29 - Wichard

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O incômodo do tenente Klotz


O comandante Schmidt estava sempre muito atarefado. Eram meados de dezembro, um dia frio, nevava. Ele estava ao lado do médico Jorg Werneck que "analisava" todos os prisioneiros que chegavam a Hoffnung e dizia se estavam ou não aptos ao trabalho escravo.

Um comboio de trem acabara de chegar. Os soldados abriam as portas dos vagões e retiravam todos os detidos, os obrigavam a ficar em fila e iam separando-os em duas fileiras. Ao passarem pela avaliação do médico, estes eram colocados novamente em fileiras, a da esquerda para o extermínio e a da direita para o trabalho forçado.

O sargento Heinrich Strauss auxiliava na organização dos prisioneiros ao chegarem ao campo e era responsável por conduzi-los às câmaras de gás. Ele estava lá conduzindo a fila da esquerda quando foi chamado por Wichard.

– Sargento, acione as câmaras daqui a trinta minutos para dar tempo de ir o maior número de impuros possível. Acione-a duas vezes. Se essas vezes não forem necessárias, me avise imediatamente que tomarei as providências. Se sobrar pouca gente pode fuzilar, chame o Schulz para lhe ajudar com isso. Espere um tempo entre um funcionamento e outro, fui claro?

– Sim Herr comandante! – Strauss prestou continência a Wichard e foi realizar seu trabalho.

Os "impuros" que eram salvos da morte agonizante eram submetidos a longas jornadas de trabalho, se alojavam nas cabanas precárias, eram consumidos por piolhos e demais parasitas, não possuíam higiene pessoal, eram alimentados com uma ração precária, sopa rala, apenas uma vez por dia.

Ao chegarem dentro do imenso campo, recebiam um uniforme listrado, bem sujo e fedorento. Os sapatos eram de madeira, geralmente menor que os pés dos prisioneiros, o que gerava muitos calos, bolhas e sangramentos e eles não podiam retirá-los de forma alguma, a não ser para dormir.

Wichard estava por ter um colapso devido ao frio. Tremia dos pés a cabeça.

– Deus tem de misericórdia! Vou congelar aqui. – ele disse.

– Vá para seus aposentos Herr comandante, tome um chá e vá se aquecer. – sugeriu o doutor Werneck.

– Está louco doutor? Não posso deixar de supervisionar isso aqui. Ninguém o fará por mim.

O doutor Werneck nada mais disse.

E assim, no frio congelante de dezembro, Wichard cumpria sua função com tamanha responsabilidade e honra. Lembrou-se de quando se tornou comandante de Hoffnung e de quando viera com Himmler visitar o campo em construção. Ele se sentia importante demais para a Alemanha. E de fato era, para o contexto nazista.

Queria tornar-se uma lenda na historiografia humana. Imaginava um título interessante para si mesmo: "o homem que ajudou Adolf Hitler a construir o Reich para os arianos" e também imaginava uma bela fotografia dele ao lado do grande Führer. Essas distrações o ajudavam a se esquivar de sentir frio.

Ele estava tão empolgado com seus devaneios e, também, com sua festa de aniversário que se esquecera, momentaneamente, do enigma de sua filha e um possível envolvimento com judeus. Mas, confiava em seus tenentes e seu soldado para tal investigação.

Quando enfim pôde descansar, deitou-se em sua cama que ficava em um quarto especial para o comandante, envolveu-se em três cobertores, pegou seu terço e sua bíblia. Fez uma oração em silêncio. Em suas preces pediu paz, proteção, prosperidade e bênçãos. Ele amava ser católico.

Em um dado momento, batidas fortes na porta de seu quarto, interromperam suas orações. Enfurecido, pensou: "quem é o infeliz que vem me perturbar nesse frio do caramba."

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora