11 - Susto

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Ainda era noite. Eu adorava correr àquela hora, bem cedo antes do sol nascer. A penumbra e o silêncio da atmosfera me abraçaram. A cidade dormia tranquila enquanto meus pés me levavam para longe em um ritmo contínuo.

Corri por volta de uma hora aquela manhã. Quando voltei para casa, já era dia completo. Céu azul e limpo, com algumas nuvens esparsas visíveis. Fiquei imaginando que imagens a mente criativa da minha Alma conseguiria identificar naqueles deformados aglomerados de algodão flutuante. Por mais que ela me mostrasse como os contornos coincidiam, eu simplesmente não conseguia ver. Uma vez ela jurou de pés juntos que a nuvem era igualzinha a uma tartaruga andando de bicicleta! A cara que ela fez ainda me fazia rir.

Entrei em casa e vi que já estava um pouco atrasado — como sempre! — e fui direto para o chuveiro. Na hora do café, o estômago roncou fundo numa clara reclamação de maus tratos. Peguei um pedaço de pizza que tinha sobrado na geladeira e fui comendo enquanto acabava de me vestir.

De volta ao banheiro, limpei o embaçado do espelho, já escovando os dentes. O reflexo que me olhou dizia que já estava na hora de aparar aquela barba. Talvez eu devesse tirá-la. O que será que Alma diria se me visse de cara limpa? Será que ela iria gostar? Os pelos na cara me deixavam com cara de mais velho. Bem mais velho. Bom. Fosse o que fosse teria que esperar.

Peguei a mochila e enfiei tudo o que ia precisar para as aulas. Passei uma alça pelo ombro e já ia saindo quando vi o livro de matemática jogado no sofá. Se ele está ali qual foi o livro que eu peguei então? Odeio aulas de matemática! É tão chato e tedioso. Cogitei esquecê-lo de propósito, mas acabei por enfiá-lo na mochila. Normalmente Alma acabava batendo na minha porta antes que eu tivesse terminado, mas aquela manhã não.

— Oi, Gael. — a Sra. Fernanda abriu a porta do apartamento vizinho quando bati. — Alma não vai à aula hoje. Ela não está se sentindo muito bem. Vou deixá-la ficar em casa e descansar.

— O que ela tem? — a preocupação tomou conta.

— Dores fortes de cabeça. Não precisa ficar preocupado. Já dei um remédio para ela, mas vou deixá-la ficar na cama, não deve demorar a passar. — a mãe disse com um sorriso. — Passe aqui depois da aula. Ela vai estar novinha.

Nós dois nos voltamos ao mesmo tempo para os gemidos horrorosos que vieram do quarto da jovem. O meu espírito perdeu o calor e ficou frio. Não esperei ser convidado a entrar. Já estava de joelhos ao lado da moça quando a mãe dela entrou no quarto.

Alma estava curvada no chão sobre o próprio corpo agarrando a cabeça com as duas mãos e gemendo.

— Alma fala comigo! O que está acontecendo? — o desespero falou por mim.

— Filha?!

Alma estava muito pálida, mas conseguiu sussurrar:

— Estou... bem. — ela se sentou com o corpo meio bambo. — Já está melhorando. — forçou um sorriso.

— O que aconteceu? — perguntei ainda de coração na boca.

— É só dor de cabeça. Estou bem. — afirmou.

A beldade se apoiou em mim e ficou de pé. A cor estava voltando, mas os lábios estavam quase rachando de tão secos. Ela riu dos nossos semblantes assustados enquanto se dirigia à cozinha. Quando se sentou com um copo de água na mão à bancada, falou:

— Se algum de vocês dois for desmaiar é melhor fazer isso lá no sofá, é mais macio. — uma boca torcida num grande sorriso caçoando de nós.

— Assustou a gente, mocinha. — a mãe disse aliviada, alisando a testa um pouco suada da filha.

— Desculpe, mas agora já estou bem. E estou com fome. Muita fome. — Alma olhou pra mim e começou a implicar. — Você já deve ter comido, imagino. Mas sempre tem mais espaço aí dentro — ela cutucou a minha barriga. —, que cabe mais alguma coisa. Quer me acompanhar?

Tempo Quebrado | 2Onde histórias criam vida. Descubra agora