Ouço vozes altas ao meu lado, um monte delas. Quando tento abrir os olhos, os sinto pesado e desisto por um instante, até voltar a tentar e só assim conseguir. Minha visão estava turva, tudo passava rapido demais e eu não tinha ideia alguma de onde estava.É então que sinto a dor no meu ventre novamente, me fazendo recordar da situação que me encontrava.
-Vi...--Falo puxando toda força que me restava ao ver entre os borrões seus cachos esvoaçantes e sua aparencia preocupada. Ela falava com alguém mas ao ouvir meu sussuro virou-se em minha direção. Seus olhos cheios de lágrimas se chocou com os meus que já não segurava mais choro nenhum. Meu coração aperta forte, penso em como estaria minha bebê, ou como ela não estaria, o que me faz me desesperar mais ainda. Pensar no que poderia estar causando aquela dor, doia mais que a própria.
-Está tudo bem, okay? --Vitória tenta me tranquilizar mas nem mesmo ela estava tranquila, vejo sua mão tremula se juntar a minha e a aperto com força ao sentir outra pontada mais forte. A dor se intensificava e aumentava de ritmo, me fazendo gritar alto e chorar mais ainda.
-Vamos precisar fazer um parto de urgência. --O homem que trajava vestes brancas surge em minha visão, falando sério e apressado.
-Ela só está de sete meses! --Vitória reluta alto, nervosa.
-É a única chance que temos de salvar a criança e a mãe. --O homem diz, e eu grito de dor novamente, o fazendo se apressar mais ainda. Vejo algo sendo injetado em mim e logo após a maca é empurrada rapidamente por uma série de pessoas, quanto mais eu me distanciava, menor estava a figura de Vitória e mais turva a minha visão. A dor diminui drasticamente e eu, adomerço antes mesmo que eu possa perceber.
Minha cabeça dói, abro os olhos encarando assustada o redor, tudo estava escuro. Escuro até demais. Tiro os fios que estavam em meu corpo e levanto da cama, andando pelo quarto onde não havia nada. Vejo a porta e ando lentamente em sua direção, a abro e saio, dando de cara com os corredores vazios e escuros de um hospital.
Ando por eles com desconfiança, até que o silêncio é cortado por um choro alto e estridente, era um choro de bebê. Abro um sorriso de imediato, imaginado que aquele seria o chorinho da minha bebê. Corro em direção ao barulho, e ao abrir a porta para tentar alcança-lo, acabo parando em um jardim.
O choro cessa.
O jardim era verdinho, com cheirinho de alecrim, o céu tão azul e limpinho, as árvores bem floridas e entre elas, uma pequena silhueta de costa. Uma menininha, de cabelos castanhos, que trajava um vestidinho branco de renda. Ela parecia segurar uma boneca. Sorrio a encarando, seria aquela minha filhinha? Me aproximo animada dela, e ela se vira, comprovando meus pensamentos. Ela tinha os olhinhos caídos como os meus, tinha meus cabelos e meu tom de pele, por sorte, não tinha herdado quase nada dos traços do pai.
-Mamãe? --Sua vozinha é assustada, e após ouvi-la, meu sorriso some do rosto. Ela estava assustada? Por que ela estava assustada?
-Sou eu, meu amor. --Falo calmamente, me ajoelhando em sua frente. Estendo a mão para tocar em seu bracinho mas ela o puxa com medo.
-Puque você fez isso? --Sua vozinha infantil soa cheia de tristeza e sinto meus olhos encherem de lagrima e meu ser encher de confusão.
-Eu não fiz nada.--Tento a tocar novamente e ela se afasta me encarando fixamente.
-Você não me quis, mamãe. --Sua voz soa mais triste ainda, e ela repete a frase diversas vezes, até que seu tom se torna mecânico, seu rosto parece se deformar a cada vez que a frase é dita, e eu só começo a chorar alto, a puxando para perto enquanto ela se desmanchava em meu colo. Seus pedaços somem e o que resta em meu colo é um pequeno lírio. O junto a meu corpo enquanto me debulho em lágrimas, até que sinto um olhar sobre mim.
Levanto o rosto me deparando com Vitória, ela me encarava mas em seus olhos não tinha a luz, estava repleto de ódio, e eu não a reconhecia, não daquele jeito.
-Vi...--Falo entre o choro e levanto para abraça-la. Ela se esquiva, me assustando pela rejeição.
-Você não presta. --Ela fala acidamente, e eu sinto meu coração se partir em mil pedaços. --Você não foi capaz, mais uma vez, e agora sim eu entendo a sua mãe e o porque dela nunca acreditar. Agora sou eu, eu não acredito em você. --Suas palavras, assim como as de mamãe, cortam minha carne, a vejo se afastando e me encarando com desprezo, com raiva, sem nenhum vestígio da minha Vitória em seu ser. Eu não parava de chorar, mais uma vez sozinha, e dessa vez sem nem meu pedacinho junto a mim. Talvez eu não merecesse mesmo ser amada.
Deito na grama e fecho os olhos, querendo então desaparecer de vez e só assim, não magoar mais ninguém.
Abro os olhos rapidamente, minha respiração estava ofegante e meu rosto molhado, uma mistura de suor e lágrimas. Olho automaticamente para minha barriga, não a vendo grande como antes. Começo a me desesperar, talvez tudo não tivesse sido um pesadelo. Os bips da máquina ao meu lado aumentam de ritmo. Mas a porta ser aberta, revelando uma Vitória de aparência cansada, com olheiras fundas abaixo de seus olhos. Seu cabelo antes solto agora estava preso no topo da cabeça e ela vestia as mesmas roupas do dia anterior.
-Oi, Ninha. --Sua voz rouca dessa vez estava desgastada, ela se aproxima da cama, forçando um sorriso de lado. Sinto um alivio de imediato pelas galáxias de seu olhar não estarem repletas de ódio e decepção em minha direção. A puxo para um abraço apertado, mesmo sentindo um pouco de dor pelo movimento brusco, sou envolvida pelo calor do seus braços casa, sentindo os olhos marejarem pelo momento, tudo não passou de um sonho. Quer dizer... tudo?
-Vi, cadê a minha bebê? Ela não tá mais aqui comigo. Cadê ela? --Minha voz embargava e ela parecia notar, pois mesmo se desvencilhando do abraço, segue segurando minha mão. Vitória tinha um olhar sério, de sua boca não saia sequer uma palavra e aquele silêncio todo só aumentava mais minha tensão. Eu não podia ter perdido minha pequenininha. Não podia. Aquela criança era a melhor parte de mim, minha salvação, o que me fazia acordar todos os dias, o que me encorajava a viver. Eu não conseguiria viver sem ela, não conseguiria. Até que Vitória abre um sorriso grande, repleto de luz, me fazendo a encarar cheia de esperança, até minhas lágrimas cessam por tal momento.
-Ela é linda, meu amor, e bem pequenininha --
VOCÊ ESTÁ LENDO
Segundo sol
RomanceAna Clara estava no meio do caos, literalmente. Sofrendo às consequências de um suposto erro, sua vida muda de cabeça para baixo, sendo obrigada a sair de sua pequena Araguaína para encarar a grande selva de pedra, São Paulo. Quem dera ela esse foss...