Capítulo 3

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De volta ao outro lado...

-Preparada para o almoço? - Clayton perguntou enquanto saímos da loja.
- Cheeeeia de fome! - falei com a mão na barriga enfatizando mais o exagero das palavras.
- Bom, não podemos demorar, sabem que o Gustavo não gosta de nós três sairmos da loja pro almoço, é de dois em dois. Demos sorte que ele me prendeu e atrasou o meu horário. Mas não vamos abusar. - Fabiana havia se tornado auxiliar de coordenação, contra a vontade do gerente claro. Mas quando o dono mandou que ele escolhesse entre ela e eu, ele não pensou duas vezes. Somos as que temos mais tempo de casa, acho que é por que só nós o aturamos. Fabiana por que tem paciência de um monge e eu por que preciso do emprego. - Não olhem agora, mas o gatinho que você está de olho há mais de quatro meses está ali na porta olhando pra cá.
-Ai meu Deus! - Me abanei, ele é um gato, branquinho todo musculoso. Pena que nem me olha, acho que é apenas uma distração necessária pois ele nunca me notou.
-Vamos lá! - Clayton pegou em meu braço me puxando.
-Fazer o que lá? Não tenho nada o que fazer lá! Não posso ir lá!  - Eu me puxava para trás desesperadamente enquanto Fabiana ria de mim descaradamente. - Para Clay, eu não vou!
-Para de bobeira mulher! - Ele me soltou e olhou para mim. - Desde o dia 30 você ficou falando que esse ano ia ser diferente, que você iria mudar sua vida e olha só... tá aí fazendo tudo igual. Larga esse medo e vai lá falar com ele.
-E dizer o que? Não tenho nada para puxar assunto. E não estou afim de levar um fora!                       
-Vai lá e fala qualquer coisa. Puxa um assunto sobre algum objeto da loja ou o tempo que está lá fora. - Fabiana disse.  - Vamos juntos pra te dar uma força.
-Eu não sei o que falar, vai dar ruim... - Falei enquanto era puxada para a loja bem em frente à minha. – Gente, não!
-Boa sorte gata! – Clayton me soltou aos leões. Entraram na loja me abandonando na porta e foram para as vitrines. Ele brincava com duas bolas de cristal nas mãos e eu o fiquei olhando igual uma pateta tentando formular alguma coisa até ele falou.
-Oi! Boa tarde!
-O-oi. Bonitas bolas! – Puta merda, eu não falei isso! Esmurrei minha testa milhares de vezes na minha imaginação enquanto ele me olhava como quem queria rir enquanto os que se dizem meus amigos gargalhavam as minhas custas.
-Pois é, são cristal! – ele sorriu mais mostrando duas covinhas ao lado da boca.
-Por isso! Elas brilham na luz e ficam mais vistosas, duas bolas vistosas! – Caralho, alguém me enterra, por favor! – B-bom, deixa eu entrar pra ver outras bolas. Outas coisa, outras coisas. – Me afastei indo em direção a dois filhos da puta que de tanto gargalhar estavam vermelhos enquanto via a única chance de uma conversa ir por água abaixo!
-Cara, acho que essa vai ficar pra história! – Clayton dizia as gargalhadas.
-Será que podemos sair daqui antes que a vergonha seja maior? – Fabiana se apiedou de mim pegando em meu braço.
-Vamos sim, por favor! – Soltou mais uma gargalhada. Passamos pela porta.
-Tchauzinho! – Clay se virou para ele.
-Tchau, obrigada. – Fabiana falou e eu só fiz um gesto mudo com a cabeça, querendo enfiar sob a terra abaixo do piso.
-A propósito, seu cabelo ficou muito bom assim! – Ele falou soltando uma piscadela que me deixou completamente sem ação.
-O-o-o-brigada! – quase corri até as escadas rolantes querendo sair da frente dele.
-Está vendo, não foi um desastre completo! E ele reparou no seu corte. – Fabiana me encorajou
-Falando nisso, você deveria ter dado um fora no babaca do Gustavo quando ele fez aquilo, isso é assédio moral, sabia? – Clay falou bravo.
-Verdade, ele não tem noção do que aconteceu pra você estar assim.
-E por mim nem vai ter, não quero que chegue na boca do pessoal do trabalho o que se passa na minha casa, muito menos nos problemas que Sandro me causa. – Meu irmão mais velho depois de  mim, depois de certa idade, resolveu se aproximar das pessoas erradas e por causa da sua cabeça oca acabou se envolvendo em drogas. No dia 31 de dezembro, assim que saí do trabalho fui informada que ele estava no morro preso pelo dono da boca, e que devia uma quantia absurda. Precisei subir naquele lugar nojento para busca-lo, e graças as minhas amigas que me deram o pouco que tinham eu consegui o resgatar de lá. Patrícia foi comigo para garantir que eu sairia viva, mas ao se deparar comigo o dono da boca se animou demais, e me fez umas propostas que jamais aceitaria. Ele queria que eu me deitasse com ele pela liberdade do meu irmão. Claro que me neguei, e ao pagar a dívida e sair da sala dele, fui parada por uma mulher com um fuzil na mão que disse que “ ia me ensinar o meu lugar! ”. Me levou para um beco e cortou meu cabelo enquanto duas mulheres apontavam a arma para mim e disseram que assim ninguém mais olharia para mim como mulher. Dei graças a Deus que foi somente isso, e desci calada. Ao sair da comunidade, comecei a bater desenfreadamente no meu irmão enquanto ele, que de tão chapado nem sentia, me olhava tentando pedir desculpas. Já não sabia mais o que fazer com ele. Eu trabalhava todos os dias para que nenhum dos meus três irmãos precisasse recorrer ao erro, já que nossos pais de nada serviam. Meu irmão do meio, Isaque de 17 anos, era o mais centrado, Fernando, o caçula de 10 era um doce, mais vivia se metendo em confusões.
-E se depender de nós ninguém vai saber. Mas olha, você ficou linda assim, é sério! – Clay tentou me animar.
-Eu vou pagar a todos vocês, eu prometo! – Falei acanhada.
-Por mim não tem pressa, sabe que pode contar comigo.- Fabi disse.
-Gata, por que não vai para o apartamento da Patrícia? Ela já te chamou para morar com ela tantas vezes.
-Não posso deixar meus irmãos com aqueles projetos fracassados de pais que eles têm.
-Se você se virou e virou essa mulher incrível, eles também podem. Olha, você precisa viver sua vida. Já faltou demais e colocou atestados também. Pode acabar perdendo o emprego por causa deles!
-Como vou deixar uma criança de 10 anos com dois alcoólatras que nem comida em casa colocam? O Sandro e o Isaque são crescidos, mas o Fernando não!
-Sua madrinha podia pegar ele. – Fabiana sugeriu.
-Minha madrinha, coitada, já tem os problemas dela. Assim que eles estiverem encaminhados eu saio.
-Até lá vai estar velha e sozinha gata! - Clay falou.
-Bom eu ainda estou com fome, acho que podemos almoçar logo antes que “a louca” venha atrás de nós! – Falei tentando mudar o rumo da conversa. Por mais que estivessem ao meu lado, nunca entenderiam como me sinto. Senti algo vibrar no bolso da calça. – Meu deus, o rádio da loja ainda está comigo! Mas por que ele não tocou?
-Caraca, eu tinha até esquecido ele. Ainda bem que o Gustavo não deu falta dele ainda! – Fabiana falou me olhando. Atendi.
-Pronto!
-Com quem falo?
-Sabrina.
-Boa tarde, foi com você que eu esbarrei mais cedo? – a voz cheia de secura atrás da linha me deixou tensa.
-Como você conseguiu esse número? – perguntei assustada olhando para os dois a minha frente.
-Se você reparar, miss simpatia, você está com o rádio errado! – Olhei para o aparelho com estranheza. Olhei a tela e percebi que não era.
-Desculpa, eu não tinha visto. – falei sem jeito.
-A mocinha tem alguma educação! – A ironia dele me irritou.
-Eu acho que já me desculpei, se vai ficar tirando uma com a minha cara...
-Não garota, só preciso pegar o rádio de volta.
-Eu só largo as 17 horas. – Falei preocupada, pois não poderia sair com o rádio da loja mais uma vez. Fabiana só assentiu com a cabeça, ouvindo a conversa.
-É muito tarde, não tem como largar antes? – Fabiana fez sinal de tempo para mim.
-Olha, posso te retornar dentro de alguns minutos?
-Sim, pode, mas não demora, meu patrão pode brigar comigo aqui. – Não sei por que, mas achei que ele estava falando aquilo sorrindo, mas preferi não falar nada, já estava enrolada demais.
-Caraca, que enroscada, e agora gata? – Clayton me perguntou.
-Não faço ideia, o pior é que ele é um nojo de pessoa.
Sentamos para almoçar. Pois é! Se realmente eu queria alguma coisa para aquele ano, certamente não eram os problemas que eu estava tendo apenas no primeiro dia útil do ano. Ao voltarmos para a loja, fui pega de surpresa pelo Gustavo e suas peculiares abordagens.
-Coisinha, vem aqui! – Falou apontando para mim. – Preciso que leve isso para mim lá no centro da cidade!
-O que é isso? – Perguntei olhando um grande e gordo envelope pardo.
-São documentos que preciso que entregue. Olha, eu até pagaria um taxi, mas como os donos pediram para cortar despesas vai ter que ser de ônibus mesmo tá!
-E o entregador?
-Ainda não consegui contratar um. Anda logo, preciso disso o mais rápido lá! – Pensei em rejeitar, mas era a única forma de eu trocar os rádios. Fabiana e Clayton fizeram sinal positivo parecendo decifrar meu plano. Peguei o pacote e o endereço. – Está bem, eu vou.
-Como se tivesse escolha, não é? – zombou.
Peguei minha bolsa e segui para a porta quando fui interceptada por Clayton.
-Olha, pega esse dinheiro aqui e vai de taxi. Assim pode fazer a troca e não dar motivos para esse mala pegar no seu pé.
-Não posso Clay, já estou devendo demais a vocês! – Falei empurrando o dinheiro de volta em sua mão.
-Depois você me apresenta um bofe bem gostoso e estaremos quites! Agora não perde tempo pois não pode ficar sem emprego.
Saí às pressas feliz por ao menos ter como ir rápido. Ia conseguir uma sobra de tempo de uns 40 minutos. Mandei um alerta para o rádio aquele homem.
-Pronto!
-Eu tenho tempo disponível em vinte minutos. Vou estar no centro e se for perto podemos nos encontrar lá!
-Bom, posso dar um jeito, tenho uma entrega... hã ... próximo a Candelária.
Está ótimo, te encontro lá na frente dela.
-Faz assim, tem um posto de gasolina na esquina, me encontra em frente a ele, melhor.
-Está bem então!
Peguei o primeiro taxi parado na porta, e segui direto para o posto. Mais a frente era o lugar da entrega, e deixaria o pacote voltando para a loja. Deus, me sentia estranhamente incomodada com aquela coisa nas mãos, não era minha obrigação entregar nada, não faz parte das minhas tarefas! Ele está mais abusado a cada dia! Saltei na Candelária encontrando logo o posto que ele disse. Havia uma grande movimentação de pessoas, muito mesmo e só então me lembrei que estavam programando uma manifestação. Me apressei encontrando o rapaz ali, parado em frente a moto de braços cruzados. Ele era moreno em uma cor bonita, quase um chocolate ao leite, mas não puxado para o negro, tipo índio, cabelos bem pretos e lisos cortados em um corte um pouco mais curto, e olhos castanhos escuros que só notei quando me aproximei enquanto me encarava me avaliando de cima a baixo. Tentei manter a educação que tenho, mesmo com nosso embate mais cedo.
-Bom, vamos trocar logo isso, preciso fazer uma entrega! – Falei ao me aproximar.
-Boa tarde pra você também Miss simpatia! – Pegou o rádio me entregando. – Aqui está! Não sabia que contratavam mulheres para as entregas!
-Sou atendente, e não boy! – Resmunguei. – Estou aqui por que meu chefe não tem noção, e os chefes deles menos ainda!
-Sério? – Me olhou de uma forma estranha, como se julgasse o que eu falava.
-Sério! – Debochei. – Ao que entendi, os donos não querem contratar entregadores por contenção, então ele me pediu para entregar esses documentos... De ônibus! – Sussurrei a última frase.
-Isso está errado e... – Ele começou a falar enquanto uma multidão começou a correr em nossa direção.
-O que é isso? – Olhei para o lado oposto e vi a policia vindo de encontro. “Ah, isso vai dar merda!”
-Melhor sairmos daqui! – Ele disse pegando em minha mão indo para o fundo do posto. Os tiros começaram e eu me encolhi de medo, ele me puxou para um lugar escuro, uma salinha que estava aberta e trancou a porta por dentro. A gritaria e explosões se intensificaram, e então alguém tentou arrombar a porta trancada, ele me apertou nos braços me virando contra a parede, enquanto eu me encolhia cada vez mais. O pacote havia caído no chão, mas pouco me importava, só tinha que sair viva dali. – Calma, está bem! – Ele falou enquanto me prensava contra a parede. As batidas pararam e uma explosão bem perto, parecia ter sido na porta. Suas mãos em volta do meu corpo me protegiam, sua cabeça baixa sobre minha cabeça. O desespero era imenso, as lágrimas saiam espontaneamente dos meus olhos. Deve ter se passado bem uma hora até a gritaria diminuir, e ficar distante. Ele se soltou de mim ligando o interruptor. – Você está bem?
-Não! – Fale sinceramente enquanto sentia minhas pernas como gelatinas. Sentei-me na privada sem a menor vergonha, apoiando as mãos na cabeça.
-Fica calma, o pior já passou.
-Meu Deus, ainda bem que entramos aqui! – Falei sentindo a garganta fechar. – Preciso de ar!
-Seu pacote caiu! – Ele falou pegando do chão molhado quando o papel pardo se rasgou mostrando bolos de notas de cem dólares amontoados. – O que é isso? – Me pergunto com estranheza.
-Estou me perguntando a mesma coisa! Deus do céu! – senti o sangue fugir do meu rosto. – Aquele filho da puta me mandou fazer uma entrega de dinheiro, em meio a um dia de manifestação, de ônibus e não me falou nada?
-Isso aí é muito dinheiro! Pelo monte, deve ter no mínimo vinte mil dólares.
-Não acredito que ele fez isso! – Estava apavorada, irritada, puta e nem sei mais o que. – Ele passou de todos os limites. Isso já é demais!
-Calma, por que ele fez isso? – Ele recolhia o dinheiro colocando dentro da minha bolsa a segurando enquanto eu me desesperava ainda mais.
-Por que ele é um tremendo filho da puta que tenta me ferrar a qualquer custo! Não acredito. Não acredito! – Resmungava andando de um lado para o outro no pequeno banheiro.
-Fica calma, você vai entregar?
-Como, assim molhado sabe Deus lá pelo que? – Falei com nojo das notas. Aquele banheiro fedia, embora eu só tenha reparado seu cheiro bem depois, o desespero deve ter cortado meus sentidos.
-Vou te levar até seu trabalho, é muito perigoso voltar com meu... com o dinheiro da loja assim!
-Não se preocupe, eu pego um taxi.
-Olha a confusão lá fora, acha que vai conseguir?
-Verdade, será que sua moto está inteira? – O olhar dele falou mais que qualquer coisa e então ele correu para o lado de fora, e lá estava a moto, parada em pé no mesmo lugar. – Parece que um milagre aconteceu!
-Sou obrigado a concordar! – Ele subiu na moto me estendendo a mão. – Vem.
-Pelo amor de deus, tenho pavor de moto, não corre, não faz curvas fechadas, não empina.
-Não anda... – ele sorriu. – Sobe logo!
-Me promete que não vai correr, por favor! – Quase implorei.
-Prometo que não vou se não for necessário. – Ele me olhou sério. – Se por acaso não percebeu estamos cercados por manifestantes e policiais irritados, se fizer necessário vou acelerar!
-Me tranquilizou muito! – Suspirei – Mas não tenho escolha, então vamos logo!
Subi na garupa colocando a bolsa com o dinheiro entre nós dois, por precaução, coloquei o a bolsa dentro da camisa e me segurei nas alças laterais da moto. Ele passou por um beco, depois por outro, entrou em uma viela bem apertada e saiu na avenida principal seguindo em direção a linha amarela. Ouvimos tiros e bombas, então prendi minha mão em sua cintura com medo. Não, medo ainda é pouco, foi pânico mesmo! Ele pressionou o acelerador fazendo aquela moto alcançar os 110km rapidamente. Meu coração foi na boca juntamente com meu estômago e ficaram por lá enquanto, na pista extremamente vazia de carros a moto deslizava sobre as rodas em uma velocidade apavorante. Mais tiros, e um rapaz sangrando na calçada. Ao virar em uma rua nos deparamos com uma explosão, ele subiu a calçada desviando, e rapidamente estávamos na rua novamente. Ele tinha muita habilidade com a moto, realmente ele nasceu para trabalhar em cima dela. Fiquei boba em como as pessoas se dispersaram e como a manifestação tomou conta de cada rua da cidade. O caos que se passava naquelas ruas refletia meu interior, pensando no que o Gustavo aprontou. Eu sabia que ele queria me prejudicar, mas assim? Não era a entrega de uma venda, é proibido sair com uma quantia absurda dessas da loja, ainda mais sem notinha, e sem um profissional adequado. O endereço dava exatamente no centro da confusão. Ele certamente estava fazendo algo ilícito e armando para colocar a culpa em mim e assim me dar justa causa. Fazia tempos que ele queria que eu pedisse demissão, sabendo que se ele mesmo me mandasse embora a empresa teria que pagar todos os meus direitos. Não que os donos fossem muquiranas a este ponto, mas o Gustavo era! Desde que ganhou o cargo da gerência das três casas de câmbio ele começou com a implicância. Fabiana achava que era por eu ser a única pessoa que o ameaçara ali dentro. Juro que não sei onde. Ele ia ver, ah ele ia se ver comigo, e mesmo que perdesse meu emprego, hoje ele ia ouvir tudo o que estava entalado há 5 anos na garganta, e só aguentei por que preciso do trabalho. Mas certamente depois de hoje, mesmo que eu nada fizesse, estaria na rua. A raiva era tanta que apertei os punhos contra a costela do rapaz, Renato acho, vi em seu crachá. Ele moveu o rosto discretamente olhando para trás, mas nada vi em seu rosto por causa do capacete, e dei Graças a Deus por estar usando um também, as lágrimas caiam dos meus olhos, não acredito que meu ano realmente começara em meio a tamanho inferno!
Chegando ao shopping ele fez questão de me acompanhar até a porta da loja, mesmo eu tendo quase implorado para que não o fizesse.
Obrigada, de verdade. Não sei por que fez isso, mas me ajudou muito. Certamente ainda estaria esperando um taxi aparecer em meio àquela loucura!
-Não era seguro andar assim, transtornada, e com tudo isso. – Fez um gesto apontando para a bolsa em minha mão. – Vai lá conversar com seu chefe, talvez ele explique melhor!
-Duvido, tem mais de um ano que ele vem tentando me fazer pedir demissão! – Apertei as têmporas com os dedos, sentindo minha cabeça começar a doer. – Tenho certeza que isso de hoje foi armação!
-Por quê?
-É muito complexo! – Falei enquanto via Gustavo sair da loja. – Desculpa, me da licença! – Fui ao encontro dele, meu sangue fervia e o ódio deveria transparecer em meu rosto, pois a cara que ele fez quando me viu denotava algo parecido com medo. E era bom ele sentir isso mesmo! – Seu safado filho da puta! – Entrei na frente de atendimento aos gritos. – O que você pretendia? Me matar? Me fazer levar uma justa causa? Por que me odeia tanto? – Falava empurrando ele para trás sem reação. O segurança da loja ficou observando, mas não se meteu, Carlos sabia como ele era.
-Está maluca coisinha? – Falou com os olhos arregalados.
-Maluco estava você me mandando para o meio de uma manifestação com um pacote cheio de dólares. – Clayton e Fabiana saíram da loja, vindo para frente dela. Clayton me olhava espantado enquanto Fabiana tentava me segurar.
-Que dinheiro? Mandei documentos!
-Isso daqui são documentos Gustavo? – Peguei de qualquer jeito o dinheiro da bolsa jogando em cima dele, as notas se soltaram caindo em volta dele enquanto seus olhos arregalados me encaravam com... raiva? Eu quem deveria sentir raiva naquele momento, e não esse filho da puta! – Isso é um documento muito interessante!
-Quem lhe deu autorização de abrir um documento destinado a terceiros? Tem noção do que você infringiu?
-E você tem? – Perguntei vendo o sorriso em seus olhos.
-O que eu envio não é de sua conta, sua obrigação era apenas entregar e voltar! Você foi irresponsável abrindo aquele pacote! Ou maldosa, está enfiada em dívidas Sabrina, não está? Vi quando pediu dinheiro emprestado aos seus colegas de trabalho! – senti meu peito doer, ele estava me espionando? Meus amigos me ofereceram o dinheiro no ponto de ônibus depois que meu irmão aprontou. – Acho que suspeitou que era dinheiro e quis pegar e voltou armando isso. Só falta dizer que a manifestação foi em cima de você. Vou contar esse dinheiro e se tiver faltando uma só nota.
-E como vou ter certeza de quanto tem aí? Não tem boleto, contrato, nem nada falando o valor. Você pode falar o que quiser, e assim colocar a culpa em mim! – Era armação, agora eu tinha certeza!
-Claudia, por favor, conta esse dinheiro e me fala quanto tem! – Seu sorriso se alargou e os braços da Fabiana se apertaram em meus ombros. Ao redor na entrada da loja algumas pessoas se juntaram me olhando, curiosos, passantes, funcionários. Eu estava sendo acusada de roubo na frente de muitas pessoas, e isso não era bom!
-Seu Gustavo, aqui tem 24 mil dólares! – Ela falou preocupada.
-Aonde foram parar os 6 mil que faltam Sabrina?
-Seis mil? Como assim? – Falei pasma. Ele queria me acusar de roubar 6 mil dólares? Não acreditava no que estava acontecendo, não mesmo! Como ele foi capaz de tamanha baixeza? Sentia a pulsação em meus ouvidos, todos os maus tratos, todas as ofensas, tudo que ele me fez passava em minha mente como um flash. A raiva me cegou, e me soltando dos braços da Fabiana, saltei sobre ele como uma gata encurralada, grudando as unhas em seu rosto, Lanhei, estapeei, e quando o segurança me afastou chutei o quanto pude. Eu não seria acusada de roubo e ficaria por isso mesmo! – Como Ousa seu filho da puta! Nunca roubei nada na minha vida, nem uma bala. Não admito que me faça isso!
-As provas estão aí, e as testemunhas também!
-Não concordo. Não vi nenhuma nota e nem o dinheiro sendo contado, você entregou a ela um envelope apenas! – Clayton falou revoltado. – Ela não pode ser acusada de roubo sem provas!
-Eu contei o dinheiro na frente das câmeras, não tenho melhor prova que essa! E o histórico dela não é dos melhores, faltas, atestados, confusão, falta de compostura!
-Ah não! Quero ver essas imagens! – Gritei!
-Você não entra mais nesta loja, está demitida por justa causa, vou até a delegacia prestar uma queixa formal! – Meus olhos se arregalaram, queixa, eu seria presa por uma coisa que não fiz? Ele entrou, e passados alguns minutos jogou sobre mim minhas coisas, literalmente, e me deu um papel. – Vou ser bonzinho com você, se assinar sua demissão em uma carta, podemos ver se não enfio você na cadeia!
-Cadeia! – Minhas pernas bambearam, não posso ir presa, estou prestes a terminar minha faculdade e conseguir algo melhor! Não! Pensa Sabrina, pensa. Não posso assinar uma carta confessando o que não fiz, ele terá que provar!
-Miga, não assina! – Clayton falou ao meu ouvido enquanto Fabiana e Carla me olhavam fazendo que não com a cabeça.
-Não vou assinar nada! Acha que sou tão estúpida? Vá até a delegacia e faça a queixa crime. Diga o que fez comigo, e depois aos seus superiores! A loja inteira está de prova que eu sai daqui sem saber o que levava e você ainda me mandou de ônibus! Vai lá e faz o que quiser. Depois, pode me procurar. Na fixa tem meus contatos, o meu endereço. Não vou fugir! Quero ver até onde vai com essa farça! – Falei me mantendo o mais sóbria que conseguia. Meu coração parecia ter parado. Eu sabia que não era bem assim, e nunca mais poria os pés naquela loja. Talvez até sairia sem nada, mas não podia receber a culpa de um crime que não cometi.
- Estou com ela e não abro! Ela não pode ser acusada sem provas! - Clay falou me abraçando. - Demite ela, me demite junto!
- Isso não será trabalho nenhum para mim!
- Não Clay, você precisa trabalhar, não faz isso! – Falei, e Fabiana deu um passo à frente.
-Estou de acordo, me demite também!  Isso que está fazendo não é justo! - meu deus, eles estão saindo por minha causa?
-Não Fabiana, sua filha? Você não pode ficar sem trabalhar. Não faz isso, por favor!
-Prefiro isso a trabalhar com um ser medíocre que age de forma tão imoral! - Me assustei, ela que sempre foi um poço de tranquilidade estava realmente muito transtornada. Naquele momento, se não tinha certeza acabei de ter, eles eram amigos de verdade! Em meio a tanta confusão meu coração se alegrou.
-Carla, por favor, pega as minhas coisas. Pois não entro mais nessa loja, de forma alguma!
-Se saírem daqui não terá volta! - Ele falou com o sorriso de vitória no rosto.
-Obrigada Carla! – Ela agradeceu pegando as coisas dela e do Clayton. – Vamos Sabrina, vamos sair daqui! Você não merece passar por isso!                       

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