Tueur

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Thierry concluiu que não perseguia um vilão, mas sim uma vítima. Possivelmente algum homem que saíra ferido após um assalto ou uma briga. Era a única explicação que via para seu modo contorcido e arisco de caminhar e para os vislumbres de vestes rasgadas que via sempre que o homem passava por algum lugar mais iluminado.


- Senhor, precisa de ajuda? - ele perguntou, já sem paciência por não receber qualquer resposta. Para alguém ferido, o homem era bem ágil. - Não vou machucá-lo. Fique tranquilo. - quanto a isso, Thierry não tinha muita certeza, pois sua vontade era de jogar um dos galhos grossos que encontrou pelo caminho na cabeça do desgraçado para fazê-lo parar de fugir.


Por mais de uma vez Thierry considerou a possibilidade de desistir de auxiliar o homem e voltar para a estalagem de Jacques, mas pensou que, se ele realmente queria tornar-se alguém bonito por dentro, deveria fazer certos sacrifícios altruístas.


Isso foi há uns quinze minutos, quando ele ainda não estava perdido, pois há muito que já desistira de ser amigável com o homem e só insistia em segui-lo para que todo o seu esforço não fosse em vão e também porque ele precisaria de um guia na volta. Sinceramente, aquela agora era a única razão que o motivava, uma vez que a de espancar o homem até fazer sua estupidez sair pelas orelhas jamais seria aceita por Marlon.


- Estou tentando ajudá-lo, se é que não percebeu. - rosnou ele enquanto desviava de uma série de galhos espinhosos que surgiam diante de seu rosto. - Se parar por um instante... Ai! Merda! - praguejou ele assim que sentiu um dos espinhos cortar-lhe a palma da mão.


Como se o palavrão fosse uma espécie de palavra mágica, o farfalhar e o vulto do indivíduo fugindo pararam simultaneamente. Thierry lembrou-se do silêncio constrangedor que se abatia sobre toda a sua casa sempre que ele ousava praguejar na frente das irmãs ou de alguma visita. Normalmente o silêncio era seguido pelo estalar forte do tapa na boca que recebia de seu pai pelo mau comportamento.


Não demorou muito para que ele finalmente sentisse a mão sobre sua boca, tampando-a. Ainda com o pensamento da infância em sua mente, Thierry pegou-se pensando que aquele modo de reprimir sua boca suja era um pouco extremo demais até finalmente se dar conta de que a pessoa apenas não queria que ele gritasse por socorro.


De todos os pensamentos que poderiam passar por sua cabeça, o único que se destacou foi: Merda! Ele realmente caíra na armadilha do assassino louco e desconhecido. E pensar que ele só queria ajudar...


A mão que lhe cobria a boca tinha um cheiro podre de decomposição e ela emitia um chiado semelhante ao de água fria lançada sobre uma superfície extremamente quente. Ao olhar para elas, Thierry pôde ver que estavam muito vermelhas e cheias de bolhas purulentas. A possibilidade de abrir sua boca e mordê-la estava definitivamente fora de questão.


O homem que o agarrava até poderia ser forte, contudo, estava longe de ser pesado. Uma criança de dez anos bem alimentada seria mais difícil de carregar.


Thierry ergueu o corpo e jogou-se de costas em cima de uma árvore logo atrás dele, imprensando o homem entre seu corpo e o tronco. Ao ver que o atacante ainda não o largara, repetiu o processo e com um grito de dor, o homem o soltou.


Thierry engatinhou para longe de seu inimigo. Ao tentar levantar-se uma forte tontura o forçou a voltar para o chão. Sua cabeça latejava no local onde, acidentalmente, ele a batera enquanto se jogava sobre a árvore. Passando a mão pela parte dolorida, Thierry percebeu que estava cheia de sangue.


O homem se contorcia enquanto novas queimaduras surgiam em sua pele exposta ao sol. Mesmo com a visão embaçada pela tontura, Thierry notou que não passava de um velho extremamente pálido que o olhava com um ódio mortal enquanto guinchava no chão antes de rolar para as sombras.


Luz do sol.


Com um espanto, ele percebeu que ela parecia muito mais forte do que antes. Não, não estava mais forte. Na verdade, as folhas que cobriam as copas das árvores, causando as sombras em que o velho se escondia, haviam caído completamente e deixado apenas galhos nus no lugar.


Thierry ergueu-se um pouco cambaleante, olhando para os lados à procura do velho assassino.


Sim, definitivamente ele era um assassino e Thierry, sua futura vítima.


- É isso que ganho por tentar ser caridoso. - resmungou.


Dando um passo vacilante para frente, ele sentiu seu pé tocando em mais um daqueles galhos grossos e pesados que ele deveria ter arremessado na cabeça do velho enquanto era tempo.


- Antes tarde do que nunca. - ele sussurrou para o galho enquanto testava sua resistência ao tentar dobrá-lo com as duas mãos. Parecia-lhe forte o suficiente. Forte e pontudo até demais para um simples galho.


Um novo farfalhar chamou a atenção de Thierry e ele voltou-se para o barulho, apontando a parte mais afiada do galho em direção ao som.


Um brilho vermelho e forte como uma chama destacou-se na penumbra como o olhar de uma fera possuída. E realmente eram. Os olhos do homem estavam da cor do sangue que se acumulava na palma da mão de Thierry e cintilavam como a luz do sol da qual ele fugia.


Com um pulo, o velho jogou-se sobre sua vítima, porém, antes que pudesse agarrar-lhe o pescoço para beber seu sangue, uma estaca de madeira foi enfiada em seu peito, atravessando o coração.


O homem abriu a boca como se quisesse gritar, mas nenhum som foi emitido por ele apesar da dor que a estaca e as queimaduras do sol lhe causavam. Sequer sangrou ao ser atingido, pois não tinha como. Seu próprio sangue há muito secara e ele não se alimentava do dos outros humanos. Sua dieta restringia-se apenas a sangue animal até aquele momento em que decidiu virar um assassino para salvar sua vida.


O homem caiu de costas no chão ainda com a estaca enfiada em seu coração e logo o sol começou a agir. Seu corpo se encheu de manchas vermelhas que se transformaram em bolhas amareladas que logo tomaram conta de toda a criatura antes desta desfazer-se em cinzas.


Thierry presenciou, com assombro, tudo acontecer bem diante de seus olhos antes de correr para bem longe do que sobrara do senhor.


A pancada em sua cabeça o desnorteou e logo caiu de quatro no chão, pondo para fora tudo o que comera de manhã. O cheiro podre que a criatura morta exalava o deixou enojado, mas não mais do que estava enojado de si mesmo por ter matado uma pessoa.


Mais uma vez, a vítima torna-se o vilão em um breve piscar de olhos.


Tentou respirar fundo, mas a culpa parecia prestes a esmagá-lo. Ele poderia ser muitas coisas, a maioria delas não muito boa, mas não era um assassino.


Uma mão tocou suas cotas e, por reflexo, ele ergueu um dos braços para defender-se de quem quer que fosse.


Era uma moça. E ela o lembrava ligeiramente alguém, mas ele não sabia ao certo quem, pois o rosto dela estava parcialmente coberto por um capuz.


A desconhecida levou o indicador aos lábios pedindo silêncio quando Thierry tentou falar. Aproximando sua boca do ouvido dele, sussurrou:


- Precisamos sair daqui o mais rápido possível. Ele está atrás de nós.


O Mundo Que As Sombras EscondemOnde histórias criam vida. Descubra agora