40 - Corpos e sombras

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Estávamos presos ali. Arriscávamos ou não? Podia ser uma armadilha ou podia ser uma saída. Ou ainda podia não ser nada.

— Abrindo. — Elisa respondeu com mais confiança do que eu teria sido capaz naquele momento.

Como ninguém se opôs, ela prosseguiu. Estava emperrada e não queria se mover de jeito nenhum. Eu já ia me oferecer para tentar, mas aí...

— Odeio matemática! — falei sem desviar os olhos da parede.

Todo mundo olhou pra mim.

— O que isso tem a ver? — Natan fez uma careta.

— Se nós somos cinco... de quem é a sexta sombra na parede? — perguntei.

Uma figura mais alta e muito esguia, bem magra e meio curvada, encontrava-se refletida na parede atrás das nossas próprias sombras. Só que olhando o ambiente... não tinha mais ninguém!

— O poço das almas! — Ramon se chocou de costas com a parede gritando e tremendo, tentando se afastar o máximo do nada que ali estava. — É aqui! É aqui! Eu quero sair, eu quero sair!

— Mas que droga! — Natan tomou a faca da mão de Elisa, forçando a pedra com um tranco.

— Ai que merda! — soltei.

Vindo da câmara dos ossos, as sombras começaram a invadir a nossa sala. Elas chegavam primeiro a cabeça, depois com passadas curiosas iam se aproximando. Meramente refletidas na parede, o aposento continuava inalterado.

A pedra deslizou com o esforço do caçador e se mostrou uma roleta. Três figuras apareceram. Um condor, depois uma serpente e depois um puma. Elas estavam desenhadas com fios de ouro e iam sucedendo uma à outra à medida que a pedra era girada. Nada aconteceu, tirando o fato de que as almas não paravam de chegar.

— E agora? O que eu faço? — a voz do caçador tinha um que de desespero.

— O puma! — Selva se lançou à pedra, selecionando a figura. — O puma que deveria vir nos buscar e tirar daqui!

Nada aconteceu. As sombras na parede começaram a fazer sinal para nós. Um sinal de convite. Um sinal lento de juntem-se a nós.

— Não vai acontecer nada?! — o tom do jovem aprendiz estava estridente.

Ramon se referia à saída que esperávamos, é claro, mas o que aconteceu foi que os donos daquelas almas decidiram ir buscá-las. Os esqueletos se contorciam levantando do chão.

— A trilogia! — falei. — São três paredes, devem ter mais duas dessas pedras aqui!

As carcaças decidiram que não seriam tão amistosas quanto suas almas. Elas rugiram e guincharam partindo para cima de nós. Ramon e Selva conseguiram encontrar as outras duas pedras. Eles colocaram a trilogia inca de frente para nós e nada aconteceu.

Para criaturas praticamente sem músculos, me surpreendia de onde vinha tanta força! Isso para não mencionar o óbvio, que esqueletos deveriam estar mortos e não tentando me matar! Uma delas me mordeu com tanta força que fez o braço sangrar.

Eles iam se desmanchando e se desmontando a mediada que as nossas armas se chocavam com seus corpos. Mas infelizmente, eles começavam a se recompor logo em seguida. A minha orelha esquerda pingava. Eu esperava encontrar alguma coisa lá quando tivesse a chance de passar a mão. O meu pescoço ardia. Um puxão na perna me fez errar o meu alvo. Pisei sobre a caveira que enlaçava os braços protuberantes na minha panturrilha. O crânio desgastado e velho se desfez em milhares de pedaços.

— Não está acontecendo nada! — Selva gritou em desespero.

— O puma! — Elisa gritou de volta. — Tente chamar o puma!

As três peças foram alinhadas exibindo a figura do puma. Espero realmente que ele não seja muito exigente! Um rugido alto reverberou pelo ambiente quando dedos finos me teceram uma forca me desequilibrando para trás. Caí por cima dos ossos e senti a carne sendo rasgada na altura do rim. As paredes tremeram. Alguma coisa pesada corria sobre o chão.

Elisa chutou o esqueleto de cima de mim. Eu me levantei e puxei o osso encravado na carne. O puma chegou. Bramando e rugindo, esculpido em grande escala, a criatura feita em pedra polida e ouro amarelo, chegou reivindicando os espíritos que viera buscar. A criatura empinou e bateu as duas patas no chão. O lugar tremeu e as ossadas se desmontaram como seres mortos e inanimados.

O puma entalhado e enfeitado nos encarou de dentes expostos. Talvez ele seja exigente sim, afinal de contas. Caminhando vagarosamente em nossa direção, um predador encarando a presa, ele nos encurralava em um canto. Empunhei a espada apenas por reflexo, eu sabia que aquele pedaço de metal não seria nada perto daquelas toneladas de rocha e ouro.

Nunca me senti tanto como um pássaro como naquele momento. Literalmente, um felino caçando um par de asas. A criatura que deveria ter ido ali para nos salvar atacou. Com um último rugido, ele saltou sobre nós com garras e dentes dourados à mostra.

Esperei sentir o metal rasgando a minha carne, mas o imenso corpo do felino se chocou contra a parede às nossas costas. O barulho foi ensurdecedor. O mundo estava sendo destruído. Nós nos encolhemos sob a proteção do ventre do animal enquanto tudo ao nosso redor ruía num sem fim de poeira e caos.

Quando tudo acabou e o silêncio reinou, nós tivemos coragem de abrir os olhos e aí veio a surpresa. Olhando para cima, o puma tinha se transformado em um gigantesco condor que nos abrigava sob suas asas abertas. Nós saímos de debaixo da nova estátua, imóvel e inanimada, mas numa posição que indicava estar prestes a levantar voo. Ao nosso redor, o dia da floresta se mostrava além das ruínas.

— Alguém gostaria de visitar o reino superior? — Selva sugeriu a cavalgadura alada.

— Eu passo! — respondemos em uníssono.

A ruiva riu e se encaminhou para a floresta.

— Então vamos indo que a jornada ainda é longa. — ela falou para o grupo que seguia atrás de si.

 — ela falou para o grupo que seguia atrás de si

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E por hoje é isso, amados. Espero que estejam se divertindo.

E a propósito, o que estão achando de um certo aprendiz chamado Ramon? Me atualizem quanto a isso, o destino dele ainda é incerto para mim.

Um monte de bjos e até a próxima!

Tempo Quebrado | 2Onde histórias criam vida. Descubra agora