Reste Loin de Moi

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Thierry esperava pela chegada de Marlon na biblioteca de sua casa enquanto Nicole insistia em convencê-lo a falar bem dela para seu aluno.
- Por favor, meu irmão. – implorava ela. – Nunca pedi nada a você. Faça este pequeno favor por mim e lhe serei eternamente grata.
- Não precisa preocupar-se com isso, Nicole. Tenho certeza de que nosso pai fará questão de lembrar a sua existência ao filho do açougueiro rico em todas as oportunidades possíveis. Agora, deixe-me em paz. – foi sua resposta.
Nicole saiu contrariada pela porta. Thierry simplesmente suspirou de modo aliviado por finalmente se ver livre da irmã. Tudo o que ele queria era que Marlon se atrasasse apenas mais alguns minutos para que tivesse um pouco mais de paz após uma noite mal dormida. Aliás, para Thierry, todas as noites eram mal dormidas. Sua insônia crônica era um problema que o perseguia desde o falecimento de sua mãe. Em uma noite, ela estava ao lado da sua cama desejando-lhe bons sonhos apenas para aparecer morta na manhã seguinte. Muitas coisas aconteciam durante o sono, e esta ideia o desagradava muito.
Como era incapaz de sentir tristeza pela morte da mãe, o ódio infestou seu coração de apenas doze anos. Ódio pelos membros de sua família que ainda estavam vivos. Seu pai e suas irmãs eram capazes de chorar por ela, porém, após alguns dias de luto, pararam. Por quê? Eles deveriam sofrer por ela. Deveriam chorar, mas não o faziam. Eles queriam voltar a se sentirem felizes. Para quê? Não havia motivo para felicidade, pois a mulher que iluminava os dias da casa mais do que o próprio sol estava embaixo da terra, suas carnes sendo digeridas por vermes insignificantes.  
- Posso entrar? – a voz de Marlon acordou Thierry de seus devaneios. Ele estava encostado à enorme porta de madeira, com uma pilha de livros nas mãos.
Thierry concordou com um aceno brusco de cabeça. Marlon entrou e colocou cuidadosamente os livros em cima da mesa onde o seu novo professor estava sentado.
- Para alguém que não sabe ler, você tem muitos livros. – disse ele, dando uma rápida olhada nos títulos.
- Eram do meu tio. Gostaria de saber do que se tratam para decidir se pretendo ou não lê-los.
- A menos que se interesse por romances melosos e histórias fantasiosas, nenhum desses livros lhe será útil. – falou Thierry.
- Não vejo porque não. – sorriu Marlon. Seu sorriso era espontâneo, sincero. Quase como se fosse uma parte vital de seu rosto. O sorriso fez surgir uma raiva súbita em Thierry, que jamais fora capaz de tal ato involuntariamente.
- Poderia parar com isso? É irritante vê-lo sorrir.
O pedido apenas contribuiu para que aquele sorriso crescesse ainda mais. Dos olhos escuros de Marlon, faiscava um brilho quase hipnotizante.
- Posso tentar, mas não lhe garanto nada.
Thierry mordeu o lábio e cerrou os punhos para conter sua ira desmotivada.
- Sente-se. – ordenou de modo seco.
Ao invés de sentar-se na cadeira a sua frente, Marlon optou por ficar ao lado de Thierry e este já estava pronto para reclamar da proximidade desnecessária e incômoda quando Marlon começou a falar.
- Meu pai tem medo de você.
- O quê? – perguntou aturdido.
- No mundo paranóico em que a mente dele mergulhou, você é uma espécie de monstro que oferece perigo à nossas vidas. Tentei convencê-lo de que era tudo delírio oriundo do cansaço e da idade, mas acabei tendo que garanti-lo de que ficaria de olho em você e desvendaria seus planos maléficos. – Marlon riu, Thierry, contudo, não se deu ao trabalho de tentar parecer cordial, permanecendo com sua expressão séria de sempre.
- Senhor Marlon...
- Pode chamar-me de Marlon.
- Senhor Marlon, acredito que o motivo pelo qual nos encontramos aqui não seja o de ter conversas inúteis sobre a visível demência de seu pai. Portanto, vamos logo ao que realmente importa para que eu possa ver-me livre de sua pessoa o mais depressa possível. E poderia, por obséquio, parar de sorrir?
- Desculpe. Não posso controlar. Você me faz rir, Thierry.
- Senhor, por favor. – pediu.
- Thierry. – Marlon pronunciou cada sílaba pesadamente.
Thierry levantou de sua cadeira e fez menção de ir embora, mas Marlon segurou seu braço.
- Tire as mãos de mim. – rugiu ele com os olhos ameaçadoramente fixados em Marlon, fazendo o rapaz atender imediatamente ao seu pedido. – Não estou aqui para ensinar uma criança a comportar-se.
- Sinto muito, Thie... Senhor Laforet. – desculpou-se Marlon. – Não recebi a mesma educação que o senhor quando era mais jovem. Sinto muito se o ofendi. Não era minha intenção.
Marlon fitou, envergonhado, a capa de um dos livros que havia trazido. Thierry suspirou pesadamente antes de voltar a sentar.
- Se tornar a ser impertinente, eu...
- Não falarei mais nada. Juro.
- Certo. Vamos começar.

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