As gotas da chuva intensa que caía do lado de fora da casa, escorriam abundantes do parapeito da janela aberta para o interior da sala. Recife agachou-se e passou a ponta dos dedos pela trilha úmida, sentindo o poder da água dentro de si. Corina poderia até ser uma péssima predadora, mas manipulava aquele precioso líquido como ninguém. Fora por isso que ele a escolhera.
Recife recordava-se perfeitamente do dia em que pedira que Corina o ensinasse a controlar a água. Primeiramente, ela riu, pensando tratar-se de uma brincadeira, porém logo ela percebeu que ele falara sério.
Recife sempre soube que era capaz de manipular água, pois ele a sentia não apenas como um lar, como todos os outros tritões, mas como uma fonte de poder imensurável.
Ele esticou a mão para fora janela e deixou que o líquido se acumulasse na palma escura de sua mão. Fechando os olhos, Recife se concentrou na conversa que se desenrolava na cozinha. Reconheceu a voz aguda de Corina quando ela reclamou algo sobre Marlon não ter avisado que voltaria antes do por do sol do dia seguinte.
- Houveram alguns imprevistos. - justificou o lobisomem.
- Alguns imprevistos ou o imprevisto. - Recife estava certo de que falavam sobre o Beliz de Marlon. Um Normal sempre acabava por complicar as coisas.
- Não dispomos de tempo falar sobre isso agora, Folha. Devo levar Corina o mais rápido possível até Thierry. Esta chuva pode ser perigosa para ele.
- Não é preciso que eu vá até ele para anular o encanto. Posso apenas ir até o lago onde o lancei sem você no meu encalço. - disse Corina.
- E como saberei que está falando a verdade? - perguntou Marlon.
- Porque eu... Eu... - gaguejou Corina. Ela provavelmente estava fazendo tudo ao seu alcance para evitar cumprir o que prometera. Marlon contara tudo a Recife assim que eles deixaram a casa de Thierry. Recife conhecia Corina o suficiente para saber o quanto ela era orgulhosa para ser obrigada a fazer algo que não queria.
- Se não confiam em Corina, confiem em mim. - disse Recife, entrando na cozinha. - Juro que o encanto lançado sobre o seu Beliz será quebrado ainda hoje.
O mais profundo silêncio recaiu sobre os quatro. Ninguém ousou interromper o momento do reencontro de Corina e Recife. A sereia parecia envolvida por uma aura de felicidade assim que o avistou, enquanto o tritão evitava olhá-la diretamente.
- Ele está falando a verdade. - disse Folha. Recife tinha anos de vivência na floresta para reconhecer o nome de um elfo quando ouvisse. Ele sabia que a palavra dela seria o suficiente para Marlon.
- Então quero que jure também que vocês voltarão para o lago onde moram sem atacar qualquer uma das pessoas que encontrarem pelo caminho e que nunca mais retornarão a esta cidade.
- Eu juro por mim e por ela que nenhum Normal será ferido por nós até chegarmos em casa. - Recife não hesitou em responder.
Marlon voltou-se para Folha, esperando por confirmação. A elfa assentiu.
O lobisomem permitiu que o tritão e a sereia partissem. Corina, apesar de aborrecida por ter que desfazer seu encanto, conversava alegremente com seu parceiro. O que realmente lhe importava era Recife estar ao seu lado novamente.
Corina estava tão absorta em sua alegria que sequer percebeu as gotas da chuva que ainda caía acumulando-se não mãos unidas de Recife. Ela não prestou atenção enquanto ele manipulava a água até esta adquirir um formato comprido e pontiagudo. Ela não notou a expressão cruel de Recife quando este solidificou a água, formando uma adaga de gelo.
Ninguém notou, prestou atenção ou sequer percebeu o grito agudo que deixou a garganta da sereia quando esta foi apunhalada nas costas pelo seu tritão, quebrando o encanto que lançara sobre Thierry de uma vez por todas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Mundo Que As Sombras Escondem
FantasyO mundo está longe de ser como você imagina. Não significa que porque você nunca viu algo que ele necessariamente não exista. Sou a prova viva disso. Mas vamos ao que realmente interessa, pois esta história não se trata apenas de um mundo do q...