53 - Senhor do inverno

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— Ei, Gael. Acorda. — Natan me sacudia pelo ombro.

A imagem sumiu como um estalar de dedos. Eu estava dormindo.

Você me matou quando decidiu me amar!

O choque de realidade foi anestesiante. Acordar tinha sido um alívio.

— O que é? — disse tentando focar a minha mente. O mundo real da savana noturna olhou para mim. O meu coração batia acelerado na garganta seca. O meu corpo tremia.

— Vem aqui ver isso. — Natan falou se afastando.

Eu me sentia exausto. Você me matou quando decidiu me amar! Afastei o pensamento. Não era ela. Não era a minha Alma de verdade. Não foi ela que disse isso, foi a minha mente. Mesmo assim... era mentira? Você me matou quando decidiu me amar! Isso é uma mentira? Ou eu realmente sou culpado por tudo o que aconteceu com ela?

— O que foi? — questionei, seguindo atrás do Natan.

— Um pouco depois que assumi o turno de vigília, eles começaram a chegar. Primeiro um, depois de um tempo outro. Olha lá agora. Não estou gostando muito disso. — observou os pontos distantes.

Empoleirados em várias árvores ao nosso redor, aves se empilhavam em número considerável.

— Estão nos observando. Estão todas voltadas para nós. — falei.

— E elas não param de chegar. — mais duas haviam pousado no mesmo galho. — E eu não sei como, mas estão trazendo o inverno. Olha como tem neve e gelo perto delas.

No chão ao redor das árvores em que elas pousavam, parecia realmente haver neve. Gelo se estendia cobrindo a madeira sob seus pés.

— O que acha que estão fazendo? — perguntei sem tirar os olhas dos animais.

— Não sei o que estão fazendo, mas tenho certeza que estão com fome. E não gosto nada do jeito que estão olhando pra mim. — respondeu.

— Será por causa do resto do animal na fogueira? — sugeri.

— Quer saber o que o meu instinto me diz? — Natan me olhou nos olhos. Eu já sabia o que ele iria responder, eu sentia o mesmo. — Eles estão caçando. E não é a carcaça.

— Vamos acordar os outros. — falei. — Estamos de saída.

Elisa acordou e não gostou da expressão que encontrou no rosto dos seus semelhantes. Selva e Ramon não tinham a mesma perspicácia. Um grasnado alto reverberou no céu e foi o suficiente para a loura juntar as peças.

Ramon choramingava e resmungava espreguiçando num canto, estalando a coluna torta que dava o troco por ter dormido num chão duro.

As aves batiam as asas sem levantar voo, paradas no lugar, grasnando.

— Por que aquelas aves estão olhando para a gente assim? — o aprendiz questionou com uma cara feia.

— Todo mundo andando. — Natan falou pegando o braço da ruiva e pondo-a em movimento. — Sem movimentos bruscos. Ninguém grita com elas, ninguém sai correndo, ninguém tenta atacá-las. — ele pontuou.

— Elas estão agitadas. — falei. —Uma fagulha... e o incêndio começa.        

Ainda estávamos no meio da noite quando a caminhada começou. Eu não sabia de onde as aves estavam vindo, mas não gostei nada que não parassem de chegar.

Todos quietos e atentos, fomos passando por elas em direção ao verde do bosque. Quando as asas eram batidas no ar acima de nós um vento extremamente gelado nos cobria por inteiro, um vento realmente frio de inverno.

Tempo Quebrado | 2Onde histórias criam vida. Descubra agora