29 - Raposa branca

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A jovem ruiva estava sentada de pernas cruzadas sobre uma pedra contra a luz flamejante e mutável do pôr do sol. Uma mão apoiada em cada joelho e os olhos fechados. O rosto sereno e tranquilo em profunda meditação. Um raio de mais ou menos uns dois metros em volta dela estava congelado. As plantas cristalizadas e uma cobertura de neve forrava o chão. Tudo branco e frio com a exceção do vermelho vivo e quente da cortina longa de cabelos selvagens como o fogo. Ela parecia uma vela acesa.

Eu olhei o aprendiz ao meu lado com um olho roxo que tremia ligeiramente de nervoso e acariciava a mão enfaixada. Elisa estava brava e emburrada porque teve de cuidar do ferimento dele antes de virmos para cá. Ramon não teve coragem, choramingando feito um bebê.

"Não podemos só decepar fora a mão? — ela havia sugerido.

O garoto quase desmaiara quando ouvira tais palavras. Quase caí na risada, o que estragaria toda a cena dramática.

Nada disso. Podemos precisar dele inteiro. — eu havia dito saindo da cabana. — Tire essa faca daí e enfaixe a mão dele logo e vamos embora."

Elisa cuspira insultos para mim e para ele, reclamando de sempre ter que limpar a minha bagunça, e ameaçando o rapaz de que se ele não calasse logo a boca e parasse de chorar iria lhe arrancar a língua. Mas acabara fazendo um trabalho excelente com a ferida.

Do outro lado, Elisa empurrou o garoto pelas costas, obrigando-o a dar um passo à frente, na direção da criatura sagrada. O aprendiz olhou para ela e negou em silêncio. Ela ficou vermelha. O fogo lhe subindo à cabeça. Elisa apontou para a ruiva imóvel com os olhos ardendo em brasa sobre Ramon. Eu podia imaginar a lista de ameaças que ela estava berrando em sua mente. Adoro essa garota! A beleza delicada do corpo exterior em choque frontal com a agressividade da fúria em ebulição interior. Ela estava se segurando para não dar uns bons tapas nele. Era melhor o aprendiz se cuidar e não passar muito perto dela sem necessidade.

Ele murchou ainda mais sob aquele olhar. Eu ri por dentro. O garoto engoliu em seco e se aproximou mais de sua mestra. Nós o seguimos um pouco atrás.

— Selva, filha da lua. — ele chamou, tremendo com uma reverência.

A neve chiou e os cristais de gelo trincaram.

— Quantas vezes eu já disse para não interromper, Ramon? — as pálpebras se abriram.

— Perdão, mestra. — ele continuava de cabeça baixa.

O verde dos olhos dela encontrou o meu numa expressão de surpresa. Imitei a reverência do aprendiz, dando uma cotovelada em Elisa para que fizesse o mesmo.

— Gael! — a criatura esboçou um sorriso.

A neve derreteu e as plantas descongelaram. Ela se levantou e veio até nós. O sorriso cresceu. Uma ponta de alívio começava a me fazer cócegas.

— E Elsa. Há quanto tempo! — Selva continuou.

— Elisa. — a jovem loura retrucou na hora.

— Perdão? — a ruiva olhou confusa.

— É Elisa. E não Elsa! — a voz da mocinha exibia um desagradável tom de sarcasmo.

O que a Elisa estava querendo? Irritar a criatura?! Isso não me ajudava em nada! Não podia ser só um pouquinho mais simpática?!

— Ah, perdão! Elisa. — Selva se corrigiu com simpatia. — Então, o que os trazem até mim?

— Sabe o que o seu pupilo anda aprontando por aí? — Elisa acusou.

Tempo Quebrado | 2Onde histórias criam vida. Descubra agora