23 - E agora?

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Depois que deixamos a praia do Rio para trás e voltamos para casa em Minas, tinha uma coisa que eu precisava fazer e não saía da minha cabeça. Precisava muito ver uma pessoa.

Cheguei à entrada da minha antiga casa, agora a residência da Elisa, bem no início da noite. As luzes estavam acesas e a maçaneta da porta cedeu com facilidade, abrindo a passagem destrancada. Ouvi a voz irritante vindo da cozinha:

— Isso mesmo! Faça de conta que está em casa! Quem precisa pedir licença para entrar na residência alheia?! Ainda bem que estou vestida! Porque se eu estivesse pelada você já era! Ia arrancar os seus olhos com uma colher!

Elisa estava de costas para mim, guardando uma jarra de suco na geladeira, tagarelando e resmungando, quando adentrei a área.

— Você sabia? — perguntei.

Ela me olhou com desdém e respondeu:

— Ninguém te deu educação?! Boa noite pra você também.

Se ela já soubesse e estivesse ajudando a Alma a esconder de mim eu nem sei o que faria com ela. A raiva se inflamou com vida própria com esse pensamento.

— Foi você que a acompanhou até lá. Ela disse que você não sabe de nada, mas ela gosta muito de você, então pode estar mentindo para te defendendo. Ela não iria te entregar. Prometeu a ela que não me diria nada?

Elisa deu um gole no suco e suspirou contrariada. A voz saiu irritada e rabugenta.

— É melhor começar a por títulos nas coisas, porque, ao contrário do que dizem, eu não sou bruxa! Não faço adivinhações em bolas de cristal.

— Alma está morrendo. — larguei.

Elisa engasgou com o líquido alaranjado e começou a tossir encurvada na pia. Ela me olhou de olhos arregalados. É claro que ela sabia que eu nunca brincaria com uma coisa dessas.

— Como assim?! — o susto e a aflição em seu rosto eram genuínos. Elisa realmente não sabia de nada. — Não tinha sido só um engano? Os resultados do hemograma voltaram ao normal. Achei que ela tivesse anemia. O que aconteceu?!

— Ela vendeu a magia dela.

O copo que estava sendo comprimido contra seu peito num movimento de reflexo se soltou dos dedos que perderam a força e se partiu em um milhão de pedaços no impacto de se chocar contra o chão. Eu me vi naquele objeto. Fragmentando-me em estilhaços.

Contei tudo à Elisa. Sentamo-nos na sala e eu repeti a história que tinha ouvido da boca da minha amada. Elisa ouviu em silêncio com aturdimento. Quando terminei, ela estava em choque. Completamente embasbacada. Elisa me olhava como se eu tivesse duas cabeças. Era realmente uma notícia difícil de digerir.

— Eu não acredito no que estou ouvindo. — falou saindo do seu torpor.

— Eu daria tudo para que fosse mentira. Não sei o que fazer, Elisa. Não sei o que fazer.

— Eu... eu... Por quê?! — ela balbuciou. — Isso tudo é um absurdo! Por que o aprendiz iria fazer uma coisa dessas? Não faz sentido nenhum!

— Eu sei. E isso é tudo o que eu sei nesse momento, que nada faz sentido.

— Eu achei que só ela usasse o manto branco. Por que estava com o seu aprendiz? Eu não acredito que isso está acontecendo. Não acredito que a Alma esteja...

Era difícil de pronunciar, difícil de pôr as palavras para fora. Parecia que dizendo em voz alta as coisas ficavam mais reais.

— Você vai atrás de respostas? — Elisa falou depois de um tempo com uma dor latente no olhar.

— Vou. Vou atrás dele. — respondi.

— Não posso encher você de falsas esperanças. Sabe disso, não sabe?

Confirmei com um aceno de cabeça. Eu sadia que nada poderia ser feito para mudar o passado. Nada nem ninguém poderia curar Alma daquela doença. O que estava feito estava feito e não poderia voltar atrás.

— Preciso ao menos saber porque ela está sendo tirada de mim.

— Quando partimos? — uma voz decidida.

— Tenho medo de deixá-la e... — não consigo dizer. — E quando voltar...

— Eu posso ir enquanto você fica aqui com ela. — Elisa sugeriu.

— Não. Eu quero olhar nos olhos dele. — respondi. — Quero olhar nos olhos do responsável por lhe roubar a vida. — quero olhar nos olhos de quem me matou.

— Então me avise quando estiver pronto.

— Preciso que me faça um favor antes. — falei. — Me lembrei que a Alma ficou triste quando viu aquele cantorzinho meloso meia-boca na televisão. Preciso de ingressos para um show ao vivo, Elisa.

  — Considere feito, Gael.

Uma dor aguda me sufocou e estrangulou a minha garganta.

— E agora? O que eu faço, Elisa? O que eu faço da minha vida sem ela?

A jovem loura me olhou com ternura e compreensão. Abriu os braços para mim e eu me deixei acolher por eles. Eu me sentia exposto e vulnerável. Frágil.

— Eu não tenho uma resposta para isso, Gael. — a moça me abraçou apertado, o mais perto que eu tinha de uma família. — Eu sinto muito. Sinto muito mesmo.

— Eu vou morrer também. — falei sentindo a opressão dentro do peito reduzir a minha voz a um som quase inaudível.

A dor que me queimava o corpo e me consumia a alma, me destruía e me dilacerava enquanto me torturava. Elisa me deixou chorar. Ela não me pediu para ser forte, não me pediu para enfrentar o inevitável, não me pediu para erguer a cabeça e ter coragem. Não. Ela só ficou lá comigo e me apoiou no silêncio da ausência de palavras. Nenhuma delas seria adequada para se encaixar ali. Elisa foi a minha força enquanto eu desabava num amontoado de mais nada.    

E agora? Alguém pode, por favor, eu imploro, me dar uma direção? O que é que eu faço?

E agora? Alguém pode, por favor, eu imploro, me dar uma direção? O que é que eu faço?

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E é isso pessoal. Espero que tenham gostado dos capítulos dessa semana. Estamos quase chegando ao meio da história. ;)

Semana que vem tem mais. Um monte de bjos!

Tempo Quebrado | 2Onde histórias criam vida. Descubra agora