Happy Endings N'existent Pas

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- Conte-me uma história! – pediu Nicole ao sentar-se em sua cama.
- Que tipo de história? – perguntou Violeta, irmã de Nicole, enquanto desembaraçava com cuidado os nós dos cabelos da caçula e os prendia em duas tranças curtas.
- Uma história de amor. – falou Nicole, deitando-se na cama e bagunçando o seu cabelo dourado novamente.
Violeta suspirou, puxou suas pernas brancas e magras para cima da cama de Nicole e fitou o olhar cheio de expectativa dela tentando conter as lágrimas em seus olhos. A mãe delas costumava ler livros para as duas antes de dormirem, ou melhor, antes dela mesma dormir em uma posição torta na poltrona que ficava entre as camas de suas filhas. Era a primeira vez que Nicole pedia uma história desde a morte da mãe.
Violeta pensou em pegar um dos livros da estante, mas nenhum deles teria a mesma graça sem a narrativa com a doce voz de sua mãe. Pôs-se, então, a tentar criar uma história.
- Era uma vez...
- Um monstro chamado Bobão. – Violeta foi interrompida por seu irmão do meio, Thierry, que entrou de supetão no quarto. – Bobão era o monstro mais feio e fedorento de toda França. Ninguém gostava dele. – Thierry sentou-se ao lado de Violeta fazendo com que suas irmãs pulassem na cama. – Até que um dia...
- Bobão conheceu uma linda garota chamada... – Violeta continuou.
- Fedorentinha. – Thierry a interrompeu novamente. – Fedorentinha podia até ser bonita, mas era muito esquisita e cheirava como peixe podre.
- Porém, Bobão se apaixonou completamente por ela. – Violeta olhou impacientemente para o irmão tentando fazê-lo desistir de estragar sua história. Ele a ignorou e prosseguiu lançando um sorriso brincalhão para Nicole. O temor nos olhos da irmã o divertia imensamente.
- Um dia, Bobão decidiu que estava na hora de declarar todo o seu amor para Fedorentinha. Então ele a sequestrou e a levou para a sua caverna que também era sua casa.
- Ele ia pedi-la em casamento? – perguntou Nicole com o olhar brilhando.
- Lógico que não! – respondeu Thierry. – Até porque Bobão era, antes de tudo, um monstro. O jeito que ele tinha de mostrar o seu amor era matando Fedorentinha, comendo o seu coração assado e bebendo uma taça de seu sangue.
Nicole se contorceu na cama. Violeta deu um beliscão no braço de Thierry.
- Mas ele não fez isso, Nicole, porque o príncipe Belo estava andando a cavalo nas redondezas e viu Bobão levando Fedorentinha para a caverna. – Violeta prosseguiu. Thierry revirou os olhos. – Belo cavalgou atrás deles, pegou Fedorentinha e a levou para longe bem de Bobão.
Violeta estava prestes a dizer “E eles se casaram, tiveram lindos filhos e viveram felizes para sempre” quando seu irmão retomou a história.
- Mas Fedorentinha já estava perdidamente apaixonada por Bobão. Então, ela pegou a faca que tinha em seu bolso, enfiou-a no olho de Belo e o levou para o seu grande amor que devorou o príncipe – Thierry fez uma pausa curta e sussurrou ao ouvido de Nicole – que ainda estava vivo.
Nicole emitiu um gemido choroso. Violeta puxou o irmão para longe dela.
- Por que está fazendo isso?
Thierry a olhou como se Violeta estivesse cometendo uma grande injustiça.
- Estou apenas contando um conto para Nicole.
- Ela não vai conseguir dormir assim.
- E o que queria que eu dissesse? – perguntou Thierry com os braços cruzados.
- Que eles tiveram um final feliz. Como nas histórias da mamãe. – respondeu enquanto cobria Nicole com um lençol.
- Finais felizes não existem, Violeta. – resmungou Thierry. – Se existissem a mamãe estaria aqui para contá-los.
Nicole começa a chorar alto e a gritar pela mãe. Violeta entra em desespero, mas Thierry apenas a observa, indiferente.
- Saia daqui imediatamente! – ordenou Violeta, tentando conter o próprio choro na garganta.
Thierry saiu em silêncio. Tudo o que tinha para dizer já havia sido dito e estava satisfeito com o resultado. Não permitiria que as irmãs esquecessem a morte da mãe tão cedo. Ela precisava ser lembrada por todos nem que para isso ele tivesse que cutucar a ferida de cada uma para que ela permanecesse sempre aberta e sangrando. Nem que para isso ele tivesse que causar dor.
E ele faria doer.

O Mundo Que As Sombras EscondemOnde histórias criam vida. Descubra agora