27 - Caleb

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Os pensamentos de um judeu em desespero

"Ó que tu bradaste a mim que me amava profundamente. Em teus piores pesadelos eu estava lá para acudir-lhe, como a água doce do Jordão que corre e apaga o fogo. Tu que eras meu porto seguro, meu alivio emocional, a fonte de minhas inspirações e o motivo dos meus sonhos, tu minha estrela que sabe brilhar para o mundo, me diz agora que tudo que vivemos foi em vão? Amo-te com fé, desejo-lhe como carne. Não me digas jamais que vás desaparecer dos meus pensamentos."

Caleb era realmente muito criativo.

Ele registrava essa passagem em seu caderno marrom. Estava sem sono. Foi duro demais ouvir aquelas palavras de Lisie "aquele maldito tenente o levou". Ele devia se conformar com a hipótese de ir para um campo de trabalho e nunca mais ver Lisie novamente. Mas ele não se conformava. Seu pranto interno era intenso. Não suportava a ideia de ficar longe de seu amor verdadeiro. Lisie era seu amor, fora ela que alegrara sua vida nos piores dias. Ela não era nenhum pouco nazista, anti-semita e muito menos preconceituosa. Ela era fantástica!

Ele orava em silêncio para seu Deus. Seu interior clamava por um alimento mais denso e sólido do que pão e água, clamava por uma oração. A sua fé era inabalável.

Em um tempo em que muitos questionavam a existência de um criador supremo, de um Deus, Caleb não iria se entregar ao ateísmo como muitos faziam. Ele tinha sua fé, sua crença e nunca abriria mão dela.

Era o jovem judeu mais forte que já se ouvira falar na época. Ele mantinha seu interior em equilíbrio e conseguia suportar a dor física que estava submetido. Ele era um verdadeiro batalhador.

Nessa noite as lembranças remotas de uma vida normal lhe vieram à cabeça com mais firmeza do que nunca. Lembrou-se dos avós, de sua casa e, em especial, de sua amiga Hanna. Onde ela estaria agora? Será que estava bem? Como seria se ela e Lisie se conhecessem? Ele logo imaginou que não dariam muito certo. Assim como ele ficou extremamente incomodado quando Lisie falou sobre um admirador e seu noivo, ela se incomodaria com a presença de uma garota judia que cresceu ao lado de Caleb e ainda que o beijou. Melhor não imaginar isso. Lembrou-se então de sua vida. Um súbito momento pairou em sua mente o qual ele não queria lembrar. A viagem obscura da fuga de sua família, a queima de seus manuscritos... começou a suar. Levantou-se. Havia uma jarra com água bem perto dele, foi até ela e bebeu dois goles. Limpou a boca com o antebraço. Estava frio. O frio semelhante ao de quando fez essa viagem... tocou o caderno marrom, "não vou lembrar disso" falou para si mesmo. Apesar do frio, ele suava. Passou a mão grande e ossuda em seus cabelos pretos. O desespero era idêntico ao de dez meses atrás. Ele tremia de novo, respirava ofegante, o suor pingava por seu rosto magro. Vários flashs de memória lhe perturbavam. Ele se apoiou na mesa velha em que estava seu caderno marrom e não controlou seu ritmo respiratório que estava muito acelerado.

– Meu filho, o que está havendo? – a mãe veio em sua direção, pôs as mãos em suas costas e depois em seus cabelos.

– Estou bem mãe. – ele respondeu ainda ofegante.

– Que hipocrisia Caleb! É claro que não está. Olha seu estado. Você está em desespero. Fale comigo, conte-me o que há com você, meu amor, quero ajudar-lhe. – agora a mãe tocava-lhe o rosto, assim como Lisie fizera.

Caleb nada disse a Sarah. Apenas envolveu seus braços em volta do corpo magro da mãe e a abraçou.

– Tem certeza que não precisa de ajuda meu filho? Não quero vê-lo assim. Sei que nós não estamos vivendo os melhores dias das nossas vidas, mas eu não suporto ver você desse jeito. Dói-me muito mais.

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