Capítulo 42 - Manuela

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     Depois de conversar com o diretor do hospital e explicar a situação de David, ele me deu alguns dias de licença e logo na manhã seguinte, peguei um voo direto para o Rio de Janeiro, deixando apenas uma mensagem para Amber e outra para Cindy, para explicar o que estava acontecendo.
     Me senti angustiada durante todo o voo e sempre que pensava em como coisas assim ainda podiam acontecer em pleno século XXI, apenas porque alguém escolhia amar outra pessoa do mesmo sexo, meus olhos se enchiam de lágrimas e eu chorava, sob os olhares curiosos das pessoas que estavam no voo, mas que não tinham coragem de se aproximar e de me perguntar o que estava acontecendo. Talvez tivessem medo de saber.
     O voo pareceu mais longo do que o normal e quando desembarquei no aeroporto, avistei a secretária de Lorenzo me esperando, como ele mesmo havia me avisado que seria, depois de nos cumprimentamos, ela me levou até o hospital em que David estava internado.
     Ao chegarmos, disse a ela que não precisava me acompanhar, e deduzindo pelos meus olhos inchados, provavelmente ela entendeu o quanto estar ali era difícil para mim e sem questionar, deu partida no carro e foi embora.
     Entrei no hospital e fui correndo até a recepção, onde a recepcionista teclava algo no computador:
     - Com licença moça, estou aqui para ver um paciente. -Disse rapidamente.
     - Sinto muito, ainda não é o horário de visitas. -Ela disse sem tirar os olhos da tela do computador.
     - Você não está entendendo, eu preciso ver meu amigo! Agora! -Alterei minha voz, atraindo a atenção de todos que estavam na recepção.
     - Manuela... -Ouvi uma voz atrás de mim e quando me virei, vi Lorenzo.
     Não o Lorenzo que havia conhecido e do qual me lembrava, mas um homem alto, magro, de cabelos compridos e barba por fazer, haviam hematomas por todo o seu rosto, mas ainda assim, era ele:
     - Lorenzo? O que aconteceu com você? -Disse com os olhos cheios de lágrimas, me aproximando dele.
     - Não se preocupe, eu estou bem, recebi alta ainda ontem, só não fui te buscar no aeroporto, porque não queria te assustar.
     Sem dizer nada, o envolvi em um abraço, o sentindo arfar um pouco quando toquei suas costelas, mesmo assim, ele retribuiu meu abraço, aconchegando minha cabeça em seu peito, permitindo que eu chorasse um pouco:
     - Você podia ter morrido. -Disse em meio a soluços, levantando meu olhar para ele.
     - Mas não morri. -Ele me deu um sorriso de lado, levantando sua mão e secando com o polegar uma lágrima que rolava por meu rosto.
     - Eu quero ver o David. -Pedi.
     - Você vai vê-lo, só tenha um pouco de paciência, o horário de visitas começa em alguns minutos.
     - Como isso foi acontecer? -Quis saber.
     - Vem, eu vou te contar tudo.
     Enquanto caminhávamos até o refeitório, não pude deixar de notar que Lorenzo mancava um pouco e que apoiava a região do abdômen com a mão, o que indicava que ele sentia dor ali ao caminhar.
     Ele se sentou com dificuldade na cadeira, fazendo uma careta de dor ao se recostar:
     - Você está bem? -Perguntei preocupada, me sentando diante dele.
     - Estou.
     - O que aconteceu, Lorenzo?
     Ele ficou calado por alguns instantes:
     - Ontem, eu não estava me sentindo muito bem e David, como o bom amigo que é, sugeriu que fossemos a alguma boate, beber um pouco, se distrair, eu não estava muito afim, mas acabei aceitando. Nós conversamos e em uma dessas conversas, acabamos discutindo, para variar. -Lorenzo deu de ombros.
     - Por que vocês discutiram? -Questionei.
     Lorenzo ponderou por alguns instantes, antes de responder:
     - Falávamos sobre você. -Ele disse, seus olhos cor de mel me encarando profundamente.
     - O que aconteceu depois? -Tentei mudar de assunto, percebendo o quanto aquela revelação havia me deixado desconfortável.
    - Eu fui grosso com ele, depois disso, ele se levantou e foi embora. Eu fiquei mais uns cinco minutos na boate, esperando a conta chegar e quando saí, eu... -Lorenzo se calou, baixando seu olhar- vi os dois homens o espancando, eu tentei ajuda-lo, mas já era tarde, ele não reagia mais.
     Consegui ver toda a cena nitidamente na minha cabeça, e senti meu estômago embrulhar:
     - A culpa foi toda minha, se eu não tivesse sido tão idiota, ele não teria ido embora sozinho e nada disso teria acontecido. -Lorenzo lamentou.
     - Não foi culpa sua. -Segurando sua mão sobre a mesa.
     Lorenzo observou minha mão tocar a sua e depois a afastou, se levantando abruptamente do seu lugar:
     - Preciso tomar um ar. -Ele disse, saindo do refeitório e me deixando ali sozinha.
     Retornei a recepção, mas não o vi ali, Lorenzo não lidava bem com suas emoções e sabia que ele precisaria de um tempo sozinho.
     Quando chegou o horário de visitas, uma enfermeira me conduziu até o quarto em que David estava e eu fiquei despedaçada ao ver meu amigo, que era tão alegre e colorido, em um quarto tão sem vida, cheio de hematomas e respirando com a ajuda de aparelhos, naquele momento, não sei como não perdi a fé na humanidade.
     Sentei ao seu lado, onde segurei sua mão e chorei bastante, rezando para que ele ficasse bem e acordasse logo.
     Seus pais e sua irmã chegaram cerca de meia hora depois, me apresentei a eles, que me agradeceram por ter vindo e depois os deixei sozinhos com David.
    Quando saí, secando minhas lágrimas, avistei Lorenzo sentando no sofá da recepção e ao me ver, ele se levantou com dificuldade:
     - Você acha que ele vai ficar bem? -Perguntei, esperando ouvir sua opinião sincera.
     - Temos que torcer por isso. -Ele colocou as mãos nos bolsos do seu jeans- Você já fez reserva em algum hotel?
     - Céus, não estava nem me lembrando disso. -Fechei os olhos, tocando minha testa com o indicador, aquela altura, já estava completamente exausta.
     - Se você quiser, pode ficar no meu apartamento, durante o tempo que achar necessário.
    Sabia que não era a coisa certa a se fazer, levando em conta tudo o que nós dois já havíamos passado e considerando nossa atual situação, mas no momento, parecia ser a melhor opção:
     - Obrigada. -Agradeci.
     Como já estava escurecendo e só conseguiríamos ver David novamente no dia seguinte, Lorenzo achou melhor irmos para o seu apartamento.
     Durante todo o caminho, não trocamos uma palavra sequer, confesso que era estranho estar novamente ao seu lado por tanto tempo.
     O encantamento que senti quando vi a praia de Copacabana, foi o mesmo da primeira vez. Ao entrarmos no prédio, cumprimentei o porteiro, que me reconheceu de imediato, subimos e quando Lorenzo destrancou a porta de seu apartamento e entramos, senti todas as lembranças vividas ali desmoronarem sobre mim.
     Fiquei parada por alguns instantes, observando a sala e depois a cozinha, perplexa por nada ter mudado nos últimos meses:
     - Vou tomar um banho, você sabe onde fica o quarto de hóspedes. -Lorenzo disse largando a chave da Land Rover sobre o balcão da cozinha e se dirigindo até seu quarto.
     Coloquei minha mala no quarto de hóspedes e deslizei minha mão pela colcha, recordando a primeira vez em que Lorenzo e eu havíamos feito amor.
     Eu não queria ter aqueles pensamentos, mas dentro daquele apartamento, era completamente impossível não recordar todos os momentos prazerosos que aquelas paredes haviam presenciado de nós dois.
     Caminhei até a cozinha, abrindo a geladeira para procurar algo para comer e fiquei horrorizada quando percebi que os hábitos alimentares de Lorenzo haviam voltado a ser os piores possíveis.
     Percebi também que haviam mais bebidas alcoólicas do que o normal e me perguntei se o fim do nosso relacionamento tinha alguma coisa a ver com aquilo:
     - Lorenzo, pensei em pedir algo para comermos, você tem alguma preferência? -Perguntei, me aproximando da porta do seu quarto, afinal, não dava para ficarmos com fome.
     O ouvi resmungar alguma coisa do lado de dentro:
     -Lorenzo, está tudo bem?
     - Está, estou tentando fazer um curativo. -Ele gritou do lado de dentro, girei a maçaneta entrando.
     Ele vestia a calça de moletom cinza que eu tanto gostava, estava sem camisa e eu fiquei chocada por perceber o quanto ele havia emagrecido, era possível ver o contorno de todas os ossos das suas costelas, a barba por fazer e os cabelos, agora mais longos, acentuavam isso.
Me aproximei, observando o ferimento no seu abdômen:
     - Quer que eu faça isso para você?
     - Por favor. -Ele se sentou na beira da cama.
     Peguei o soro, a gase e a fita, depois de limpar o corte, que por sorte não era muito grande, nem fundo, coloquei a gase por cima:
     - Você faz isso parecer tão fácil. -Lorenzo mencionou, observando como eu prendia a gase com a fita.
     - É a prática, faço isso praticamente todos os dias. -Finalizei o curativo, me sentando ao seu lado.
     Lorenzo olhou no fundo dos meus olhos por alguns instantes sem dizer nada, o que me deixou um pouco constrangida:
     - Por que está me olhando assim?
     - Não é nada, é que você parece estar bem, fico feliz que o namoro com o Eric esteja dando certo.
     - O quê? -O encarei pasma- De onde você tirou que o Eric e eu estamos namorando?
     - Não estão mais?
     - Lorenzo, nós nunca voltamos! Tem semanas que eu não o vejo, ele até tentou se reaproximar, mas eu não quis.
     - Então, quer dizer que nunca mais aconteceu nada entre vocês dois? -Lorenzo me encarava confuso.
     - Claro que não!
     - Não acredito que fui tão otário! -Lorenzo se levantou da cama nervoso, nunca o havia visto tão transtornado.
     - O quê foi?
     - Quando fui a Los Angeles a alguns meses, me encontrei com o Eric e ele me disse que vocês haviam voltado, foi somente isso que me fez desistir de ir atrás de você.
     - Espera, você esteve em Los Angeles? -Me levantei também, perplexa pela sua revelação- Mas você não apareceu no aeroporto no dia em que fui embora.
     - Não apareci porque tive que me embriagar para não ir atrás de você, só me dei conta do meu erro alguns dias depois, então fui para Los Angeles.
     - Eu pensei que você tivesse desistido de mim.
     - E eu que você de mim.
     - Isso muda tudo, Lorenzo. -Parei diante dele- Você ainda sente algo por mim?
     Ele estendeu sua mão tocando meu rosto, seu polegar contornando meus lábios:
     - Está brincando, nesses três meses que se passaram, eu não consegui te tirar da minha cabeça por nenhum segundo. -Ele murmurou- E você?
     - Pensei em você em cada segundo.
     - Era tudo o que eu precisava ouvir.
     Lorenzo levou sua mão livre ao meu quadril, colando seu corpo no meu:
     - Eu quero muito te beijar outra vez. -Ele disse de forma sexy, roçando seus lábios nos meus.
     - Então porque não beija? -O provoquei, mordendo seu lábio inferior.
     Como se tivesse ouvido tudo o que precisava, senti a língua quente de Lorenzo invadir minha boca lentamente.
     O empurrei com cuidado, o fazendo sentar na beira da cama e me sentei em seu colo, retribuindo seu beijo.
     Suas mãos passeavam por todo meu corpo, e aos poucos, nosso beijo foi ganhando pressa e urgência, mas quando eu pensei que partiríamos para um outro nível, Lorenzo parou o beijo, colando sua testa na minha, estávamos ofegantes:
     - Você não faz ideia do quanto eu desejei poder sentir tudo isso de novo.
     - Eu também, eu quero tanto você. -Acariciei seu rosto.
     - Eu também te quero muito, Manu, mas nas melhores condições possíveis, não assim -Ele apontou para si- Quero recuperar tudo aquilo que perdemos, quero que seja especial.
     - Eu entendo e agradeço a preocupação. -Sorri, acariciando seus cabelos macios.
     - Por que o sorriso? -Ele quis saber.
     - Porque acho engraçado como mesmo depois de tanto tempo, nossa conexão ainda seja tão forte.
     - Eu nunca deveria ter te deixado ir, foi a maior idiotice que já fiz na minha vida.
     - É, você foi um idiota. -Segurei seu rosto em minhas mãos, estava tão feliz por poder finalmente estar com ele- Acha que agora está pronto para me deixar te ajudar?
     - Você estaria disposta a tentar? Sabe que não vai ser fácil.
     - A única coisa que sei, é que tudo será mais fácil se nós dois estivermos juntos. -Me aproximei o beijando.
     Naquela noite, pedimos duas marmitas e comemos  juntos na cozinha, mais tarde, deitada ao lado de Lorenzo, na sua cama, o observei dormir calmamente, chorando baixinho ao perceber os hematomas no seu rosto e no seu corpo, causados por socos e chutes.
     Por mais que dissesse o contrário, sabia que ele havia sido um herói, se ele não tivesse entrado na briga, David poderia estar morto agora.
     E com meu melhor amigo em estado grave no hospital e o homem que eu mais amava no mundo ao meu lado, ainda se recuperando, confesso que nunca havia sentido tanto medo de perder alguém.
     Apesar de tudo, sabia que Lorenzo não corria mais riscos, mas David tinha que ficar bom logo.
     Ele precisava.

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