Capítulo 49

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Acordei com o toque do despertador, como todas as outras manhãs. Só que esta manhã era diferente, era especial. Não sabia se era especial para o lado bom ou para o lado mau, mas de qualquer das formas era especial. Um misto de diferentes sentimentos, sabendo que podia sentir-me finalmente calma e livre porque estava quase a deixar todas as minhas mágoas para trás neste sítio que tinha sido a minha casa durante tanto tempo, mas ao mesmo tempo sentia que estava a cometer um erro ridículo, porque devia ser bastante mais forte e conseguir aguentar a pressão de ter a pessoa que mais amo e mais me magoa perto de mim e mesmo assim conseguir mostrar que estou bem. No entanto, eu nunca irei fingir ser uma pessoa que não sou. Se eu não consigo ser feliz cá, sabendo que vou estar a olhar para ele a toda a hora, saber que basta um deslize para voltar a ser magoada, que nunca mais iria descansar sossegada e que provavelmente nunca iria conseguir seguir em frente, eu sabia que a única maneira de eu conseguir pensar em mim e respirar finalmente fundo seria longe deste sítio. Precisava de me refugiar, fosse com os meus pais ou com os meus primos, precisava de ir embora.

Despachei-me da casa de Wesley, levando comigo o álbum, depois de me despedir da sua mãe, e voltei para casa rapidamente. Assim que cheguei, fiquei a olhar para o meu quarto. Em vez de começar a chorar, surpreendi-me a mim própria por sorrir tão genuinamente. Sorri, encostando-me à parede das fotografias, a recordar os momentos que conseguia recordar, na minha cabeça. Os momentos com Luke, os momentos com Kelly, os momentos com Wes, os momentos mais antigos que a minha memória me deixava relembrar, mas também os mais recentes que não davam para esquecer. Foquei-me nos momentos bons, e percebi que ali se encontrava grande parte da minha vida, do meu coração. Pensar nos bons momentos era a melhor forma de dizer adeus. Porque demonstravam que tinha valido a pena tudo o que se tinha passado dentro daquelas quatro paredes, e que a minha missão estava completa ali. Sentia dentro de mim que o que tinha feito ali era o que precisava de fazer.

Olhei ainda a sorrir para a parede com fotografias, onde maior parte eram minhas com Luke. Em vez de me passar e começar a rasgá-las, fui buscar uma caixa e comecei, uma a uma, a guardá-las a todas. Fotografias com Luke, com Kelly, Wes, Daniel e Josh, com o nosso grupo de "amigos", com o meu primo Bradley e outros primos, com pessoas cuja cara eu não recordava mas tinha quase a certeza de que eram de Portugal, com a minha família e, por fim, fotografias que tinha tirado com a banda do meu primo. Guardei tudo, mesmo as que tinha vontade de deitar fora. Apesar da mágoa do momento, sabia que mais tarde iria ficar feliz por ter guardado tudo, para mais tarde recordar feliz, e sentir o que estava a sentir um bocadinho naquele momento: tudo valia a pena e tudo o que aconteceu fez sentido.

Comecei lentamente a arrumar o que queria levar dali, a colocar nas minhas malas. Não precisava de me preocupar com as mobílias, os contactos dos meus pais tratariam disso depois, iriam empacotá-las e levá-las para onde quer que eu fosse parar a seguir, fosse em que país fosse. No entanto, senti necessidade de levar certas coisas comigo, que tinham significado para mim. Guardei para levar as velas, as almofadas oferecidas por Luke, as molduras, todos os meus CDs, filmes e livros, todas as coisas que me faziam bem e mal ao mesmo tempo. 

Quando estava a arrumar as coisas, indo já a meio quase no fim, tocaram-me à campainha. Não estava à espera de ninguém, só tinha combinado com eles às dez da manhã, e ainda nem nove eram. No entanto, ao espreitar, vi de facto o carro de Sophia, e fui logo abrir a porta. 

Sentei-me de novo no chão da sala a arrumar as coisas numa das malas e, quando olhei para a porta, só me apetecia chorar. Os únicos amigos verdadeiros que tinha neste país estavam ali, a sorrir para mim com lágrimas nos olhos. Daniel tinha uma enorme caixa de pastelaria na mão, Kelly tinha um peluche gigante em forma de tigre nos braços e Sophia agarrava um balão roxo no qual se podia ler "Never Forget Us!". Os meus olhos inundaram-se de lágrimas e eu levantei-me logo para os abraçar. Sabia que podia contar com aqueles três para o resto da minha vida, que seria feliz ao recordá-los e que teria sempre as portas da minha casa e do meu coração abertas para eles. 

Amnesia {portuguese}Onde histórias criam vida. Descubra agora