30 - Lisie

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O Natal de 1943

O Natal é uma data muito importante para os cristãos. É nela que se comemora o nascimento do grande messias, Jesus Cristo. O dia 25 de dezembro não é preciso quanto ao nascimento real de Cristo e nem é confirmado pela Bíblia Sagrada, mas é uma tradição.

Todos os anos os Schmidt passam o Natal na casa de Wichard. A família toda se reúne em volta de uma enorme mesa e de um banquete farto. O padre Heiner e Derek sempre eram convidados para as festividades do Natal.

No Natal de 1943, o pai não pôde comparecer à ceia e nem Derek. Estavam atarefados demais. Lisie sabia muito bem com o quê.

Devido à ausência de Wichard, os tios Werner e Wilmer não foram para a mansão de Stuttgart, então a comemoração natalina daquele ano seria entre os avós, a mãe e o padre.

Lisie sabia que judeus não comemoravam Natal e nem criam em Jesus como um messias, mas ela estava doida para dividir a ceia com Caleb e sua família, além de contar-lhe sobre a noite mais importante do ano para um cristão.

– Feliz Natal pequena Lisie! – era o padre Heiner que chegara a mansão.

– Feliz Natal Herr padre! Estou muito feliz em recebê-lo aqui.

– Eu que estou feliz em passar mais um Natal ao lado de você e sua família. – ele deu um abraço carinhoso em Lisie e a beijou na testa.

Lisie adorava o padre Heiner. Ele sempre foi carinhoso, amável e engraçado. Ele era um bom homem e ao contrário do que muitos pensavam, ele não era adepto de Hitler, embora fosse muito próximo do nazismo.

– Olá padre Heiner. Já vamos servir a ceia – era Edith que veio à sala rapidamente para cumprimentar o padre.

– Não se preocupe Frau Schmidt.

Enquanto Edith e Matilde organizavam a ceia de Natal e Fernando dormia, pois não queria comemorar o Natal longe de todos seus filhos, o padre chamou Lisie para a sala menor ao lado, onde os adolescentes estavam no aniversário de Wichard.

– Pequena Lisie venha até aqui. Tenho uma lembrança para você.

Lisie foi à sala. O padre estava de frente para uma imensa janela e ela ficou ao lado dele. Caia neve e eles ficaram apenas a observando por alguns minutos. O padre quebrou o silêncio pacífico do ambiente.

– Sabe pequena Lisie, você foi uma benção para todos nós. Você é uma menina adorável. Qualquer um se sente bem em sua companhia. Deus a enviou para nós como forma de alegria. Você é muito especial.

Lisie se emocionou com as palavras do padre, ele prosseguiu:

– O seu pai antes de você nascer tinha uma personalidade que hoje ele não tem mais. Graças ao seu nascimento ele aprendeu a demonstrar o amor que ficava guardado no coração dele, você fez companhia ao Derek num momento muito difícil da vida dele, alegrou sua mãe que vivia angustiada por não ter um filho, alegrou-me com seu jeito doce e puro. Você é ariana apenas fisicamente e não no coração.

Lágrimas caíram pelo rosto de Lisie que estava muito emocionada. Com aqueles dizeres, o padre parecia saber da existência dos judeus no porão, mas ele não sabia de nada. Lisie abraçou o padre com ternura.

– Obrigada por tudo Herr padre.

– Não precisa agradecer minha pequena. Bom, eu tenho um presente singelo para você e espero que goste. Eu pensei em lhe comprar uma nova bíblia porque acho que você perdeu a sua, hein? Não está lendo muito bem. – ele fez cócegas na menina que riu.

– Eu não a perdi ela está no meu quarto. – ela disse em meio a pequenas gargalhadas.

– Então a leia todo dia mocinha.

– Pode deixar!

O padre tinha nas mãos um embrulho bem delicado e não muito grande.

– Eu mesmo irei abrir e colocar em você pode ser?

– Pode sim.

De dentro do embrulho saiu um lindo crucifixo dourado. O padre o pôs no pescoço de Lisie. Ela ficou encantada com o presente.

Herr padre eu nem sei o que dizer, eu... eu... ah muito obrigada!

Ela continuo emocionada. Schuzy miava baixinho perto dela.

A ceia correu bem. Muitas conversas, risos, brincadeiras. Estavam acostumados com a casa cheia, mas aquele Natal foi muito divertido.

Bem no meio da madrugada do Natal, quando todos da casa já dormiam menos Lisie e Schuzy, Lisie desceu até o porão. As duas batidas clássicas na tampa indicavam a presença da menina no local.

– Boa noite. – ela sussurrou.

Apenas Caleb estava acordado e o porão estava muito escuro.

– Princesa que bom ouvir sua voz. – Caleb disse na escuridão.

Lisie deixou a comida bem tampada para eles num canto e chamou:

– Vamos para o meu quarto.

Os dois e Schuzy subiram a escada de madeira velha.

– Quando venho para cá tenho uma sensação de liberdade.  – Caleb disse esticando os braços.

  – Quando você vem para cá eu não me sinto sozinha. – ela sorriu daquele jeito especial.

Os dois se beijaram. Schuzy assistia a cena e também se lambia todo.

– Hoje é a noite de Natal.

– Eu entendo um pouco do que venha a ser o Natal.

– Comemoramos o nascimento de Jesus todo dia 25 de dezembro é a noite mais importante para o cristianismo.

– Jesus, o maior judeu da história.

– O que ele é para vocês?

– Um judeu, um ser humano.

– Estranho.

– Também acho estranho você crer nele como um... um...

– Filho de Deus.

– Isso aí! Eu acho estranho ele ser o filho de Deus.

Discutir religião não ia levar a nenhum lugar. Era melhor que eles aproveitassem o pequeno tempo juntos ao invés de falar sobre suas crenças. A ideia de Lisie sobre explicar o Natal para Caleb falhou.

Lisie acariciava Schuzy em sua cama e percebeu que Caleb olhava fixamente para ela.

– O que foi? – ela perguntou sorrindo.

– Você não tinha isso no pescoço, tinha?

– Não. Ganhei hoje do padre.

Caleb se aproximou de Lisie, ajoelhou-se perto dela que estava sentada na cama, e tocou o crucifixo. Seus olhos se encheram de lágrima.

– Está tudo bem? – Lisie tocou o rosto do rapaz. Ficou preocupada com o comportamento repentino dele.

A mão grande e ossuda continuava a tocar o crucifixo. Ele estava imóvel e apenas chorava discretamente.

– Fala comigo, pelo amor de Deus!

– Eu... eu... eu...

– Confie em mim...

– Eu tinha uma gargantilha com a estrela-de-davi...

– O símbolo da sua religião?

– É... – ele continuava a chorar.

Caleb nunca tinha chorado na frente de Lisie e muito menos falado de coisas de seu passado com detalhes.

– Você quer me contar o que está acontecendo?

– Foi lá na Polônia em 1939...

A noite ia ser longa.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora