Thierry já se encontrava diante da porta, esperando por Marlon. Ele acabara de beber um copo de água misturada a algumas folhas de aparência pouco convidativa e procedência duvidosa. Folha, a criada de Marlon cujo nome fazia jus à sua insistência em fazê-lo provar as mais variadas espécies clorofiladas, dissera que era essencial que ele não se opusesse aos tratamentos herbáceos se realmente quisesse voltar caminhando para casa.
Ele passou a língua pela boca, sentindo o amargor da bebida. Marlon dissera que chamaria uma carruagem para levá-lo até sua casa em segurança, mas Thierry negara. Disse que preferiria voltar a pé e Marlon logo se ofereceu para acompanhá-lo. Ele sabia que Marlon faria isso. Ele esperava que fizesse isso.
Depois de quase morrer afogado, Thierry parou um pouco para pensar em sua vida e se ela realmente havia valido à pena. Constatou que não havia sido feliz desde que sua mãe morrera. Nunca se importara com isso, contudo, a iminência da morte o fez pensar que ele poderia ter sido muito mais do que um poço de ira e rancor. Quem sentiria sua falta caso morresse? Seu pai, porque não teria o filho homem para quem deixar seu império de máquinas? Nicole, porque perderia a pessoa que prometera protegê-la? Violeta, porque se sentia responsável pelos irmãos desde o falecimento da mãe?
E Marlon?
Estava incerto quanto a Marlon agora que ele decidira que era melhor que se afastassem. De todo modo, quando pensava em outras pessoas recebendo a notícia de sua morte, apenas conseguia visualizar suspiros aliviados.
A morte é uma amiga íntima do futuro incerto. Ele poderia morrer assim que pusesse seus pés para fora da casa. Ele precisava fazer sua vida valer de alguma coisa, precisava de alguém para sentir sua falta pelo que ele realmente era, e Marlon era a pessoa certa para resolver ambos os problemas.
Ele compensaria sua vida miserável.
- Está pronto? - perguntou Marlon ao entrar na sala. Folha vinha logo atrás, com um vidro cheio daquelas plantas de gosto terrível.
- Aqui, senhor. - ela estendeu uma das folhas secas para Thierry. Ele torceu o nariz. - Será isto ou voltar de carruagem.
- Não acredito que voltar caminhando seja a melhor opção. Não quer mesmo que eu chame uma carruagem? - tentou Marlon. - O senhor não iria precisar que eu o acompanhasse.
Thierry enfiou a folha na ponta da língua e mastigou para evitar ter que dizer algo. Antes o gosto amargo que engasgar-se com aquela coisa porosa e nojenta ao engoli-la de uma vez. Ao engolir, pediu que Marlon se apressasse em acompanhá-lo.
Marlon havia passado o resto da manhã tentando encontrar um modo de passar o mínimo de tempo possível com Thierry após a cena que presenciara entre ele e Juliet. Estava envergonhado e com raiva de si mesmo. Como foi tão ridículo a ponto de não perceber que Thierry não era como ele? Jamais ficariam juntos não apenas por ser uma criatura desprezível aos olhos dele, mas também porque Thierry deveria ter planos de encontrar uma mulher com quem passar o resto de sua vida.
- Esperem! - chamou Folha. - É melhor guardarem um pouco mais. Pelo menos até a chuva passar.
- Chuva? - Thierry olhou pela janela para o clima ensolarado do lado de fora. Não havia nuvens no céu. Como poderia chover?
- Ela pressente estas coisas, acredite em mim. - falou Marlon sem conseguir olhar para a pessoa ao seu lado.
- Não podemos esperá-la lá fora?
- Lá fora? - repetiu Marlon.
- Sim. Eu gostaria de... - Thierry tentou encontrar palavras. - Gostaria de ter uma conversa em particular com o senhor.
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O Mundo Que As Sombras Escondem
FantasyO mundo está longe de ser como você imagina. Não significa que porque você nunca viu algo que ele necessariamente não exista. Sou a prova viva disso. Mas vamos ao que realmente interessa, pois esta história não se trata apenas de um mundo do q...