Marlon

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Thierry esperava enquanto suas irmãs escolhiam algumas fitas coloridas para os vestidos que seu pai prometera fazer para elas em uma das várias barracas da feira. Seus olhos negros estavam perdidos em algum lugar a diante. Ele via as coisas e as pessoas se moverem, mas não as enxergava propriamente. Devido a isso, apenas percebeu que Marie estava diante dele quando esta o chamou.
- Perdido em pensamentos? – perguntou ela.
- Talvez. – respondeu ele, forçando um sorriso. Algo na presença dela o agradava sutilmente e ele estava se esforçando para tentar demonstrar isso. – Estava perguntando-me quando você chegaria.
- Eu não confirmei que viria.
- Mas eu sabia que viria.
- Poderia contar-me como?
- Porque o meu interesse pela senhorita é recíproco. Não tente negar. Sei que meu jeito a intriga tanto quanto o seu a mim.
- Não posso dizer que o senhor está por completo enganado, mas é muito prepotente de sua parte acreditar que alguém como eu...
- Viria até uma feira no centro da cidade apenas para ver-me? – ele sorriu pela segunda vez naquele dia. Este sorriso era consideravelmente menos forçado que o primeiro. – Olhe o lugar onde se encontra, senhorita Bovary, e diga-me se estou enganado.
Foi a vez de Marie sorrir, o que fez Thierry perguntar-se como ela era capaz de realizar tal ato com tamanha naturalidade. A cabeça dela inclinava sutilmente para o lado e seus dentes brancos como pérolas ficavam perfeitamente expostos para quem quisesse admirá-los.
- Talvez.
- Gostaria de comprar uma peça de carne, madame? – perguntou uma voz alta ao lado dos dois.
Marie espantou-se, levando a mão ao peito e Thierry olhou com desprezo para o homem suado e sujo ao seu lado. Obviamente tratava-se de um homem que não tivera educação o suficiente para saber como abordar uma dama como Marie. Obviamente tratava-se de um homem que não sabe que mulheres do nível dela jamais sairiam tão bem vestidas de casa para comprar uma peça de carne de seu açougue imundo.
- Não, obrigada. – respondeu ela já afastando-se do desconhecido.
- Mas a carne é de ótima qualidade e o preço... – prosseguiu o homem.
- O senhor não a ouviu? Não estamos interessados em sua maldita carne. – ralhou impacientemente Thierry, com os dentes cerrados. – Agora, saia daqui antes que eu arranque esta sua língua nervosa e descontrolada.
- S-sinto mu-muito, senhor. – gaguejou o homem assustado e muito pálido. – Não foi minha intenção incomodá-los.
- O que está havendo aqui? – questionou Violeta assim que se afastou, junto com Nicole, da barraca de fitas. Ao ver o modo como o homem encarava seu irmão, Violeta o repreendeu. – Thierry, deixe o pobre homem em paz! Ele apenas está fazendo seu trabalho.
- Pai? – outra voz masculina, mais jovem e nítida, se destacou em meio à multidão. Um rapaz se aproximou do homem e colocou a mão em seu ombro. Embora tivesse praticamente a mesma idade de Thierry, sua barba cheia demais para idade e o cabelo castanho comprido e embaraçado lhe acrescentassem mais alguns anos. – O que houve?
- Nada, Marlon. Eu apenas estava perguntando para esta senhorita se ela gostaria de comprar uma peça de carne. – a respiração do homem era pesada, o suor pingava de sua testa e ensopava sua roupa.
- Pai, por que o senhor não vai para casa descansar um pouco? – disse Marlon com a voz calma. – Deixe que cuide das vendas por hoje, sim?
O pai de Marlon concordou e caminhou o mais depressa que pôde para longe de Thierry. Marlon se voltou para os presentes e desculpou-se pelo pai.
- Ele está ficando velho e perturbado. Perdeu a noção do que é certo e do que não é. Realmente lamento.
- Nós que lamentamos por nosso irmão ter assustado seu pai. – Violeta olhou para Thierry de modo repreensivo. – O Thierry nunca teve noção dos limites entre o certo e errado.
- Adoraríamos que fosse jantar conosco. – falou, subitamente, Nicole. Tanto Violeta quanto Thierry a olharam como se esta houvesse ficando louca a ponto de convidar um completo desconhecido para a casa deles. Nicole não pareceu se importar. Seus olhos estavam fixos em Marlon. – Assim poderíamos nos desculpar devidamente. Pode levar seu pai também.
- Eh... Sim. Por que não? – Marlon também parecia atordoado com o convite repentino. – Se não for incômodo, claro. – completou ao observar a expressão de raiva incrustada no rosto de Thierry.
- De modo algum. – apressou-se em responder Nicole, antes que o irmão ousasse estragar seus planos.
Marlon acabou, para a alegria de Nicole, concordando. Ele se despediu de todos quando se encaminhou para o açougue do pai. Pouco depois, Marie Bovary voltou com o primo, que a acompanhara até a feira, para sua casa. Nicole também insistiu em convidá-la para jantar com eles na próxima noite, quando o noivo de Violeta finalmente voltaria de viagem. Marie jurou que ela e sua família iriam comparecer.
- Apenas quero que todos conheçam meu futuro noivo. – disse Nicole entre risinhos.
- Quem? O filho do açougueiro? – perguntou sarcasticamente Thierry.
- Qual o problema?
- Papai jamais aceitaria tamanha insanidade, Nicole. – reprimiu-a Violeta.
- É o que veremos. – respondeu a caçula em tom desafiador.

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