A descoberta
Agora trancafiados mais uma vez. Claro que a casa em Regensburg era bem melhor do que um gueto, um porão ou um campo de concentração, mas a liberdade era algo que Caleb não provava por completo há cinco anos. Além disso, estava trancado com um sargento nazista que volta e meia vestia seu uniforme horripilante da SS para conseguir buscar comida para todos. "É mais seguro sair assim", ele dizia. Às vezes, por estar trajando esse terrível uniforme, ele conseguia pão e legumes de graça, o que fazia com que o dinheiro que Lisie deixara rendesse mais ainda.
O sargento Strauss demonstrava ser uma pessoa boa. Por várias noites ele e Caleb batiam papo sobre diversos assuntos. O sargento contou de sua família e de como detestava seu emprego. Caleb contou de suas experiências, mas nada que surpreendesse o sargento.
– Eu estive no gueto de Cracóvia a mando do Schmidt. – contou-lhe certa noite.
Strauss agora que traíra a Alemanha, conspirando para salvar prisioneiros, também era procurado pelas autoridades nazistas.
– Estou na mesma situação que vocês, mas acredite eu prefiro estar assim. – ele comentou.
Sair era um risco, mas de todos ali, ele era o mais esperto (por ser um sargento nazista) e que de certa forma não iria levantar nenhum tipo de suspeita. O seu uniforme de fato ajudava a mantê-los ali, e ajudou todo o tempo que permaneceram em Regensburg.
Cada vez que Caleb via o sargento uniformizado, ele tinha mais certeza que era Strauss que estava lá quando sua mãe e seu irmão desapareceram. Em uma de suas conversas noturnas, ele decidiu perguntar:
– O que você fazia lá no campo? Qual sua função?
Strauss hesitou. E disse:
– Eu conduzia os prisioneiros para as câmaras de gás.
Era isso. Sua mãe e seu irmão estavam mortos. Nunca mais os veria. Nunca mais sentiria o perfume doce de Sarah e ouviria suas palavras de consolo e ela nunca mais lhe daria carinho. Ele não iria mais proteger seu irmãozinho, não iria ensiná-lo mais nada e nem brincaria com ele. Por mais que dentre a multidão que foi resgatada no campo ele procurasse pelos dois e quando estava lá dentro também tentasse encontrá-los, ele tinha a esperança de poder rever sua mãe e seu irmãozinho. Isso nunca mais aconteceria.
Caleb ficou uma semana sem dirigir a palavra a Strauss e tentava ao máximo ignorar sua presença ali. Ele continuava alimentando todos e parecia indiferente.
Benjamin ficou tão triste quanto Caleb. Uma noite fria de meados de outubro os dois se abraçaram e choraram, choraram e choraram...
A sensação de perder um ente querido é devastadora. Nunca estamos prontos para isso e na grande maioria dos casos, não conseguimos nos despedir das pessoas de um jeito "correto" ou o qual gostaríamos que fosse. Em nossas mentes fica um vazio e sempre aquele sentimento de que "eu deveria ter dito isso" ou "deveria ter feito isso". A questão é: a morte é algo comum e corriqueiro, mas é encarada pelos seres humanos de forma terrível e nunca estamos preparados para seu momento. A morte é sombria.
Por mais que tivessem uma casa inteira a sua disposição, Caleb, Benjamin, Samuel e Strauss permaneciam no porão da casa. Era mais seguro. Se alguém vesse um movimento estranho iria logo chamar a atenção e poderia dar sérios problemas. A noite nenhuma luz da casa era acesa. Eles saíam do porão com muita cautela (chegavam a ser arrastar no chão) para irem ao banheiro, e as conversas noturnas entre Caleb e Strauss ocorriam na cozinha, que ficava acima do porão. No escuro. Essa tática funcionou muito bem.
Por estarem no porão, a chance de sobreviverem a bombardeios era maior, por isso, de imediato todos acataram essa ideia. Mesmo que o inverno estivesse se aproximando, eles trouxeram cobertores dos quartos e puderam se aquecer. Lá também, podiam usar a luz de uma lamparina sem serem notados. Strauss sempre saia no fim da tarde, quase escurecendo para não ser notado e sempre dava voltas e voltas antes de retornar a casa. Por sorte, ninguém nunca os descobriu.
Lisie escrevia cartas a Caleb o contando sobre a gravidez e tudo o que fazia. Uma vez por mês, o padre Heiner ia até Regensburg e levava comida e as cartas de Lisie a Caleb. Caleb deixava com o padre as cartas para Lisie. Desse jeito não precisavam usar o correio.
Caleb sabia que esse padre era tio do tal noivo de Lisie, mas ele tinha uma personalidade totalmente diferente da de seu sobrinho. Ele sempre chegava e ia embora à noite para garantir a segurança.
Uma noite bem fria de dezembro de 1944, o padre contou como a barriga de Lisie estava imensa e que sabia que o filho era de Caleb. Ele disse que até aceitaria realizar o casamento entre os dois, que seria a maior felicidade para a "pequena Lisie".
Há dois meses, Caleb não tinha tido uma notícia muito boa: Lisie havia sofrido uma queda e quase perdeu o bebê. Por isso, pelo resto da gravidez, ela teria que ficar no hospital até o fim da gestação, em janeiro de 1945. Caleb se assustou muito. Não queria perder mais ninguém. Porém, o gentil padre lhe garantiu que estava tudo bem com Lisie e com o bebê.
Caleb soube de mais uma coisa que o incomodou demais e, no seu interior, ele não compreendia o motivo daquilo. Lisie havia dito para toda sua família que esperava um bebê de Derek, aquele carrasco que quase lhe matou em Hoffnung. Apesar de Lisie afirmar em suas cartas e o padre afirmar em suas palavras que era para a segurança dela e do bebê e, também, para o comandante não ter que cometer uma barbaridade contra qualquer um, especialmente ele. Isso o entristeceu muito. Mas, o sonho de se casar com Lisie, se tornar um pai presente e ter mais filhos com ela ainda era fortemente alimentado em seu coração.
Ele sonhava com Lisie e seu bebê todas as noites. Os pesadelos que tinha com Hoffnung logo foram substituídos pelo doce sonho de embalar uma criança em seus braços e viver com o amor de sua vida.
Claro, Caleb pensava muito em Hanna. Onde será que ela estaria? Será que estava bem? Será que tinha morrido? Ele tentou descrevê-la para Strauss quando voltou a conversar com ele, mas Strauss respondeu que tantas pessoas haviam morrido ali que era quase impossível se lembrar do rosto de alguém. Será que um dia ele veria Hanna de novo?
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Amor na Guerra
Historical FictionROMANCE/FICÇÃO HISTÓRICA 4 de maio de 1943 Já faz 3 anos e 9 meses que a Segunda Guerra Mundial começou. E pouco mais de um ano que a "Solução Final para a questão judaica" foi posta em prática. Lisie Schmidt tem 17 anos . É uma alemã filha de um d...