pernas disponíveis eu ia pular. —Ela fala pra Dona Isabel que comemora do mesmo jeito engraçado. Me permito rir da cena enquanto morro de vergonha. Aquela família sem duvidas era a melhor do mundo.

-Num acredito que tu num tinha pedido em namoro ainda, Vitória. Mas é lesa viu. —Ana, a namorada de Sabra e pelo que descobri, vizinha de uma vida toda da família, tira onda de Vi.

-Ah e tu pediu em dois minutos ne? Oia Ninha, Ana passou vinte e dois anos crushando Sabra de longe, mais quarenta e sete pra dar o primeiro beijo e mais trinta vidas pra pedir em namoro. Quem sofreu fui eu que tive que aguentar ela se lamentando de amor. —Vi rebate brincalhona e Ana cora, recebendo um difícil abraço de lado carinhoso de Sabra.

-Tia Isabel arruma alguem pra mim que viver nessa família cheia de gente amando demais num dá pra mim não. —Feli solta frustrado, fazendo todos da mesa gargalharem.

Aquele era o cotidiano da casa dos Falcão. Regado de risada, brincadeiras, muito chamego e muito amor. Eu me sentia sortuda por compartilhar daquela vivência, e por segundo Dona Isabel, já fazer parte da família.

A tarde se passou rapidamente, durante ela fui arrastada por Ana Beatriz até seu quarto, para ensina-la a tocar alguns acordes e ver o que ela já sabia também. A garotinha era esperta, sabia de muito e de quebra ainda cantava. O talento é de família, penso lembrando da voz rouca da minha mulher junto a minha e ao tocar lento do violão. Passamos a tarde toda compartilhando música, até minha filha acordar com fome e eu ter que abandonar o momento para ir alimenta-la.

Pela noite nós jantamos e seguimos para o quarto, aquele havia sido sem duvidas um dos melhores dias da minha vida e entraria com certeza para meu relicário de coisas que provam que o amor existe.

No abraço casa de Vitória, dormi pela primeira vez bem desde que cheguei na cidade, adormecendo de sorriso de canto no rosto, enquanto entrelaçávamos nossas pernas e dedos pela madrugada.

O amor existe. Eu e meu segundo sol erámos a prova disso.

Segundo solOnde histórias criam vida. Descubra agora