4 - Caleb

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A angústia da vida no porão

Era difícil viver ali naquele porão. Já há quase quatro meses sem ver a luz do sol. Sem comer direito. Se não fosse por aquela menina misteriosa que aparecera, todos estariam com fome.

Desde que fugiram da Polônia, no final de 1942, Caleb e sua família procuraram desenfreados por refúgio. Mesmo que estivessem em Stuttgart, um lugar nada seguro, encontrar um porão abandonado que tinha alguns móveis e um bom espaço interno já era lucro. Viver assim não estava nos planos de ninguém.

Lá na Polônia, seu pai era advogado de uma grande empresa, fora despejado logo que o dono descobriu que se tratava de um judeu. A mãe, uma professora incrível que não pode mais dar aulas por ser judia. Ele e o irmão, proibidos de estudar por serem judeus.

Aprendera vários idiomas com auxílio da mãe e dos vários livros, já que amava ler e escrever. Dentre as línguas que Caleb falava estavam o alemão, o inglês e o francês. Fora o polonês, sua língua de origem, o hebraico a língua de sua religião e o iídiche, um idioma adotado por judeus na Europa Central e na Europa Oriental.

A vida no porão passou a ser comandada pelo medo de serem descobertos e pela insegurança de não saber se teriam comida no dia seguinte. Dos quase quatro meses que estavam lá, nunca haviam saído do esconderijo e nem pretendiam. Era doloroso. Caleb já ouvira o pai falar que não queria esse futuro para os filhos.

Quando questionava dos avós era um choque. O pai e a mãe se recolhiam num canto do porão e às vezes choravam. Caleb podia imaginar: provavelmente seus quatro avós foram presos pelos nazistas.

A vida era dura demais, mas Caleb era forte, ele sabia lutar diante dos sofrimentos e sabia encarar a situação com tamanha maturidade que percebia o quanto o pai, principalmente, ficava impressionado e orgulhoso.

As incertezas de passar cada segundo em um lugar desconhecido fizeram de Caleb um rapaz mais cauteloso e esperto, porém sem deixar de lado seu grande carisma. Ele amava sua família, se estivesse ao lado dela, pouco importava o resto.

Passou muitas noites angustiado, sem dormir, com medo. Vigiava pelas frestas da entrada do porão se não vinha ninguém. Quase não comia. Preferia deixar o pouco de alimento para o irmãozinho Joseph. Com isso, foi emagrecendo rapidamente.

As poucas roupas e lençóis que conseguiram trazer serviam de colchão. A água estava se esgotando. A necessidade de voltar a ter uma vida normal e digna de qualquer ser humano vinha à mente a cada segundo.

"Isso tudo vai acabar e eu vou estar aqui para ver. Somos gente como qualquer outro deste mundo. Nada fica impune nesta vida. Deus sempre prevalecerá." Pensava Caleb quase todas as noites.

As frestas da entrada do porão ajudavam na circulação de ar e na entrada de pequenos feixes de luz. Quando chegou, Caleb foi o primeiro a vistoriar tudo para assegurar a sua família que o local seria seguro para se esconder. A entrada estava destrancada. Havia dois degraus para se chegar ao cômodo que era quadrado como um quarto. Espalhados nesse cômodo estavam mesas velhas, caixas, cadeiras, papéis velhos e alguns quadros que retratavam paisagens bonitas, as quais Caleb queria fechar os olhos e quando abrir estivesse em alguma delas, longe de toda essa discriminação. Muita poeira, o que era de se esperar. Mas não podiam escolher ou acabariam sendo capturados. Capturados pelo simples fato de serem judeus.

Era aquele local. Não percebeu que se tratava do porão de uma casa e nem muito menos que havia outra entrada. Tudo bem que notou a escada de madeira velha no fundo do cômodo, mas não se deu conta de que havia como alguém passar por ali. Pensou que ela estava recostada na parede, pois alguém em algum momento a colocou daquela forma.

Tudo mudou com um susto. De repente, parecia ser de tarde, uma iluminação anormal surge no porão. Barulho. Alguém desceu a escada de madeira velha. Alguém estava caminhando dentro do esconderijo. Alguém mexeu nas meias dele e de Joseph. Joseph espirrou. Alguém o viu.

Era uma pessoa baixa, usava vestido, uma menina! Cabelos longos lisos e castanhos. Menina... bonita...simpática... um doce... uma princesa!

Levou comida. Não era do mal. Apesar de mencionar sobre o emprego do pai, não parecia mau.

Ah que menina! Se existia alguma pessoa linda na face da Terra era a tal de Lisie Schmidt. Linda por fora e por dentro.

Que garota sensacional! Que simpatia!

Caleb não teve medo de se comunicar com a menina. De longe era nítida sua pureza. As pessoas más já chegam com armas e munições, ela não, ela chegou vendo meias.

Pareceu gostar deles de verdade. Prometeu ajudar. Será que cumpriria a promessa? Caleb acreditava que sim.

O medo, a dor, o sofrimento, a angústia, o anseio por dias melhores, tudo aquilo se transformou numa esperança ao encontrar Lisie Schmidt. Os olhos verdes da menina indicavam sinal de ajuda. Com ela, pôde notar, não havia lugar para o preconceito e a humilhação.

Depois que Lisie saiu do porão

– Eu acho que essa menina vai nos entregar para o pai dela. – disse o pai logo após comer mais uma colherada da sopa de ervilhas.

– Eu não acho. – Caleb mantinha sua aposta de que Lisie era uma pessoa gentil e confiável enquanto comia uma maçã.

– Você se expôs demais à menina filho, sem ao menos saber sobre ela. – interveio Sarah que observava Joseph se lambuzar com a sopa.

– Ela não é da laia dessa gente mãe, eu sei, acredite em mim.

– Eu confio em você meu filho, não confio é na menina.

– Fiquem tranquilos. – Caleb tentava acalmar seus familiares.

Já haviam passado dias difíceis. Não era nada fácil se esconder. Lógico que era muito arriscado se expor ao um desconhecido, ainda mais quando o desconhecido não era um judeu. Mas no fundo de seu coração sofrido, Caleb tinha certeza que Lisie era uma pessoa de bem e levaria consigo essa convicção a diante, talvez muito além do que seus limites de pensamento pudessem alcançar.

A esperança renasceu ao descobrir a existência de uma pessoa tão meiga e simpática como a jovem alemã Lisie Schmidt.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora