Marlon estava sentado à mesa de jantar de sua casa enquanto olhava sem o menor interesse para o farto desjejum esperava pela chegada de Corina que ainda estava no quarto de hóspedes. A culpa pelo modo como a tratara o obrigava a tentar ser cortês de algum modo. Não que ele fosse mudar sua tática. Aquela ainda era a mais eficiente apesar de ser desagradável para todos.
- Como soube que ela estava sem seu tritão? - perguntou Juliet, sentando-se ao lado dele. Marlon e Raul não eram do tipo de patrões que gostavam de manterem-se afastados dos criados. Para ser mais preciso, eles nem sequer eram patrões de Folha e Juliet. A relação deles era uma espécie de cooperação mútua. Elas tinham um teto e alimento em troca dos favores que prestavam a eles. Bruxos e elfos eram de grande valor para lobisomens. Principalmente para Caçadores como Raul e Marlon.
- As sereias que já encontraram um tritão, geralmente, são bastante magras devido à escassez de alimento. Digamos que eles não gostam de dividir a comida trazida por elas e apenas as dão o necessário para sobreviver e trazer mais alimento.
- Não entendo as sereias. - murmurou Juliet. - Elas são capazes de conseguir seu próprio alimento e teriam uma vida muito mais farta e feliz sem um tritão para mandar e demandar nelas. Por que ainda se desesperam em busca de um?
- Primeiro motivo: - listou Marlon, erguendo o dedo indicador de modo instrutivo. - Segurança. Diante dos perigos que algumas criaturas imunes aos encantos das sereias podem oferecer, um tritão bem alimentado ainda é uma grande ameaça em potencial. Segundo motivo: - Marlon ergueu um segundo dedo. - Ego. Ter um tritão forte significa que a sereia que o possui tem poderes suficientes para alimentá-lo e sustentá-lo mesmo que isso signifique que a mesma sofra com fome. Terceiro motivo: Procriação. Os tritões não possuem os mesmos poderes que elas para atrair humanos para suas armadilhas e morreria de fome sem elas. Sem tritões, as sereias não reproduzem.
Juliet o fitava com o queixo apoiado nas mãos, admirando o conhecimento que ele tinha sobre todas as criaturas. Marlon percebeu a expressão encantada em seu rosto e voltou a admirar seu prato vazio como se a conversa nunca tivesse existido.
- Você é tão inteligente. - suspirou Juliet.
- Obrigado. - agradeceu ele, constrangido. - Mas não é nada de mais. Todos os lobisomens devem possuir esse tipo de conhecimento básico para cumprirem com suas obrigações.
- E ainda é modesto. Como consegue ser tão perfeito? - Juliet parecia falar mais para si mesma do que para Marlon.
O lado infantil irreprimível de Marlon sorriu de como Juliet parecia tola com aquela expressão. Ela sorriu também ao ver que de algum modo chamara sua atenção.
- Você não desiste mesmo, não é, Juli? - perguntou ele ainda sorrindo.
- Não. - respondeu ela aproximando seu rosto do dele. Marlon a segurou pelos ombros para impedi-la.
- Juli, nós sabemos muito bem o que é isto que está sentindo.
- Sabemos? - a voz dela saiu suave e arrastada. Ela não perecia prestar atenção ao que Marlon falava. A única coisa que a importava naquele momento era a distância cada vez menor que separava suas bocas.
- Sabemos sim. - disse ele, chacoalhando-a de leve para fazê-la voltar à realidade. - Todos sabem que os lobisomens nascem com uma espécie de... Como posso dizer...? - ele engoliu em seco para amenizar a vergonha. - Uma espécie de atrativo para a maioria das mulheres.
Aquilo pareceu finalmente atrair a completa atenção de Juliet.
- Você não está apaixonada por mim, Juli, e sim por esta espécie de feitiço que lancei sobre você, entende? Não é culpa minha ou sua, mas devemos ser realistas e compreender os limites disso e o quanto é ou não real.
Juliet lançou-o um olhar aborrecido.
- Sei muito bem sobre este seu "atrativo", Marlon, mas isso não significa que ninguém possa apaixonar-se verdadeiramente por você.
- É claro que não, mas...
- O que sinto é real. É fruto de anos ao seu lado, conhecendo-o e apaixonando-me por você. Por que insiste em transformar tudo isso em algo fútil e sem importância?
- Há outra pessoa. - ele deixou escapar sem sequer dar-se conta do que estava fazendo. - Não quis dizer isso porque temia magoá-la, entretanto, acredito que esteja indo longe demais com suas investidas e é melhor que saiba de uma vez o quanto são inúteis.
Juliet ficou em silêncio enquanto absorvia as informações. Ainda sem proferir qualquer palavra, ela deixou a mesa e sumiu da vista de Marlon. Não demorou muito até que Folha, Raul e Corina chegassem à sala de jantar.
- O que houve? - perguntou Raul ao perceber a expressão transtornada do filho.
- Nada com que deva preocupar-se, pai. - respondeu Marlon. Seu olhar, contudo, fazia uma prece silenciosa a Folha para que ela tivesse uma conversa com Juliet. A elfa confirmou com a cabeça, entendendo o pedido.
- Irá procurar por ele? - perguntou uma ansiosa Corina.
- Sim, Corina. Apenas preciso visitar alguém antes.
- Visitar alguém? - Folha arqueou as sobrancelhas.
- É importante. - defendeu-se Marlon, sabendo que ela a julgava. Ele precisava saber como Thierry estava e precisava mais ainda vê-lo antes que enlouquecesse com a saudade absurdamente grande para apenas um dia de distância. - Volto antes do sol se pôr. Espere aqui, Corina.
Dito isto Marlon saiu ao encontro de Nimbus. Apesar do momento desagradável que acabara de ter com Juliet, sorria como se nada no mundo pudesse entristecê-lo.
E, realmente, naquele momento, nada poderia.
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O Mundo Que As Sombras Escondem
FantasiaO mundo está longe de ser como você imagina. Não significa que porque você nunca viu algo que ele necessariamente não exista. Sou a prova viva disso. Mas vamos ao que realmente interessa, pois esta história não se trata apenas de um mundo do q...