12 - Lisie

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Luz para Caleb

1- Estamos vivendo uma guerra desde 1939. Os que lutam ao nosso lado são: Itália e Japão formando o denominado "eixo".

2- Acho a guerra desnecessária.

3- Desde a chegada de Hitler ao poder, as ideias de um Reich alemão são colocadas em prática.

Anotações de Lisie em relação aos judeus:

1- São gente, como eu e todos.

2- Merecem atenção.

3- Sofrem perseguição sistemática desde 1935.

4- Há boatos que se você entrar em contato constante com judeus, eles vão nos contaminar com seu sangue impuro.

5- São inimigos, responsáveis pelo fracasso econômico e por fazer centenas de alemães pobres.

6- São traidores, ratos.

7- Um fato: eu não acredito nessas bobagens que eles dizem.

É nítido que Lisie tem um coração puro.

Já era noite. Seu pai saiu em direção ao emprego, o qual Lisie podia afirmar agora que detestava, embora a verdadeira imagem do campo de concentração e extermínio não estivesse totalmente clara em sua mente.

Derek a atormentou pela tarde inteira falando de coisas sobre o seu pai e incentivando-a a ler Mein Kampf. Ela não faria isso.

– Seu pai é uma pessoa brilhante Lili, de muito respeito. – ele dizia quase de meio em meio minuto.

– Não sei se prender pessoas é algo brilhante. – ela sempre dava a mesma resposta.

Mas aquela noite foi talvez a melhor de sua adolescência.

Após verificar se todos na casa haviam dormido, e por sorte o maluco do Derek não tinha inventado ainda de querer dormir lá, ela mais que depressa desenrolou o tapete, deu duas batidas na tampa, abriu-a, desceu a escada de madeira velha e chegou ao local onde se sentia muito bem: o porão.

Lá estavam as quatro pessoas deitadas num emaranhado de cobertas e roupas e um cheiro terrível tomou conta das vias aéreas de Lisie.

– Boa noite. – Lisie falou tão baixo que era quase inaudível.

Alguém mexeu no emaranhado de panos. Levantou a cabeça. Era Caleb.

– Oi, Lisie?

– Sou eu Caleb. – ela reconheceu a voz.

Não viam nada. A escuridão era total. Caleb se levantou e foi andando meio atrapalhado, chegou a tropeçar três vezes. Mas enfim, chegou à ponta da escada de madeira velha e Lisie pôde sentir sua mão grande e ossuda em seu braço.

– Tudo bem? – ela perguntou sorrindo.

– Agora sim. Pensei que você tivesse nos deixado.

– Mil desculpas, Caleb, meu pai estava aqui o dia todo e eu não podia deixar de ir vê-lo. Ele ficou um mês fora de casa.

Um silêncio na escuridão. Lisie podia sentir a respiração de Caleb bem perto da sua. Ela quebrou o silêncio:

– Deixei vocês com fome. Vou subir e pegar a janta.

Lisie não pode deixar de perceber o cheiro horrível que acomodou o porão.

– Que cheiro é esse?

– O Joseph fez xixi fora do pinico hoje.

– Vocês tem um pinico? – Lisie pareceu surpresa.

– Na verdade é uma caixa onde a gente...

– E para onde isso vai? – Mais surpresa.

– Para a outra entrada do porão.

Lisie nunca havia pensado em satisfazer seus amigos dessa forma. Por isso ela resolveu dar uma limpeza no porão naquela noite quente.

– Vou dar um jeito nisso! Mas preciso de você. – dessa vez ela encostou-se ao braço fino e longo de Caleb.

– Só dizer o que tenho que fazer.

– Vamos até lá comigo. – ela apontava em direção à escada de madeira velha.

– Não posso ir até lá Lisie. – ele parecia tremer na escuridão.

– Vamos, todos já estão dormindo.

– Não...

– Não tenha medo confie em mim. – ela abraçou o rapaz.

Ele respirava tão densamente. Parecia ter muito medo.

– Vem comigo, Caleb. – a menina sorria no escuro.

Segurou a mão do jovem judeu e foi conduzindo-o para cima. Para sua casa.

– Não vá Caleb! – uma voz. A mãe de Caleb. – Fique aqui meu filho.

– Não se preocupe Sarah. Eu asseguro. Não tem problema nenhum.

– Não sou doida de deixar meu filho se expor dessa forma. – ela ia se levantar, mas foi presa pelos braços do pequeno Joseph que dormia.

– Eu quero ajudar. Tenho muita coisa para trazer lá de casa para cá.

– Não vá filho. – Sarah parecia ignorar o pedido de Lisie.

As mãos dos jovens estavam entrelaçadas. Na escuridão eles se olhavam, mas nenhum percebia isso.

– Não vai demorar mãe. – Caleb pode pronunciar essas palavras, mas Lisie percebia que ele tremia.

Assim os adolescentes subiram a escada de madeira velha. Num minuto estavam no quarto de Lisie. A garota saiu primeiro, ajudando o rapaz que a seguia.

– Cuidado para não bater sua cabeça Caleb. É meio estreito aqui.

Arrastaram-se por debaixo da cama e Lisie foi acender a luz.

– Uau! – Caleb parecia maravilhado. – que quarto enorme! Nem o meu era tão grande assim.

– Você que não viu o do meus pais. – ela colocou uma mão em um ombro magrelo de Caleb.

Com presença total de luz, Lisie pôde reparar bem mais a fundo o rapaz. Ele era bem alto, muito magro, sua pele era um branco encardido, seus cabelos eram pretos com leves ondulações, seus olhos eram bem redondos e castanhos, em seu rosto leves penugens de uma barba apareciam, tinha os dentes alinhados e amarelados, seu nariz era fino e comprido e sua boca era grande. Coisas que ela não notou muito na penumbra do porão.

– Bem vindo Caleb. – ela sorriu.

Olhavam-se fixamente. A mão de Lisie no ombro, agora tocava uma das mãos do menino. Uma aproximação repentina e um abraço bem apertado.

– Quanto tempo que eu não via uma luz descente. – Caleb sussurrava.

– Se depender de mim, você verá sempre. - Lisie sorria em meio aquele abraço.

O rapaz foi até a imensa janela do quarto. Saudava a Stuttgart que não dormia.

– Obrigado Lisie. – ele disse olhando pela janela.

– Não precisa agradecer.

Dois minutos olhando pela janela.

– Vamos Caleb! Tenho muita coisa para levar para o porão.

– Para onde iremos?

– Você vai conhecer a minha casa. – Lisie sorria como nunca.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora