19 - Caleb

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A melhor mãe do mundo

– Bom dia! – Caleb espreguiçava na ponta da escada de madeira velha enquanto cumprimentava seus familiares.

– Caleb, onde esteve meu filho? Como me preocupei com você! – Sarah abraçava o filho, beijava-o a testa e passava as mãos de mãe protetora em sua face magra.

Antes mesmo que Caleb pudesse abrir a boca para dizer algo que justificasse sua ausência na noite mais louca de sua vida, Benjamin interveio:

– Você não passou a noite com aquela menina, passou?

Caleb respirou fundo e respondeu com muito cuidado nas palavras:

– Não pai, eu estava no armário dela.

– Armário? Caleb você perdeu de vez o juízo! Nunca pensei ser traído pelo meu próprio filho. – o pai batia nas paredes do porão.

A mãe foi de encontro ao pai, abraçou-o e tentou tranquilizá-lo:

– Benjamin, não fale assim do nosso filho. Ele não está nos traindo e nunca fará isso. Tome muito cuidado com suas palavras. Aqui estamos todos juntos, unidos e você vem falar uma tremenda bobagem dessas. Tome muitíssimo cuidado.

– Sarah, você é cega Sarah! – ele se virou para a esposa. – Ele está se metendo com uma nazista. Você viu a roupa dela aqui uns dias para trás? Ela é mau Sarah e nosso filho está se envolvendo com esse tipo de gente. Se nós fomos levados à culpa será dele. – Benjamin apontava para Caleb.

Os olhos dos três se encontravam em meio ao porão pouco iluminado. O pequeno Joseph brincava com sua bola num esforço de fazer silêncio e nem ligava para o problema que os pais e o irmão estavam discutindo.

– Você julga demais pai. A Lisie não é assim, eu a conheço, eu sei disso.

– Eu julgo? E esse bando de alemães fanáticos que nos julgam também? Eles merecem provar do veneno deles. – o pai estava irritado demais.

Era aceitável que um patriarca judaico entrasse em desespero no meio do Holocausto e que exaltações como aquela viessem a ocorrer. O emocional dos seres humanos é muito frágil e se rompe facilmente quando um coração é enfraquecido sem sua merecida chance de defesa.

– Eles não estão aqui diante de nós para você descontar sua raiva meu bem. – Sarah alisava os cabelos do marido que já estavam grandes. Ela deu um beijo suave em sua testa e o abraçou. Olhando para Caleb, ela levou o dedo indicador à boca, pedindo silêncio ao filho e depois sorriu.

Era muito bom ver os pais juntos. Em momentos de dificuldade que se percebe quem está ao seu lado. Caleb via a união de sua família em um dos períodos mais conturbados da história mundial, principalmente para judeus, e era sem dúvida a união que garantia a sobrevivência dos quatro até agora.

Algumas horas depois, Caleb estava escrevendo em seu caderno marrom, usava a lamparina como um suporte de luz. A vida dele era a escrita. Ele acreditava que as palavras tinham um poder extremamente forte na vida das pessoas. Desde criança, lá na Polônia, ele lia, escrevia, contava e imaginava. Um orgulho para a família, os professores e amigos. A sua facilidade em aprender novos idiomas e sua intelectualidade maravilhosa compunham as habilidades de um escritor fantástico. Mas o Führer, ele atrapalhava tudo. Foi até intervir no seu país para quebrar seus sonhos. E agora ele estava lá, na "casa" de Adolf Hitler, escondido num porão e escrevendo seus textos, mesmo que a maldita legislação não permitisse.

A mãe se aproximou devagar do filho. O pai dormia e Joseph sempre com sua bola.

– Você me enche de orgulho meu rapaz. – deu-lhe um beijo na testa.

– Obrigado mãe. Eu a amo. – deitou-se no ombro de sua mãe. O ombro mais seguro e aconchegante do universo.

– O que está escrevendo?

– Contos.

– Está continuando os contos da Polônia?

– Não. Esses aqui são novos, tem um foco diferente.

– Lisie? – a mãe sorria ao lado do filho.

– Sim, Lisie!

– Você gosta dela não é Caleb?

Falar de Lisie deixava Caleb muito satisfeito. Ela era uma luz em sua vida.

– Muito, mãe. Demais.

– Eu não acredito que ela seja essa pessoa terrível como seu pai acha, mas meu amor, vocês não podem ficar juntos e você sabe disso. Você presenciou nossa luta desde que essa confusão começou e eu acredito em sua maturidade.

Caleb sabia o que Sarah queira lhe dizer e ela tinha razão.

Só que a razão e a emoção não se encaixam e por mais que fosse um absurdo um judeu namorar uma alemã, o coração de Caleb não aceitava as palavras de sua mãe. Ele logo então começou um assunto muito delicado:

– Mãe, eu beijei a Lisie ontem. Nós nos beijamos duas vezes. Eu não consigo ficar longe dela.

Percebeu o olhar de espanto de Sarah. Ela levou a mão a boca e depois a testa, cobrindo um olho. Virou-se para o filho:

– Você não devia ter feito isso. Você sabe que não Caleb.

– É mais forte que eu. Eu sei que estamos sob ameaça, que corre o risco de sermos pegos, mas é inevitável. Ela é tão doce, meiga, tem um sorriso encantador, ela mexe comigo.

– Caleb não confunda as coisas meu filho. Ela nos ajuda, nos alimenta, isso não é amor. Você não pode amá-la.

Mesmo sendo difícil encarar tudo aquilo, Caleb decidiu contar tudo:

– E tem mais...

– O que? – a mãe espantou-se ainda mais.

– Eu vi o pai dela ontem. – ao relembrar a cena, o medo voltou-lhe a atormentar.

– Como assim? Ele viu você filho? Ele fez alguma coisa? – a mãe entrou em desespero.

– Acho que ele não me viu. Ele estava com aquele uniforme negro aterrorizante e era tão carinhoso com a Lisie que nem parecia um comandante. Eu o vi lá no quarto da fresta da porta do armário, que era onde eu estava escondido. Depois eu acho que desmaiei ou adormeci e só acordei com a Lisie dizendo que ele já tinha ido embora. Ela me trocou de porta e eu dormi dentro do armário.

– Se esse homem viu você Caleb, nós estamos perdidos.

– Ele não me viu mãe. E isso prova o quanto a Lisie é confiável, porque ela não me entregou. Eu estava lá há poucos metros e ela não falou nada. Eu podia estar preso agora.

– Nem fale uma coisa dessas.

– Eu ainda fiquei desacordado e ela não falou nada.

– Você não sabe.

– Se ela falasse, eu não estaria aqui. E olha que nós tínhamos brigado.

– Brigado?

– Ela me xingou, mas eu desconsiderei.

– Por quê? O que aconteceu? Olha no que você se meteu Caleb.

– Ela falou de Jesus. Que nós o crucificamos e que isso era errado. Viu, todos os motivos do mundo para me entregar.

Sarah ficou calada, abraçou o filho e disse quase chorando:

– Espero que saiba o que está fazendo.

– Confie em mim mãe.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora