42 - Cativeiro

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Enjoo. Foi a primeira sensação que identifiquei quando o meu ser começou a voltar a si. A minha cabeça latejava sem parar com uma dor nauseante. Eu não estava parado, mas também não estava me mexendo.

Estava escuro. O meu corpo estava se locomovendo sozinho em um ritmo contínuo, lento e oscilante. Tinha alguma coisa errada além das agulhas que me encravavam o cérebro repetidamente. Estava sentindo uma grande sensação de pressão na cabeça. Eu pisquei e ouvi um gemido baixo, que não sei dizer se foi meu ou não.

As imagens meio borradas que inundavam a minha visão estavam numa posição estranha, elas estavam de cabeça para baixo. Como o chão foi parar lá no teto? Comecei a entrar mais fundo no estado de consciência. As coisas ficando mais focadas e nítidas. Os sons, as sensações sobre o meu corpo, as luzes.

Percebi que a minha cabeça pendia para trás e os meus braços e pernas estavam amarrados. Eu estava sendo carregado. Com uma vara horizontal apoiada sobre ombros humanos à minha frente e atrás de mim, meus pulsos e tornozelos estavam fortemente presos com cordas grossas à madeira. O peso do meu corpo envergando a vara. Minhas costas não raspavam no chão por muito pouco.

Eu não conseguia me mexer muito. Os meus membros estavam formigando. Vi a vegetação da floresta ao redor da trilha que seguíamos. Tochas acesas guiavam o caminho. O dialeto ainda desconhecido e incompreensível.

Começamos a sair da cobertura da mata para uma zona aberta e descampada. Eu não conseguia ver onde estavam os outros. Talvez não tivessem sido capturados como eu. Onde será que eles estavam? Onde será que eu estava? O que teria acontecido?

Passei por uma grande fogueira acesa no meio da vila de terra batida onde a população cantava e dançava de alegria. Eu não entendia uma palavra sequer do que estavam dizendo. Isso não ajudava muito.

O meu corpo inteiro doía, provavelmente em consequência ao veneno que havia se espalhado em minha corrente sanguínea. A minha língua estava pesada e dormente. Aqueles que me transportavam pararam junto a um emaranhado de cordas. O meu corpo foi lançado lá e as cordas se fecharam sobre mim. Aquilo ali era gradeado como uma rede de pesca. Senti o meu peso sendo erguido para o alto. Quando o movimento parou, eu estava pendurado em uma gaiola de cordas a vários metros de distância do chão.

Ei, psiu. Está acordado? — ouvi um sussurro atrás de mim.

Meus pés e mãos ainda permaneciam amarrados. Eu queria me virar e ver quem estava falando comigo, mas aí percebi a falta de conexão entre pensamento e resposta muscular. Contorci-me e virei o corpo, o melhor que pude, para olhar de onde vinha o som. Ramon olhava para mim de dentro de um saco semelhante à prisão em que me encontrava.

— Estou. Onde estão os outros? — a minha voz saiu enrolada e estranha aos meus próprios ouvidos.

Ele apontou a direção com as duas mãos unidas como as minhas. Quase do outro lado da grande árvore, bem distante de onde estávamos, pendendo de outros galhos, vários emaranhados de redes se penduravam.

Alguns se mexiam levemente e outros estavam completamente imóveis. Não poderíamos falar com eles sem gritar. Ramon era o único próximo o suficiente de mim. Tinha outro saco bem perto dele, mas estava vazio.

— Eles deixaram alguma arma com você? — perguntei.

— Não. E você? Teve mais sorte? — devolveu a pergunta.

— Não. — neguei com insatisfação. — Levaram todas as minhas facas.

— Tem alguma ideia de por que nos capturaram? — o aprendiz perguntou.

— Talvez sejamos invasores. Podem ter nos considerado uma ameaça. Obviamente não somos daqui.

— Eu não sei não. Olha pra eles lá em baixo. Ficaram felizes demais quando nos viram chegar. E eu não diria que estão nos tratando exatamente como visitas neste momento.

— Talvez tenham ficado felizes de ver os nativos voltando para casa. Não sabemos há quanto tempo eles deixaram a aldeia para caçar.

— É. Pode ser. Mas ainda assim esse povo me arrepia. — ele observava as pessoas com um semblante preocupado.

Olhei as festas e danças lá em baixo. As crianças brincavam, as mulheres dançavam, os homens cantavam suas cantigas e batucavam em instrumentos ao ritmo da dança. Eles se serviam e bebiam a sopa do caldeirão em cabaças.

— A mim também. — constatei.

Ramon e Gael tendo uma conversa civilizada?! Opaaaa! kkkkkkkkkk

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Tempo Quebrado | 2Onde histórias criam vida. Descubra agora