5 - Primeiros passos - Parte II

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Tá de sacanagem comigo, não é? Eu não vou comer aquilo de jeito nenhum! Nenhum mesmo! Sushi! O que custava cozinhar a comida?! Quase achei que ela fosse sair andando de dentro do meu prato. Era só o que faltava. Sushi uma ova! Ainda por cima não tem tempero! Cru e sem tempero. Eu não preciso disso! Com tanta coisa boa por aí não vou comer aquilo. Parecia que eu tinha enfiado um pedaço de papelão na boca, que tinha ficado de molho na água por um longo tempo e por isso estava mole. O meu paladar se recusa! Sem chance! Talvez eu até comesse, mas só se estivesse muito esfomeado. Comer vai muito além de uma necessidade, é uma sensação de prazer. Eu entendo que as pessoas paguem para desfrutar de uma comida suculenta e saborosa, mas... pagar voluntariamente para sofrer?! Não obrigado! Nada de sushi para o caçador!

Alma ria histérica no banco do carona, enquanto procurávamos outro lugar para comer. As lágrimas lhe escorriam pela face e ela tinha perdido completamente a capacidade de fala. Minha nossa! Como é que ela conseguia enfiar aquilo goela abaixo? E ainda por cima gostar?!

— Desculpe, não consegui me conter. — ela disse depois de se acalmar, conferindo a maquiagem no espelho. — Você superou todas as minhas expectativas. Eu achava que você comeria até pedra se pudesse, nunca imaginei que teria tanto horror a um tipo de comida. A cara que você fez... — nesse ponto ela começou a rir de novo e eu não entendi mais nenhuma das palavras emboladas com que ela tentava inutilmente se expressar. Quanto mais ela se esforçava para parar de rir, pior a crise ficava.

Paramos em frente a uma churrascaria. Isso é comida de verdade! Maravilhosa! Depois que descobri como os animais podem ser extremamente apetitosos, não poderia mais viver sem eles. Eu simpatizava cada vez mais com aqueles humanos, mesquinhos, egoístas e selvagens com quem eu me parecia tanto.

A noite estava ótima, fresca e agradável. A conversa era fácil, alegre e descontraída, cheia de bom humor. Eu adorava que ela estivesse comigo. Adorava o jeito que ela olhava para mim. Adorava o jeito dela. A vivacidade e a jovialidade. Como não ficava brava de verdade com nada. Como sempre escolhia ver o lado bom em cada situação. Adorava tudo nela. Adorava ela.

A morena linda tampou o olho esquerdo com uma mão e fez uma careta de dor.

— O que foi? — perguntei preocupado.

Alma ergueu a outra mão, me pedindo para esperar. Depois de alguns instantes ela falou:

— Senti uma pontada na cabeça. — começou a massagear a têmpora. — Mas já está passando. — respondeu.

— Você está bem? — não gostei de ver as sobrancelhas dela, contraídas com a dor.

— Estou. — Alma piscou algumas vezes e voltou ao normal. Voltou a abrir aquele sorriso glorioso. — Não posso me esquecer de tomar um remédio para dor de cabeça antes de ir dormir, senão amanhã estará me matando. A minha cabeça sempre começa a doer primeiro de um lado e depois espalha para o resto. — ela tamborilou os dedos na mesa. — Bom. Você já comeu um boi inteiro, e isso porque é vegetariano, imagina se não fosse. — ela caçoou.

Que exagero, eu nem como tanto assim. Mas comeria se aguentasse! A comida, em especial daquela cidade, era mesmo muito boa. E famosa também. A comida mineira tinha boa reputação e fazia jus a tal.

Ex! Vegetariano. — corrigi frisando bastante a expressão. — O meu espírito foi corrompido. É impossível estar próximo à humanidade sem se desviar dos bons princípios! — falei com falso desdém.

Tempo Quebrado | 2Onde histórias criam vida. Descubra agora