O único som que enchia o espaço era o som da máquina dos meus batimentos cardíacos. O cheiro era-me estranhamente familiar: estava num quarto de hospital e não sabia como lá tinha ido parar. Ao abrir os olhos, vi tudo desfocado, como se não os abrisse há algum tempo.
À minha frente vi um rapaz especado a olhar para mim. Olhei para este e não consegui identificar o seu rosto, sentido algum desconforto ao saber que um estranho se encontrava no meu quarto e que as camas ao lado da minha estavam vazias, significando que ele tinha vindo por mim. Quando percebeu que estava acordada, deixou cair lágrimas e pegou-me na cara, perguntando "amor, acordaste mesmo?". E, de repente, o indivíduo já se encontrava a beijar-me a boca, tirando-me o fôlego. Afastei-o mal consegui forças para tal.
- Mas que raio, quem és tu?!
Ele olhou para mim, surpreendido e com um olhar que podia apostar demonstrar mágoa.
- Estás a brincar, certo?
Olhei bem para ele. Os seus olhos azuis transbordavam uma tristeza profunda que não conseguia compreender. Mas quem seria o rapaz que estava comigo? O que o faria estar aqui? Não me parecia um médico, e muito menos um familiar, visto que na minha família ninguém era loiro ou tinha olhos azuis. As perguntas circulavam na minha cabeça, batendo sempre no fundo, sem resposta.
- Quem és tu? – perguntei de novo, desta vez mais calma, tentando não demonstrar o pânico instalado no interior do meu ser.
- Sou o Luke... O teu namorado.
- O meu namorado?! – olhei para ele confusa. O rapaz apresentava-se com o cabelo em pé, um piercing no lábio e uma camisola com um cão a espumar da boca. – Se fosses meu namorado, eu lembrar-me-ia.
Percebi que piorei as coisas quando o rapaz começou a chorar e saiu do quarto, batendo com a porta. Tentei segui-lo, mas fios prendiam-me à cama, ligando-me a meia dúzia de máquinas. Quando comecei a reparar melhor nestas, entraram dois médicos, depois de baterem à porta.
- Como se sente? Não se esforce, teve um acidente terrível e esteve em coma durante alguns dias.
- Um acidente?! Em coma?! Como assim? O que é que me aconteceu? – exaltei-me com a ideia de ter ficado a dormir por dias.
- Tenha calma e não se enerve. Não se lembra de nada?
- Nada. Nada mesmo. O rapaz que estava aqui disse que era meu namorado, mas eu não me lembro sequer de ter um namorado. O que se passa comigo? – não aguentei e comecei a chorar, assustada.
- Calma, por favor. Parece que está a sofrer de amnésia, porém temos de fazer-lhe alguns exames agora que acordou. Sofreu muito com o impacto do carro. Eu até lhe explicava o que se passou, mas acho preferível o seu namorado voltar aqui para lhe explicar. É a única pessoa que saiu do acidente sem um ferimento muito grave, os ferimentos que tinha já estão tratados. – e, com isto, o médico foi-se embora.
Passado uns minutos, o rapaz voltou. Olhou para mim com uma maior dor no olhar do que aquela com a qual saiu. Inspirou fundo umas três vezes, tentando recompor-se, e sentou-se no fundo da minha cama/maca. Olhou para o chão, incapaz de me fitar, e quando falou, a sua voz tremia.
- Queres saber o que se passou, certo? Então eu conto-te, e espero que percebas tudo... - apesar de ter sido dura com ele, o rapaz estava a tentar falar comigo com calma, tremendo a voz de vez em quando. – Estávamos a vir de uma festa. Eu, tu e mais três amigos nossos, que tu não te deves lembrar, e ainda bem. O nosso condutor, o Wesley, estava bêbedo, mas não quis que chamássemos um táxi. Estava a conduzir a alta velocidade enquanto eu e ele discutíamos e, no meio da discussão, ele parou de repente o carro para se virar para trás e gritar comigo. Tu estavas a dormir com a cabeça no vidro. E, o que aconteceu a seguir... foi horrível. – Luke começou a soluçar, com lágrimas escorrendo pela sua face. – Olhei para ti e vi um carro vir na nossa direção, mesmo contra a tua janela. Não tive tempo para nada, apenas para te puxar para mim e tentar proteger-te, mas foi tudo tão rápido. Eu fiz de tudo para te salvar, e não te larguei até as ambulâncias chegarem e tirarem-te de mim. Eu juro que te tentei salvar! Os últimos dias têm sido horríveis, sem saber se ias ficar bem ou não. Os teus pais ainda não conseguiram apanhar o avião para cá, estão com vontade de me matar. O Mike morreu instantaneamente, o Wesley entrou em coma, mas não o conseguiram salvar. Tu entraste também em coma por causa de lesões graves que tinhas no cérebro. A Kelly ficou toda queimada, mas dizem que vai ficar bem. Mas todos temiam por ti. Começavam a pensar que já não irias acordar. Os dias iam passando e tu continuavas mal, muito mal, e a dormir. Já ninguém acreditava. Mas eu não desisti, nunca iria desistir amor, e tentaria salvar-te outra vez de fosse preciso. – chegou-se mais perto de mim, e pegou-me na mão. Só aí reparei que estas se encontravam queimadas e um pouco desfiguradas, provavelmente por causa do acidente. – Desculpa-me por não ter conseguido mais. Tive tanto medo de te perder.
Olhei para ele, ainda a digerir toda a informação acabada de receber. Estava a experimentar uma sensação horrível: a perda de dois amigos que não me lembrava sequer quem eram. Morreram e, pelos vistos, éramos chegados.
Comecei finalmente a chorar enquanto absorvia aquelas informações e deixava a dor consumir-me.
- Tu não tens culpa de nada Luke, obrigada por teres estado ali para mim. Obrigada por me teres salvo.
- Não poderia deixar que morresses, nunca me iria perdoar se algo pior te acontecesse. Saber que estavas aqui, entre a vida e a morte, com a consciência numa parte incerta, fez-me temer por ti todo este tempo. Tive medo, muito medo mesmo. Eu já não saberia o que fazer sem ti, não sabia o que me aconteceria se me deixasses.
Ouvi aquela declaração de amor tão profunda tentando pensar em alguma coisa para responder. Mas nada me vinha à cabeça. Não sabia o que pensar daquilo sequer, mas os meus olhos continuavam a formas lágrimas e mais lágrimas, descargas de dor e pânico e ansiedade.
- Obrigada. – repeti mais uma vez. – Obrigada por isso.
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Amnesia {portuguese}
FanficUm acidente trágico muda a vida a Ana Mafalda e às pessoas que a rodeiam. Ela é obrigada a viver com a sensação de que está rodeada de pessoas estranhas que nunca viu na vida, que dizem ser família. Tudo parece desmoronar-se, as pessoas começam a ca...