Alma deveria estar se apresentando com o ballet aquele final de semana na cidade vizinha, mas acabou sendo dispensada por causa de um desconforto que sentira no início da semana. O médico disse que era só uma virose, mas como ela não pôde participar dos ensaios ficou de fora do espetáculo. Ela já estava se sentindo melhor dois dias depois, mas pediram que se afastasse do grupo de dança até o fim do atestado, por precaução.
Então aquele domingo, o último de abril, eu dormia no chão da sala do apartamento vizinho, fazendo as pernas da minha amada — infelizmente recobertas por calcas jeans! —, de travesseiro, enquanto ela assistia televisão.
Me virei no colo dela e o semblante que encontrei olhando para o aparelho exibia certa tristeza.
— Por que está triste? — levantei e me sentei ao lado dela, inspecionando o programa que passava. Eu já tinha ouvido aquela canção milhares de vezes, estava sempre tocando nos fones dela.
— Eu nunca fui a um show dele. Deveria ter ido. — a bela dama me olhou fundo, quase com... nostalgia. — Eu te amo.
E se jogou com o rosto enterrado no meu pescoço, os braços me apertando num abraço profundo. Um aperto de ferro. Ok. Isso está ficando um pouco estranho. Ela me segurava como se... eu não sei... como se estivesse tentando prender alguém que ama, alguém que está escapando. Mas eu não estou indo a lugar algum.
— Eu também te amo. — afaguei as costas dela. — Tem alguma coisa errada, carissimi?
— Não. — Alma me soltou com rapidez, fungando o nariz. — Só falei porque é verdade.
— Você está chorando?! — os olhos dela estavam meio avermelhados, fora do tom habitual.
— Não! É claro que não. — a TV voltou a ficar tão interessante de repente!
— É por isso que está triste? Por que nunca o viu ao vivo? — arrisquei.
— Não estou triste. — ela falou com uma voz firme e um sorriso. — Mas a música é triste, fala de saudade. Saudade de quem você ama e de como o amor pode machucar algumas vezes. Eu só estava pensando na letra, só isso. Agora vamos lá para cima porque já está escurecendo.
O terraço era o nosso espaço particular. Uma cobertura fora armada para fazer sombra quando o sol apertasse, cobrindo todo o sofá fofo e macio. Durante a noite esse forro podia ser retirado, expondo a glória do céu negro sem obstruções. Nós ficávamos lá observando o véu de estrelas sobre nossas cabeças.
O sogrinho não tinha gostado muito daquela história, ele achava que era muita privacidade para dois jovens apaixonados. Imaginem o que ele diria se eu confessasse que a minha primeira opção era um colchão e não um sofá!
Encolhida quietinha em mim, Alma se encolheu ainda mais no meu colo. O alaranjado do céu despedia-se do dia e dava as boas vindas à noite, numa dança sincronizada de beleza e tons.
Alma vinha com uma saúde um pouco frágil ultimamente. Ela teve mais uma hemorragia nasal e várias crises fortes de dor de cabeça. Eu esperava que fosse só efeito do stress. Ela estava sobrecarregada com a escola e o estágio. Não tinha muito tempo para descansar, estava dançando muito e não compensava o excesso de atividade física com boa alimentação. Às vezes chegava a se esquecer de comer. Depois que aquele ano acabasse as coisas ficariam melhores, ela poderia se dedicar somente ao trabalho. Então retomaria a saúde que sempre tivera.
O céu da noite começava a se exibir para nós com vaidade. O negrume das madeixas dela se derramava sobre o meu peito com perfume de flor.
— Não consigo encontrar. — ela falou. As minhas estrelas preferidas. Que estranho.
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Tempo Quebrado | 2
RomanceA maçã tem o gosto do pecado... e a cor do sangue. Gael Ávila e Alma Ferraz conquistaram o direito à liberdade e ao amor que nasceu como um fruto proibido. Mas um romance assim, sempre cobra o seu preço! Uma decisão foi tomada, um sacrifício foi fei...