Passaram cinco dias e ainda havia algazarra no meu quarto de hospital. Médicos a entrar e a sair, rostos de pessoas a chorar e a desejarem-me as melhoras, dizendo que rezaram e continuarão a rezar por mim. Não conseguia reconhecer ninguém, mas amigos e familiares dos mesmos choravam perto de mim, e eu sentia-me impotente por não poder consolar alguém que sentia não conhecer. Sentia-me cada vez pior, cada vez mais esgotada, e em todos esses dias, o terceiro tinha sido, definitivamente, o pior.
Luke nunca saía de perto de mim, apenas quando os médicos tinham de me levar para fazer alguns exames e, mesmo assim, muitos destes eram feitos na sua companhia, com muitos protestos dos médicos e enfermeiros à mistura. Mas ele não suportava sair de perto de mim, e eu agradecia-lhe imenso por isso. Era uma sensação nova e completamente esquisita, ver uma pessoa a amar-me com tanta dedicação e intensidade e não saber como retribuir.
Nesse terceiro dia, tinha cá vindo a mãe da Kelly, que descobri ser a minha melhor amiga, mas essa não foi a pior parte do dia, muito pelo contrário, gostei de ter a companhia daquela mulher tão carinhosa. Ela pediu-me desculpa por não ter vindo mais cedo, e era óbvio que não havia nada que desculpar, afinal a sua filha tinha de ser a sua prioridade naquele momento. Foi muito agradável ter a sua companhia, uma vez que esta me tratava como se eu fosse da sua família, com tal familiaridade que não dava para sentir os constrangimentos que sentia com todos os meus amigos e os seus pais: a senhora Grande não veio com os choros nem com os "ai coitadinha, espero que recuperes a tua memória rápido, querida". Não, a senhora Grande veio sorrir-me e dizer-me que agradecia muito por tanto eu como Kelly e Luke estarmos vivos, e que agora tínhamos os três de nos unir para mostrarmos a Wesley e Mike que, onde quer que eles estejam, nós estamos a continuar a nossa vida por eles. É claro que me doeu ouvir aquelas palavras, que me doeu não só o facto de não me lembrar deles, mas de querer relembrar-me para sofrer as suas mortes. Mas sentia, no fundo do meu ser, que, tal como a senhora Grande dizia, eu tinha de viver por eles.
E foi então que bateram à porta. Luke, como sempre a meu lado, foi abri-la. Vi, do outro lado, uma mulher de estatura média que tinha a sua beleza, porém esta estava agora escondida por baixo duma máscara enorme de dor; notava-se que esta mulher não estava muito preocupada com a sua imagem, e provavelmente isso teria a ver com o olhar de reconhecimento que Luke me lançou: era a mãe de um dos nossos amigos mortos.
A mãe de Kelly passou a mão pelo meu braço, sorrindo e desejando as melhoras, e passou pela outra mulher, pousando-lhe a mão no ombro.
- Lamento, Lorna.
A outra mulher apenas assentiu quando a mãe de Kelly saiu, depois de se despedir de Luke. Sentou-se numa cadeira a meu lado, onde Luke normalmente ficava, e começou a olhar para o vazio. O rapaz manteve-se encostado à porta, não se pronunciando, e eu deixei-me ficar calada também, à espera que a mulher a meu lado começasse a falar.
Demorou um pouco mais do que estava à espera, mas a sua voz não se encontrava tão trémula quanto eu esperava, e eu agradecia aos deuses por isso.
- O Wesley iria gostar que eu aqui viesse, ver como estavas. Deve estar imensamente alegre, onde quer que ele esteja, por ver que a sua maninha se encontra bem, apesar dos contratempos que a vida lhe está a proporcionar. – finalmente olhou para mim, com os olhos marejados de lágrimas, mas com um sorriso triste no rosto – Ele sempre gostou muito de ti, sempre foi um amor maior que alguma vez vi, uma irmandade que eu nunca imaginei ser possível. Muitas das vezes, lá em casa, ele dirigia-se a ti como a irmã que nunca teve, e era tão bom ver a vossa amizade crescer, ainda que fosse uma amizade relativamente recente. Parecia que se conheciam desde sempre e que tinham nascido do mesmo ventre, talvez até ao mesmo tempo. Ele sempre te foi muito dedicado, e para ele eras a pessoa mais importante da sua vida. No início, eu pensava que ele estava apaixonado por ti, mas percebi que não era nada disso. Era muito mais. Era uma ligação única, que raramente se vê: uma ligação de amizade tão pura que se notava ser para a vida... Mas a vida acabou por vos separar. – uma lágrima escorreu pelo seu rosto e só aí entendi que o meu já se encontrava encharcado. – Querida, eu sei que não te lembras nem de mim, nem do Wesley, e que tudo deve ser demasiado confuso para ti, mas espero que voltes a lembrar-te dele, e principalmente da pessoa que ele era contigo. E espero que aproveites por ele a vida que lhe fugiu pelas mãos, sei que seria isso que ele iria querer.
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Amnesia {portuguese}
FanfictionUm acidente trágico muda a vida a Ana Mafalda e às pessoas que a rodeiam. Ela é obrigada a viver com a sensação de que está rodeada de pessoas estranhas que nunca viu na vida, que dizem ser família. Tudo parece desmoronar-se, as pessoas começam a ca...